FEMINICÍDIO:
NEOLOGISMO QUE SE IMPÕE
Esposas, noivas, namoradas, companheiras, estas são as vítimas predestinadas - aqui na civilizadíssima Europa - à barbárie da masculinidade entendida como sexo dominador e patrão. Quem toma iniciativas ou, muito simplesmente, levanta a cabeça e decide da sua vida como muito bem entende e não se sente submetida a quem quer que seja, o macho patrão torna-se num assassino com plenos direitos.
Na Itália, onde assassínios deste género se verificam periodicamente e talvez com mais frequência que noutros países, o neologismo feminicídio impôs-se, embora já tivesse sido usado para denunciar a violência sobre os seres femininos que impera em tantos partes do mundo; a documentação sobre esta dramática realidade é vastíssima!
Infelizmente, em Portugal também abundam os feminicídios a que me refiro. O machismo é resistente a quaisquer teses de bom senso e respeito pela integridade, dignidade e autonomia do sexo oposto. Mais resistentes, porém, são os preconceitos e mentalidades atrofiadas por tradições medievais e fundamentalismos religiosos. Estes, sobretudo, põem na mulher todo o peso das responsabilidades de como se entende o comportamento moral e social.
E chego ao caso que produziu grande escândalo na Itália, grande indignação e me impeliu a escrever sobre feminicídios e ao modo de pensar de tantos trogloditas laicos e religiosos. Se bem que, talvez o homem das cavernas tivesse mais respeito pela companheira, coadjuvante na luta diária pela subsistência.
Esclareço que não quero generalizar. Quando falo de “trogloditas”, aludo apenas àquela percentagem de tarados sexuais ou às pessoas de baixos instintos, mais próximas do animalesco que de comportamentos humanos. Paralelamente, também incluo quem vê na mulher somente um ser obediente e de propriedade; não a companheira com quem se caminha na vida com as mesmas preocupações, direitos e deveres.
Mas vamos ao caso. No dia de Natal, o padre Pietro Corsi, pároco de San Terenzo – paróquia na Província de La Spezia (Ligúria) – decidiu fixar na porta da igreja um comunicado sobre os feminicídios com o título:
“As mulheres e o feminicídio, façam uma autocrítica sã. Quantas vezes provocam?”. E continua:
A análise do fenómeno que os sólitos jornais e TV chamam, precisamente, feminicídio.
Uma imprensa fanática e desviada atribui ao homem que não aceita a separação este impulso para a violência. Perguntemo-nos: como é possível que os homens, repentinamente, tenham enlouquecido? Não o cremos. O nó da questão está no facto que as mulheres, sempre com mais frequência, provocam, caem na arrogância, crêem-se auto-suficientes e acabam por exasperar as tensões. (o sublinhado é meu)
[…] Quantas vezes vemos raparigas e senhoras maduras caminhar pelas ruas com vestidos provocantes e reduzidos? Quantas traições se concretizam nos postos de trabalho, nas palestras e nos cinemas? Poderiam evitá-lo. Aquelas provocam os piores instintos e assim se chega à violência ou abuso sexual (repito que são coisas de malandros).
Façam um correcto exame de consciência e pensem: talvez fôssemos nós que também tivéssemos contribuído para isto.
Mulheres? A eterna “Eva tentadora e a fonte de todos os pecados”: não é assim que pensam tantos “Senhores Abades” e tantos laicos ignorantes?
A indignação perante este manifesto que, praticamente, justifica os assassínios e violências sexuais, foi geral em toda a Itália e levou os paroquianos da localidade a protestarem e, de imediato, desertarem a “Missa do Galo”.
O bispo da diocese, irritado com a iniciativa do sacerdote, deu ordem para que o panfleto fosse removido imediatamente, a que o padre Corsi obedeceu.
Todavia, não se deu por vencido. Nas várias entrevistas, o arrazoado com que se justificou ainda foi pior. Obviamente, vozes retrógradas e fundamentalistas não perderam ocasião de o apoiarem.
Em toda esta história, quando se alude ao vestuário feminino “provocante e reduzido”, eu também faço as minhas críticas.
Não, senhor, nada que ver com puritanismos ou algo semelhante.
O que fere os meus olhos é, pura e simplesmente, a traição à estética e ao bom gosto.
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