domingo, novembro 11, 2007

BOM JORNALISMO
UM "MONSTRO SACRO" DESSE BOM JORNALISMO: ENZO BIAGI

Enzo Biagi 1920-2007
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Sendo uma inveterada leitora de jornais, sempre atribuí grande importância ao que um bom jornal pode proporcionar: quer em informação, quer em opiniões ou interpretações dos factos, da realidade. Implicitamente, consagro grande admiração àquela espécie de jornalista que jamais se adequa às tortuosidades do poder, seja de que espécie for. Àquele jornalista que vai ao encontro dos factos, dos acontecimentos, partindo sem opiniões ou ideias preconcebidas.

Admiro um jornalista original, simples, com estilo claro e transparente, confiante apenas na sua experiência de grande observador imparcial ou, pelo menos, honesto.

Enzo Biagi foi o grande mestre dessa espécie de jornalistas que admiro.

Morreu no passado dia seis. Tinha 87 anos, mas sempre com uma mente lucidíssima e brilhante.
Nunca aceitou compromissos. Dizia que se errasse, erraria por sua conta, mas nunca por conta de terceiros - por isso mesmo teve, várias vezes, de recomeçar a sua actividade de jornalista.

A faceta - a grande especialidade - que mais lhe admirava era a de entrevistador. Insuperável na arte simples e concisa de formular as perguntas, sem que estas jamais fossem agressivas ou provocatórias. Teve oportunidade de entrevistar quase todas as celebridades ou potentes da Terra
A Itália tributou-lhe uma sincera e indiscutível homenagem. Melhor dizendo, toda a Itália, não: os acólitos do Sr. Berlusconi limitaram-se a frases de circunstância. Arrogantemente, sentiam-se envergonhados e há uma razão.

Enzo Biagi, não somente foi grande no jornalismo impresso, como jornalista televisivo, além de escritor de "mais de setenta livros traduzidos em dez países e com uma difusão de sete milhões de exemplares".
De 1995 a 2002 era autor e apresentador de uma excelente rubrica, “O Facto”, transmitida após o telejornal das 20h e que sempre foi muito seguida. Durava 10 ou 15 minutos, salvo erro, e comentava o facto do dia que lhe merecesse mais atenção.
Quando necessário, sabia arranhar os eventos ou as personagens, mas sempre com classe e modos suaves.

Em plena campanha eleitoral, 10 de Maio 2001, entrevistou Roberto Benigni (já o tinha entrevistado outras vezes: o brilho do entrevistador e a génio do entrevistado tornavam essas entrevistas irresistíveis). Pois bem, nessa última entrevista, quando Biagi lhe acenou à política, Benigni respondeu: Sr. Biagi, hoje não quero falar de política… só quero falar de Berlusconi. E dali partiu a sua verve cómica, sendo Berlusconi, obviamente, o alvo. Assisti a esse episódio e nada vi que pudesse ser denigrativo.

Berlusconi, o parvenu da política, embriagado pela popularidade que alcançou - popularidade para a qual os seus jornais e televisões muito contribuíram – encontrando-se em Sófia, numa conferência de imprensa declarou que havia uns senhores na RAI, um dos quais Biagi, que faziam um uso criminoso dos programas de uma TV que os contribuintes italianos pagavam. A RAI deveria providenciar para que mudasse tal situação.
Pois bem, a “esses senhores criminosos” – jornalistas que mantiveram as costas direitas perante a onda berlusconiana - não foi renovado o contrato! Enquanto durou o reinado de Berlusconi, nunca mais puderam trabalhar na RAI. Esta grave indecência ficou e é conhecida como “édito búlgaro”.

E esta é também uma das razões por que detesto “il Signor Berlusconi” político. Vê-lo então como primeiro-ministro, para mim é só concebível como uma aberração de uma democracia doente, mas muito doente!

Hoje, nega ter contribuído para o afastamento de Biagi. Até nisto demonstra a falta de estilo e dignidade. Se ao menos estivesse calado!...

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Quero transcrever alguns dos chamados aforismos (ou frases com um certo humorismo) de Biagi e que alguns jornais publicaram. Vale a pena lê-los.

Após uma enésima gafe de Berlusconi, com muita pacatez e diante das câmaras televisivas, exprimiu-se deste modo:
Como cidadão italiano, peço desculpa pelas extravagâncias verbais do nosso Primeiro-Ministro: algumas vezes, primeiro fala e depois pensa.

A sociedade é permissiva nas coisas que não custam nada.

Pode-se estar à esquerda de tudo, mas não do bom senso.
(Biagi era um socialista da velha guarda: princípios de grande humanidade e equilíbrio)

Se Berlusconi tivesse as tetas, também faria a anunciadora televisiva

O dinheiro chega sempre quando já não se tem fome

O belo da democracia está nisto: todos podem falar, mas não ocorre escutar.

Somos todos irmãos, mas é difícil estabelecer quem é Caim e quem é Abel

Algumas vezes é incómodo sentir-se irmãos, mas é grave sentir-se filhos únicos.

Na história da humanidade não cai o pano. Se somente nos pudéssemos afastar do teatro antes do fim do espectáculo!

Sempre acreditei que, se há um lugar no mundo onde não existem raças, este é precisamente a Itália: efectivamente, as nossas antepassadas tiveram demasiadas ocasiões de entretenime
nto.

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Para terminar, descrevo um episódio da rubrica “O Facto” que muito me divertiu.
O actual Ministro da Justiça é o líder de um pequeno partido, UDEUR (1,2% do eleitorado!). Chama-se Clemente Mastella. Faz parte da coligação do governo, mas muito atento a não contrariar a oposição; nunca se sabe!...
Não sei se classificá-lo politicante ou politicastro.

Num dos anteriores governos, durante as negociações para a distribuição de cargos executivos, Mastella, ciente da utilidade dos seus votos, apresentou as suas reivindicações… para se manter fiel, obviamente! - aliás, a mesma peça foi repetida com este governo Prodi.
Enzo Biagi, escolhendo essa matéria para o Facto do dia, começou a enumerar as tais pretensões: ministérios, subsecretariados, e por aí adiante.
Esperei um comentário irónico (a ironia era uma outra sua característica). Porém, não despendeu muitas palavras: apenas duas. Quando terminou a enumeração, concluiu: Que apetite!! E passou à frente.
Alda M. Maia