segunda-feira, fevereiro 20, 2017

“OS TERRORISTAS NÃO VÃO PARA O PARAÍSO”

Tahar Ben Jelloun

Já não é a primeira vez que, neste blogue, dedico o meu texto ao escritor marroquino que vive em França, Tahar Ben Jelloun.
Se antes aludi ao livro deste autor, “O racismo explicado à minha filha”, hoje traduzo a mensagem que Ben Jelloun endereçou às crianças sobre o terrorismo islâmico (publicada no jornal italiano La Stampa).

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 Quero explicar que o Islão não predica violência e que esta mensagem deve chegar às escolas dos nossos filhos.

Após o dia 13 de Novembro 2015, a noite da tragédia do Bataclan que fechou com 130 mortos e 413 feridos, pensei nas famílias que perderam os seus entes queridos. Para além da dor e do luto, para além do horror, disse a mim mesmo: «um pai como poderá explicar ao filho que a sua irmã ou o seu irmão morreu, indo a um concerto? Como enfrentar o tema do terrorismo e dos que o praticam, os terroristas? Como escolher as palavras adequadas e dizer a verdade?

Reflectindo sobre o assunto, concluí que o terrorismo não é um fenómeno novo. Existiu desde sempre e foi utilizado como arma de chantagem para difundir o medo e o pânico. Por este motivo, contei a história do terrorismo, a partir da revolução francesa até aos nossos dias.
Os actores e as motivações mudam, mas os métodos são sempre os mesmos, embora actualmente com qualquer coisa de novo: o recurso aos media às redes sociais network que fazem viver os eventos no imediato e em directa.

Às crianças é necessário dizer a verdade. Mentir, escondendo-lhes a realidade dos factos com receio de transtorná-las ou de traumatizá-las é uma escolha errada. Cedo ou tarde, a verdade chegar-lhes-á. Logo, é melhor prepará-las no momento em que as coisas acontecem. Acabou o tempo no qual as crianças eram protegidas, sinónimo de doçura e alegria. Hoje, imagens de todos os tipos invadem o nosso espaço, seja na rua ou em casa, na televisão ou no ecrã do nosso computador. A Internet vem procurar-nos e encontra-nos. As novas tecnologias abalaram a percepção do mundo e confundiram-na com o virtual, acabando por tomar o lugar da realidade.

Tudo isto os terroristas do Estado Islâmico sabem-no bem e exploram-no com eficácia. As coisas mais difíceis de explicar às crianças, quando se fala de terrorismo, são as motivações destas pessoas. Como fazer compreender a uma criança que o instinto de vida e de conservação se transforma em instinto de morte? Como expor-lhes o famoso «paraíso» que os terroristas apresentam aos jovens que recrutam para a Jihad?

Apercebi-me que era preciso recuar às origens do Islão e reconstruir como algumas pessoas interpretam a palavra de Deus. As crianças, todavia, não podem absorver todas estas informações históricas. É necessário simplificar, tornar claro o que é complexo, ir ao essencial. Dizer-lhes, por exemplo, que as religiões, frequentemente, foram utilizadas pela gente por razões erradas. Pode-se fazer dizer às religiões o que se quer. No livro, a este propósito, dou alguns exemplos para cada uma das três religiões monoteístas. Deve-se evitar que as crianças sobreponham Islão e terrorismo e recordar-lhes um verseto importante do Corão: «Aquele que mata um inocente mata a humanidade inteira».

Iniciei a escrever este livro depois de ter explicado o racismo e, num segundo tempo, o Islão. Fiz um trabalho pedagógico preciso, feito de verificações e num estilo que estivesse ao alcance de todos.
Estas experiências levaram-me a centenas de escolas no mundo, onde estes livros foram traduzidos. Apercebi-me que todas as crianças se assemelham, seja qual for o lugar de origem. Mais ou menos, todas formulavam as mesmas perguntas.
Quando sucedeu o ataque a Charlie Hebdo e, depois, à loja Kosher em Vincennes, em 07 de Janeiro 2015, não somente senti horror, mas fiquei mesmo sem palavras. Já não sabia mais que dizer, o que fazer. Perdi dois amigos entre os humoristas de Charlie: Wolinski e Cabu que conhecia de há 35 anos. 
“A perturbação e depois a impotência das famílias precipitaram-me num desencorajamento que me desconcertava. Em seguida, novos ataques, em plena Paris, com muitas dezenas de mortos, alguns dos quais de confissão muçulmana. Compreendi a mensagem: os terroristas queriam atacar o estilo de vida dos franceses. Depois de ter «punido» a liberdade de expressão, quiseram matar os que, num sábado à noite, se divertiam. Foi então que decidi ir escavar na história e na psicologia, a fim de compreender – ou, pelo menos, procurar compreender – as origens deste fenómeno que não tem precedentes, nem no Islão nem na história do mundo árabe.

Às crianças que encontrei nas escolas, disse quanto este terrorismo fosse incompreensível e absolutamente injustificável. «E então por que existe?», perguntavam elas.
Sem entrar na filosofia niilista ou na ideologia do sacrifício, procurei demonstrar quanto o que sucede seja difícil de compreender. Em seguida, disse que, na história, frequentemente, houve pessoas que exprimiram a própria revolta contra a sociedade, provocando pânico e morte entre cidadãos inocentes. Expliquei-lhes também quanto o mundo árabe (e muçulmano) seja atravessado por crises profundas e como a maior parte dos governantes não tenha sido democrática nem tenha respeitado os cidadãos.

“Porquê a França, a Bélgica, a Alemanha? Porque ali vivem os filhos dos imigrados, vindo do Magrebe, que não se adaptaram à vida europeia. A cultura escassa, as fragilidades familiares permitiram aos recrutadores da Jihad convencê-los a mudar vida e escolher a morte que lhes garante o ingresso no paraíso, onde serão recompensados pelos seus sacrifícios.
Também lhes dizem: «No Ocidente, na vossa vida não vos realizastes; com a Jihad realizar-vos-eis com a morte e tereis uma vida decididamente melhor»Tahar Ben Jelloun - La Stampa, 16 / 02 / 2017