segunda-feira, dezembro 08, 2014

UM JOVEM INVESTIGADOR EMIGRADO
ESCREVE AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

O caso passou-se na Itália. Pela sua aproximação ao que se passa no nosso País, cuja situação é idêntica; pelo conteúdo e beleza desta carta, decidi traduzi-la. Merece ser lida.
Foi publicada no jornal La Repubblica,  teve um grande eco, sobretudo no
meio académico, e já mereceu a resposta do Presidente Giorgio Napolitano, o qual não deixou de dar-lhe razão.

Quem a escreve é um jovem de trinta e dois anos, forçado a emigrar para o Reino Unido, exactamente como milhares de outros jovens: na Itália como em Portugal. 

Eis o que diz a carta:

Ex.mo Senhor Presidente da República

O meu nome é Cosimo Lacava, a minha profissão é investigar no âmbito da optoelectrónica para as comunicações em fibra óptica.
Escrevo-lhe esta carta após ter conhecido as medidas que o Governo actual entende levar avante, relativamente à Universidade e à Investigação. Refiro-me especialmente à norma prevista pelo art. 28, alínea 20 da Lei de Estabilidade, em discussão no Parlamento.

Tal norma pretende cancelar quanto previsto pelo art. 4 do decreto-lei 49/12 que introduzia um princípio sacrossanto, isto é: dever-se-ia pensar também no futuro e não somente no presente, assim com na didáctica das universidades; que os recursos disponíveis deveriam ser distribuídos com equidade entre as progressões de carreira (legítimas) e as imissões no quadro de jovens investigadores do tipo b (em conformidade com a lei 240/10). É a única forma com uma perspectiva certa e clara, depois de três anos de trabalho de investigação de qualidade, certificado pela obtenção da habilitação nacional de professor associado, a fim de poder entrar e fazer parte do orgânico da universidade.

A abolição daquele princípio, Sr. Presidente, representará uma escolha míope e insensata, pois não olharia para o futuro, mas apenas o presente, piorando um quadro já comprometido e com o risco de reduzir o futuro capital humano da Investigação Italiana: capital humano que deverá inovar e confrontar-se com as outras realidades europeias e mundiais. Seria uma escolha que daria o aval àquela política universitária predisposta a premiar quem, estavelmente, já trabalhe como efectivo. Também sob o ponto de vista simbólico, tratar-se-ia de um péssimo sinal para os mais jovens.

Rogo-lhe, portanto, conhecendo a atenção que desde sempre dedicou ao sistema universitário e ao seu futuro, de fazer tudo quanto é possível, dentro das suas possibilidades políticas e institucionais, a fim de esconjurar aquela modificação normativa que a Lei de Estabilidade quer introduzir.

Também lhe escrevo, Sr. Presidente, para contar-lhe a minha história. Creio que é igual a tantas outras, mas talvez mereça ser contada, para evitar que tudo se torne normal, tudo se aceite.
A minha história é simples: nasci em Grottaglia, província de Taranto. O meu pai trabalhou 40 anos na ILVA de Taranta. Graças aos seus sacrifícios, estudei Engenharia Electrónica no Politécnico de Bari. Fiz o Mestrado em Pavia, Universidade plena de excelências no campo que mais me interessava, a optoelectrónica. Decidi inscrever-me no concurso de doutorado do qual saí vencedor de uma bolsa de estudo. Foi um dos momentos mais belos da minha carreira de estudos, porque, naquele momento, compreendi que “era uma coisa possível” e que a Investigação italiana, daquela maneira, tinha decidido investir recursos em mim. Há cerca de um ano concluí o doutoramento. Foram três anos intensos, nos quais, quem me seguiu “ensinou-me uma profissão”, literalmente a partir de zero: a de investigador.

Nestes anos não pude ignorar a outra grande paixão da minha vida: fazer Política. Sempre pratiquei Política, fora e dentro da Universidade. Penso que fazer Política signifique, simplesmente, esforçar-se por resolver problemas. Quando faço política sento-me no lugar certo, no momento certo, porque me apercebo que, se há problemas para resolver, de qualquer maneira a paixão ajuda-me a compreender qual é a solução. Só quem faz isto dia a dia sabe o que entendo dizer, e penso que o Sr. Presidente compreende o que entendo.

