O NÃO ACOMODADO AOS IMPERATIVOS
DA UE
Orçamento do Estado,
Bruxelas a exigir que o défice português seja inferior a 2,8%, discussão no
Parlamento, a Comissão Europeia a dar a última palavra, Estados-membros com
problemas financeiros e económicos em afã a fim de que as regras sejam
cumpridas e não haja admoestações.
Em vez de
admoestações, preferiria usar a expressão “conselhos orientadores” ou
similares. Mas, por vezes, na União Europeia assistimos a uma imposição de
regras que é despida daquela faceta diplomática, cuidadosa de salvaguardar o respeito
pela dignidade de cada e de todos os países.
Indubitavelmente que
as regras devem ser cumpridas, mas sempre pensando que são necessárias para
benefício da totalidade e equilíbrio de bom funcionamento da União; jamais
porque convêm a economias com voz mais poderosa. Ora, vozes mais poderosas ou
menos poderosas são distinções inadmissíveis. Não surpreende, portanto, que
haja quem se rebele a este status quo.
Não surpreende,
igualmente, o crescimento, em vários países, da desilusão e antipatia em
relação à União Europeia. Lamento muitíssimo que isto se verifique. Trabalhemos
para uma grande união: forte e um esplêndido exemplo para o resto do mundo.
Discuta-se franca,
incansável e abertamente sobre inevitáveis problemas ou resoluções que devam
chegar a bom fim, porém, em condições de igualdade entre os Estados-membros, considerando,
com ponderação, a faculdade de uma justa flexibilidade, onde e quando oportuna.
No meu post antecedente aludi ao
Primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, como o “refilãozinho”. Efectivamente,
sem eufemismos tem falado claro contra as instituições de Bruxelas e as suas
directivas frequentemente impostas de modo discutível.
Finais do ano precedente:
17 e 18 de Dezembro 2015, reunião do Conselho Europeu.
Houve discussões,
logo, expressões menos acomodatícias. Não me surpreendeu que o não acomodado fosse
Matteo Renzi o qual pôs a chanceler Angela Merkel em dificuldade, precisamente
porque esta senhora parte sempre do princípio que as medidas justas para União Europeia
são as que não devem contrariar os interesses do seu país.
No último dia do vértice
em Bruxelas, Renzi atacou a Alemanha em quatro temas: a União bancária
europeia; o gasoduto Nord Stream entre a Rússia e a Europa (mais concretamente,
entre a Rússia e Alemanha); as sanções do Ocidente à Rússia em relação à
Ucrânia; a discórdia ítalo-alemã sobre a questão dos imigrantes.
Acerca da União
Económica e Monetária, particularmente no que concerne a garantia sobre os
depósitos bancários, Matteo Renzi perguntou por que motivo a Alemanha se opõe à
criação do Fundo Único de Garantia sobre os depósitos, “ante uma Europa que,
nestes anos, tem diminuído o crescimento económico, aumentando o desemprego em
relação aos Estados Unidos”.
E como vinha a
propósito, Renzi mencionou a aquisição dos aeroportos gregos por empresas
alemãs no esquema das medidas impostas pelo programa de austeridade. Sem
reticências, concluiu:
“Não podeis vir narrar-nos que estais a doar
sangue à Europa, cara Angela”.
Neste ponto da
discussão, houve a surpresa de ver a maioria dos líderes europeus
intervenientes dar razão ao Primeiro-ministro italiano, entre os quais a França
e o nosso Primeiro-ministro, António Costa.
Palavras de François
Hollande: “É importante que a União
bancária seja completada com a garantia europeia sobre os depósitos”.
Moral da história: é
ou não é oportuno que cada Estado-membro deixe de curvar a cabeça e, com
acertado raciocínio, exprima claramente os temas que envolvem os interesses
nacionais, interesses estes que, insisto, estejam dentro do contexto europeu e não
se desviem do interesse geral?
Segundo Mário Monti,
”O que habitualmente favorece a Alemanha
não é a Comissão, a qual está ali para fazer aplicar as regras, mas sim a
timidez dos outros Estados-membros que hesitam em fazer valer as próprias
razões”.
Não esclareceu
nenhuma situação desconhecida; confirmou-a. Parece-me, no entanto, que na
Comissão também existe uma forte dose dessa timidez e, timidamente, deixa-se
condicionar pela Alemanha e os satélites do Norte da Europa. Há muito em que
repensar, nesta nossa União
O acme destas
polémicas, porém, foi atingido recentemente. Jean-Claude Juncker, presidente da
Comissão Europeia, irritado com Renzi, protestou e atacou o chefe do Governo
italiano. Transcrevo alguns mimos endereçados a Matteo Renzi:
“Entendo
que o Primeiro-ministro italiano, que amo muito, não tenha razão em vilipendiar
a Comissão a cada momento. Não compreendo por que o faz”. Digo a Renzi que não
sou o chefe de um bando de burocratas: sou o presidente da Comissão UE,
instituição que merece respeito, não menos legítima que os governos”.
Uma parte da resposta
de Renzi:
“Não
permitimos que nos intimidem. A Itália merece respeito. A Itália fez as
reformas, logo, o tempo no qual se podia telecomandar a linha de Bruxelas a
Roma acabou. E acabou o tempo em que se andava de chapéu na mão”.
Como esta, houve outras declarações de Renzi que não brilhavam por benevolência nem conformismo.
Internamente, houve
críticas a Renzi, pois deveria moderar as palavras, não favorecer populismos, evitar
de criar possíveis atritos entre os demais países.
Dado o temperamento
do primeiro-ministro, as críticas parece-me que produzem efeito contrário. Todavia, um
conselho é sempre adaptável: tudo se pode dizer, mas escolhendo bem as palavras
e os tons. Por vezes, esta fórmula resulta mais perfurante.
Resta assinalar que
os dois contendentes já fizeram as pazes, assim o confirma uma das partes, Jean-Claude
Juncker:
“Houve
uma troca de palavras viris, mas é normal em democracia e não haverá
consequências”.
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