segunda-feira, janeiro 25, 2016

O NÃO ACOMODADO AOS IMPERATIVOS DA UE

Orçamento do Estado, Bruxelas a exigir que o défice português seja inferior a 2,8%, discussão no Parlamento, a Comissão Europeia a dar a última palavra, Estados-membros com problemas financeiros e económicos em afã a fim de que as regras sejam cumpridas e não haja admoestações.

Em vez de admoestações, preferiria usar a expressão “conselhos orientadores” ou similares. Mas, por vezes, na União Europeia assistimos a uma imposição de regras que é despida daquela faceta diplomática, cuidadosa de salvaguardar o respeito pela dignidade de cada e de todos os países. 

Indubitavelmente que as regras devem ser cumpridas, mas sempre pensando que são necessárias para benefício da totalidade e equilíbrio de bom funcionamento da União; jamais porque convêm a economias com voz mais poderosa. Ora, vozes mais poderosas ou menos poderosas são distinções inadmissíveis. Não surpreende, portanto, que haja quem se rebele a este status quo.
Não surpreende, igualmente, o crescimento, em vários países, da desilusão e antipatia em relação à União Europeia. Lamento muitíssimo que isto se verifique. Trabalhemos para uma grande união: forte e um esplêndido exemplo para o resto do mundo.

Discuta-se franca, incansável e abertamente sobre inevitáveis problemas ou resoluções que devam chegar a bom fim, porém, em condições de igualdade entre os Estados-membros, considerando, com ponderação, a faculdade de uma justa flexibilidade, onde e quando  oportuna.

No meu post antecedente aludi ao Primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, como o “refilãozinho”. Efectivamente, sem eufemismos tem falado claro contra as instituições de Bruxelas e as suas directivas frequentemente impostas de modo discutível.

Finais do ano precedente: 17 e 18 de Dezembro 2015, reunião do Conselho Europeu.
Houve discussões, logo, expressões menos acomodatícias. Não me surpreendeu que o não acomodado fosse Matteo Renzi o qual pôs a chanceler Angela Merkel em dificuldade, precisamente porque esta senhora parte sempre do princípio que as medidas justas para União Europeia são as que não devem contrariar os interesses do seu país.

No último dia do vértice em Bruxelas, Renzi atacou a Alemanha em quatro temas: a União bancária europeia; o gasoduto Nord Stream entre a Rússia e a Europa (mais concretamente, entre a Rússia e Alemanha); as sanções do Ocidente à Rússia em relação à Ucrânia; a discórdia ítalo-alemã sobre a questão dos imigrantes.

Acerca da União Económica e Monetária, particularmente no que concerne a garantia sobre os depósitos bancários, Matteo Renzi perguntou por que motivo a Alemanha se opõe à criação do Fundo Único de Garantia sobre os depósitos, “ante uma Europa que, nestes anos, tem diminuído o crescimento económico, aumentando o desemprego em relação aos Estados Unidos”.
E como vinha a propósito, Renzi mencionou a aquisição dos aeroportos gregos por empresas alemãs no esquema das medidas impostas pelo programa de austeridade. Sem reticências, concluiu: 
Não podeis vir narrar-nos que estais a doar sangue à Europa, cara Angela”.

Neste ponto da discussão, houve a surpresa de ver a maioria dos líderes europeus intervenientes dar razão ao Primeiro-ministro italiano, entre os quais a França e o nosso Primeiro-ministro, António Costa.
Palavras de François Hollande: “É importante que a União bancária seja completada com a garantia europeia sobre os depósitos”.

Moral da história: é ou não é oportuno que cada Estado-membro deixe de curvar a cabeça e, com acertado raciocínio, exprima claramente os temas que envolvem os interesses nacionais, interesses estes que, insisto, estejam dentro do contexto europeu e não se desviem do interesse geral?

Segundo Mário Monti, ”O que habitualmente favorece a Alemanha não é a Comissão, a qual está ali para fazer aplicar as regras, mas sim a timidez dos outros Estados-membros que hesitam em fazer valer as próprias razões”.
Não esclareceu nenhuma situação desconhecida; confirmou-a. Parece-me, no entanto, que na Comissão também existe uma forte dose dessa timidez e, timidamente, deixa-se condicionar pela Alemanha e os satélites do Norte da Europa. Há muito em que repensar, nesta nossa União

O acme destas polémicas, porém, foi atingido recentemente. Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, irritado com Renzi, protestou e atacou o chefe do Governo italiano. Transcrevo alguns mimos endereçados a Matteo Renzi:
“Entendo que o Primeiro-ministro italiano, que amo muito, não tenha razão em vilipendiar a Comissão a cada momento. Não compreendo por que o faz”. Digo a Renzi que não sou o chefe de um bando de burocratas: sou o presidente da Comissão UE, instituição que merece respeito, não menos legítima que os governos”.

Uma parte da resposta de Renzi:
“Não permitimos que nos intimidem. A Itália merece respeito. A Itália fez as reformas, logo, o tempo no qual se podia telecomandar a linha de Bruxelas a Roma acabou. E acabou o tempo em que se andava de chapéu na mão”.
Como esta, houve outras declarações de Renzi que não brilhavam por benevolência nem conformismo.  

Internamente, houve críticas a Renzi, pois deveria moderar as palavras, não favorecer populismos, evitar de criar possíveis atritos entre os demais países.  
Dado o temperamento do primeiro-ministro, as críticas parece-me que produzem efeito contrário. Todavia, um conselho é sempre adaptável: tudo se pode dizer, mas escolhendo bem as palavras e os tons. Por vezes, esta fórmula resulta mais perfurante.

Resta assinalar que os dois contendentes já fizeram as pazes, assim o confirma uma das partes, Jean-Claude Juncker:
“Houve uma troca de palavras viris, mas é normal em democracia e não haverá consequências”.