Depois de um ano de pós-doutorado tive de abandonar tudo isto. Tive de deixar o meu trabalho na Itália, porque me apercebi (e não é difícil chegar a esta conclusão) que ali não existiam (e não existem) perspectivas para quem quer exercer a minha actividade. Fui forçado a emigrar, abandonando um potencial grupo de investigação em crescimento. Tudo isto enquanto o nosso Governo quer aprovar normas, como a que lhe descrevi no início, que vão na direcção errada, sem olhar para o futuro e que, porque injustas, abatem o moral de quantos, entre os mais jovens, desejariam e querem continuar a fazer investigação no nosso amado País.

Hoje, na Universidade italiana, resiste-se, Sr. Presidente, nada mais. Procura-se, estrenuamente (em diversos casos, no entanto, consegue-se, mas a preço de enormes sacrifícios!), fazer investigação de qualidade com poucos fundos, logo, com pouco pessoal e poucos meios.

Sei já o que poderão dizer alguns dos que estão a ler esta carta: O dinheiro deve-se procurar noutro lado, Fundos Europeus, etc. Tudo verdadeiro, mas isto, pelo menos no departamento do qual provenho, é feito e até bem. Não se pode fazer mais, porque continuando a cortar fundos corta-se a base sobre a qual, nós, investigadores, devemos construir o resto e, de seguida, encontrar fundos externos. É um conceito simples: se não existe a base não se pode construir o que deve ser feito em seguida.
Para não falar do facto incrível dos projectos SIR (Scientific Independence of Young Researchers), publicados em Fevereiro, caducidade em Março (um mês para escrever um projecto?) e dos quais, até hoje, não se conhecem os resultados (pelo meio, uma história feita de ineficiências e incompetências… mas fico-me por aqui). 
Alguém dirá que é positivo fazer “uma experiência” no estrangeiro. Não posso deixar de concordar, na condição, porém, que haja a possibilidade de regressar e que a Itália hospede outros investigadores de outras partes do mundo para que também ela possa enriquecer-se. É o que está a acontecer neste momento? Absolutamente, não.

Actualmente vivo em Salisbury, uma pequena cidade inglesa de Wiltshire. Todas as manhãs, às 7,30, tomo o comboio que me transporta até Southampton, onde trabalho. A minha investigação é de interesse internacional e poderia trazer, nos próximos anos, tantas inovações no campo das comunicações a banda larga que, seguramente, serão também de interesse primário para o nosso País.

Não sei quantificar, com precisão, quanto o Estado italiano gastou para a minha formação. Sei que o custo, para o Estado, desde a escola primária até à obtenção do título de Doutor de Investigação, é estimado em 500.000 euros. Hoje, um outro país cobra a vantagem de tudo isto sem nada dar em troca. E as estatísticas destes últimos anos, que não cito, Sr. Presidente, porque imagino que as conheça, relatam um autêntico êxodo para o estrangeiro de tantos, tantíssimos jovens como eu. Não é normal, e só desejaria que alguém se apercebesse disso.

Enfim, desejaria acrescentar, Sr. Presidente, que esta não é uma carta para comunicar “quanto me sinto mal”. Pelo contrário, eu estou muitíssimo bem, sinto-me “um privilegiado”, porque faço um trabalho que me agrada, que me apaixona. O salário que recebo é justamente proporcionado ao trabalho que me foi atribuído e as perspectivas que tenho são prometedoras, vivo bem e sou feliz: desejaria, porém, decidir de fazê-lo no meu e para o meu País.

Nestes momentos tenho consciência que contribuir para o bem comum da Itália está a tornar-se num privilégio para nós, italianos, e creia-me, Sr. Presidente, isto dói, dói muito. Desejaria, pelo contrário, poder regressar e investir uma consistente parte do meu tempo livre em empenhos civis e políticos para deixar um país melhor às gerações que se seguirão.
No resto do tempo desejaria simplesmente trabalhar, fazer o meu trabalho, através do qual contribuir igualmente para o bem comum e também demonstrar que o investimento feito sobre a minha pessoa foi um bom investimento.
Com uma cordial saudação
Cosimo Lacava
Southampton, 27/11/2014