UM JOVEM INVESTIGADOR
EMIGRADO
ESCREVE AO PRESIDENTE
DA REPÚBLICA
O caso passou-se na
Itália. Pela sua aproximação ao que se passa no nosso País, cuja situação é idêntica;
pelo conteúdo e beleza desta carta, decidi traduzi-la. Merece ser lida.
Foi publicada no jornal La
Repubblica, teve um grande eco, sobretudo no
meio académico, e já
mereceu a resposta do Presidente Giorgio Napolitano, o qual não deixou de
dar-lhe razão.
Quem a escreve é um
jovem de trinta e dois anos, forçado a emigrar para o Reino Unido, exactamente
como milhares de outros jovens: na Itália como em Portugal.
Eis o que diz a carta:
Ex.mo Senhor
Presidente da República
O meu nome é Cosimo Lacava, a minha profissão é
investigar no âmbito da optoelectrónica para as comunicações em fibra óptica.
Escrevo-lhe esta
carta após ter conhecido as medidas que o Governo actual entende levar avante,
relativamente à Universidade e à Investigação. Refiro-me especialmente à norma
prevista pelo art. 28, alínea 20 da Lei de Estabilidade, em discussão no
Parlamento.
Tal norma pretende
cancelar quanto previsto pelo art. 4 do decreto-lei 49/12 que introduzia um
princípio sacrossanto, isto é: dever-se-ia pensar também no futuro e não
somente no presente, assim com na didáctica das universidades; que os recursos
disponíveis deveriam ser distribuídos com equidade entre as progressões de
carreira (legítimas) e as imissões no quadro de jovens investigadores do tipo b
(em conformidade com a lei 240/10). É a única forma com uma perspectiva certa e
clara, depois de três anos de trabalho de investigação de qualidade,
certificado pela obtenção da habilitação nacional de professor associado, a fim
de poder entrar e fazer parte do orgânico da universidade.
A abolição daquele
princípio, Sr. Presidente, representará uma escolha míope e insensata, pois não
olharia para o futuro, mas apenas o presente, piorando um quadro já
comprometido e com o risco de reduzir o futuro capital humano da Investigação
Italiana: capital humano que deverá inovar e confrontar-se com as outras
realidades europeias e mundiais. Seria uma escolha que daria o aval àquela
política universitária predisposta a premiar quem, estavelmente, já trabalhe
como efectivo. Também sob o ponto de vista simbólico, tratar-se-ia de um
péssimo sinal para os mais jovens.
Rogo-lhe, portanto,
conhecendo a atenção que desde sempre dedicou ao sistema universitário e ao seu
futuro, de fazer tudo quanto é possível, dentro das suas possibilidades
políticas e institucionais, a fim de esconjurar aquela modificação normativa
que a Lei de Estabilidade quer introduzir.
Também lhe escrevo,
Sr. Presidente, para contar-lhe a minha história. Creio que é igual a tantas
outras, mas talvez mereça ser contada, para evitar que tudo se torne normal,
tudo se aceite.
A minha história é
simples: nasci em Grottaglia, província de Taranto. O meu pai trabalhou 40 anos
na ILVA de Taranta. Graças aos seus sacrifícios, estudei Engenharia Electrónica
no Politécnico de Bari. Fiz o Mestrado em Pavia, Universidade plena de
excelências no campo que mais me interessava, a optoelectrónica. Decidi
inscrever-me no concurso de doutorado do qual saí vencedor de uma bolsa de
estudo. Foi um dos momentos mais belos da minha carreira de estudos, porque,
naquele momento, compreendi que “era uma coisa possível” e que a Investigação
italiana, daquela maneira, tinha decidido investir recursos em mim. Há cerca de
um ano concluí o doutoramento. Foram três anos intensos, nos quais, quem me
seguiu “ensinou-me uma profissão”, literalmente a partir de zero: a de
investigador.
Nestes anos não pude
ignorar a outra grande paixão da minha vida: fazer Política. Sempre pratiquei
Política, fora e dentro da Universidade. Penso que fazer Política signifique,
simplesmente, esforçar-se por resolver problemas. Quando faço política sento-me
no lugar certo, no momento certo, porque me apercebo que, se há problemas para
resolver, de qualquer maneira a paixão ajuda-me a compreender qual é a solução.
Só quem faz isto dia a dia sabe o que entendo dizer, e penso que o Sr.
