QUE ADJECTIVOS
USARÍAMOS
NA DEFINIÇÃO DE UMA
FLOR?
Matteo e o seu petaloso
A definição mais
espontânea seria recorrer à adjectivação linda, perfumada. E por que não acrescentar “petalosa”, sabendo que
pétalas são as folhas que formam a corola, uma das partes caracterizantes da
flor?
Todavia, em português, como na
língua italiana, este adjectivo não existe.
Mas eis que surge um
menino de 8 anos, Matteo, aluno do terceiro ano do primeiro ciclo, na escola Marchesi
di Copparo (Ferrara). E eis que também surge uma linda história.
Num exercício de
gramática sobre adjectivos, Matteo deveria definir uma flor. Definiu-a-a com os
seguintes adjectivos: perfumada, petalosa.
Explicou mais tarde: “A
professora pediu-nos para descrever
uma flor. Escolhi a minha preferida que recolho no jardim de casa. Gosto dela
porque tem muitas pétalas e, assim, escrevi petalosa.
A professora,
excelente professora, corrigiu petalosa como erro, palavra inexistente no
vocabulário, classificando-o, no entanto, como um “1 erro belo”. Mas foi
mais longe. O neologismo agradou-lhe e sugeriu que fosse enviado, a fim de obter
uma avaliação, à academia que é o rigoroso guardião da língua italiana (na
Itália e no mundo): a “Accademia della Crusca”.
Explicou aos alunos o
que é esta Academia, estudaram bem o assunto, prepararam uma carta, escrita por
Matteo, e enviaram-na.
Todos estes
acontecimentos sucederam nos primeiros dias de Fevereiro. A resposta da
Academia chegou no passado dia 23 do mesmo mês. Foi saudada com uma salva de palmas,
pois não poderia ser melhor.
Resposta da Accademia della Crusca:
“Caro
Matteo, a palavra que inventaste é uma palavra bem formada e poderia ser
utilizada em italiano como são usadas palavras formadas da mesma maneira. A tua
palavra é bela e clara. É necessário que a nova palavra não seja usada somente
por quem a inventou, mas que a usem tantas pessoas e que tantas pessoas a
compreendam. Se conseguirás difundir a tua palavra entre tantas pessoas e
tantas pessoas na Itália começarão a escrever e dizer «Como é petalosa esta
flor!» ou, como tu sugeres, «as margaridas são flores petalosas, enquanto as
papoilas não são muito petalosas», eis que, então, petalosa tornar-se-á numa
palavra italiana, porque os italianos conhecem-na e usam-na.”
Além desta resposta,
a famosa Academia convidou a classe de Matteo a visitar a sede da “Accademia della
Crusca” em Florença.
A redactora da mesma Academia,
Maria Cristina Torchia, esclareceu que “A
carta de Matteo fez-nos discutir. Chegou numa bela grafia, escrita numa folha
protocolar, bem estruturada e bem argumentada. Comoveu-nos. Então decidimos
encorajar Matteo a difundir a sua nova palavra”.
Nas redes sociais
desencadeou-se, imediatamente, uma grande mobilização para ajudar Matteo a divulgar
o seu neologismo. Petaloso ecoou e
ecoa por todo o lado (em italiano, o substantivo flor (fiore) é do género
masculino); todos os meios de comunicação relataram o caso da invenção,
gramaticalmente correcta, do pequeno Mateus.
Um utente de Twitter,
estudioso de arte e historia, assinalou que, em 1693, um botânico e farmacêutico
londrino, James Petiver, escrevera o livro Centuriae
Decem Rariora Naturae, um registo de espécies animais, vegetais e fósseis, usando
termos latinos e italianos. Descrevera a malagueta como “flor petalosa”. Como os seus
colegas da época classificavam o autor como um péssimo latinista, talvez, por essa razão, o adjectivo petaloso não se propalou.
Esperava-se por um aluno do terceiro ano de escolaridade para pegar no substantivo pétala,
acrescentar, com muito acerto, o sufixo oso (sentido de qualidade) e a língua
italiana adquiriu mais um adjectivo. Estou convencida que será oficializado; o
Primeiro-ministro italiano já deu o exemplo, usando-o num discurso
E na língua portuguesa
adaptar-se-ia perfeitamente: quer o termo pétala, quer o sufixo oso não
sofreriam quaisquer modificações. Um cravo petaloso ou uma dália petalosa são duas flores lindíssimas.
2 Comments:
Cara amiga Alda
Há muito que não escrevo aqui, neste seu reduto digital, pedagógico e cívico, a toda a prova, que só tenho que me penitenciar por isso.
Que lição fabulosa encerra este seu texto! A começar pela professora e seguindo até à forma extraordinária como a “Accademia della Crusca” se pronunciou sobre u tema tão interessante para a evolução e a(c)tualização duma língua planetária, não só pelas suas origens, mas também pelo seu uso nas comunicações entre os povos do mundo.
Tenho andado com imensas dúvidas e hesitações entre seguir ou não seguir o AO90. Já escrevi um livro usando o AO recente. Muito francamente, cada dia que passa me sinto mais confuso.
Dou, às vezes, comigo a escrever intercalando as consoantes que se pretendem suprimir entre parêntesis.
Renovo os meus parabéns pelos seus excelentes textos.
António
Boa tarde, bom amigo António.
Foi com muito, muito prazer que li o seu comentário. Primeiro, por vir donde vem; segundo, pelas suas palavras.
O caso do pequeno Mateus é verdadeiramente interessante. Reparo que o António também notou a excelência da professora de Matteo. Fossem todas/os assim!
Quanto ao acordo ortográfico, o António já sabe que eu sou uma inimiga jurada desta indecência. Não recordo se já lhe tinha dito que foi a riqueza etimológica da nossa língua que muito me facilitou a escrever um italiano decente: comparava a evolução destas duas línguas co-irmãs e mais facilmente compreendia a origem das duplas consoantes do italiano. Com o empobrecimento a que votaram o português, as dificuldades seriam muito superiores.
Um beijinho à Zaida e um abraço de estima
Alda
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