Presidente compreende o que entendo.
Depois de um ano de pós-doutorado
tive de abandonar tudo isto. Tive de deixar o meu trabalho na Itália, porque me
apercebi (e não é difícil chegar a esta conclusão) que ali não existiam (e não
existem) perspectivas para quem quer exercer a minha actividade. Fui forçado a
emigrar, abandonando um potencial grupo de investigação em crescimento. Tudo
isto enquanto o nosso Governo quer aprovar normas, como a que lhe descrevi no
início, que vão na direcção errada, sem olhar para o futuro e que, porque
injustas, abatem o moral de quantos, entre os mais jovens, desejariam e querem
continuar a fazer investigação no nosso amado País.
Hoje, na Universidade
italiana, resiste-se, Sr. Presidente, nada mais. Procura-se, estrenuamente (em
diversos casos, no entanto, consegue-se, mas a preço de enormes sacrifícios!),
fazer investigação de qualidade com poucos fundos, logo, com pouco pessoal e
poucos meios.
Sei já o que poderão
dizer alguns dos que estão a ler esta carta: O dinheiro deve-se procurar noutro
lado, Fundos Europeus, etc. Tudo verdadeiro, mas isto, pelo menos no
departamento do qual provenho, é feito e até bem. Não se pode fazer mais,
porque continuando a cortar fundos corta-se a base sobre a qual, nós,
investigadores, devemos construir o resto e, de seguida, encontrar fundos
externos. É um conceito simples: se não existe a base não se pode construir o
que deve ser feito em seguida.
Para não falar do
facto incrível dos projectos SIR (Scientific
Independence of Young Researchers),
publicados em Fevereiro, caducidade em Março (um mês para escrever um
projecto?) e dos quais, até hoje, não se conhecem os resultados (pelo meio, uma
história feita de ineficiências e incompetências… mas fico-me por aqui).
Alguém
dirá que é positivo fazer “uma experiência” no estrangeiro. Não posso deixar de
concordar, na condição, porém, que haja a possibilidade de regressar e que a
Itália hospede outros investigadores de outras partes do mundo para que também
ela possa enriquecer-se. É o que está a acontecer neste momento? Absolutamente,
não.
Actualmente vivo em
Salisbury, uma pequena cidade inglesa de Wiltshire. Todas as manhãs, às 7,30, tomo
o comboio que me transporta até Southampton, onde trabalho. A minha
investigação é de interesse internacional e poderia trazer, nos próximos anos,
tantas inovações no campo das comunicações a banda larga que, seguramente,
serão também de interesse primário para o nosso País.
Não sei quantificar,
com precisão, quanto o Estado italiano gastou para a minha formação. Sei que o
custo, para o Estado, desde a escola primária até à obtenção do título de
Doutor de Investigação, é estimado em 500.000 euros. Hoje, um outro país cobra
a vantagem de tudo isto sem nada dar em troca. E as estatísticas destes últimos
anos, que não cito, Sr. Presidente, porque imagino que as conheça, relatam um
autêntico êxodo para o estrangeiro de tantos, tantíssimos jovens como eu. Não é
normal, e só desejaria que alguém se apercebesse disso.
Enfim, desejaria
acrescentar, Sr. Presidente, que esta não é uma carta para comunicar “quanto me
sinto mal”. Pelo contrário, eu estou muitíssimo bem, sinto-me “um
privilegiado”, porque faço um trabalho que me agrada, que me apaixona. O
salário que recebo é justamente proporcionado ao trabalho que me foi atribuído
e as perspectivas que tenho são prometedoras, vivo bem e sou feliz: desejaria, porém,
decidir de fazê-lo no meu e para o meu País.
Nestes momentos tenho
consciência que contribuir para o bem comum da Itália está a tornar-se num
privilégio para nós, italianos, e creia-me, Sr. Presidente, isto dói, dói muito.
Desejaria, pelo contrário, poder regressar e investir uma consistente parte do
meu tempo livre em empenhos civis e políticos para deixar um país melhor às
gerações que se seguirão.
No resto do tempo
desejaria simplesmente trabalhar, fazer o meu trabalho, através do qual contribuir
igualmente para o bem comum e também demonstrar que o investimento feito sobre a
minha pessoa foi um bom investimento.
Com uma cordial
saudação
Cosimo Lacava
Southampton,
27/11/2014
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