ÉTICA: ESSA DESCONHECIDA
Dois casos que se assemelham, embora com dimensões
diversas.
Na Itália, o caso do cadastrado Berlusconi que não
aceita a lei que lhe impõe a caducidade do mandato de senador, em virtude da
sua condenação definitiva a quatro anos de prisão por fraude fiscal (três dos
quais indultados) e tudo tem feito para impor-se como político intocável,
chantageando o Governo e mantendo o país em ebulição.
Em Portugal, assistimos a um condenado por fraude
fiscal e branqueamento de capitais que se propõe como candidato, nas próximas
eleições autárquicas, à Assembleia Municipal de Oeiras.
Não pude evitar a associação destes dois factos: quer
pela indignação que me provocam, quer pelo desconforto como vejo o desprezo
absoluto ou desconhecimento daquela qualidade
excelsa que se chama ética e que deveria ser imprescindível nas instituições
públicas.
De Berlusconi já nada mais existe que possa
escandalizar. O homem atingiu o auge do descaramento e do atropelo de todos os
princípios que fundamentam a democracia e representam a honorabilidade de um
país.
Eis a tese gritada aos quatro ventos, apoiado
fragorosamente pelos acólitos: como foi eleito por 10 milhões de eleitores, ser
condenado é uma perseguição e deve ser garantida a sua “factibilidade política”.
Logo, jamais se demitirá de senador, visto que seria uma ofensa a quem o
elegeu! Que não se atrevem a votar, na Comissão do Senado, a sua caducidade,
como manda a lei, desse cargo. Conclusão: que se recordem os defensores da
legalidade que a lei não pode ser igual para todos.
Sendo assim, um conselho a criminosos ou mafiosos:
entrai em política, procurai ser eleitos - todos os meios são admitidos - e ficareis
assegurados contra possíveis sentenças provindas do outro poder do Estado, isto
é, a Justiça: senador ou deputado da Câmara dos deputados será o escudo da
intocabilidade.
É um exagero, obviamente, mas poder-se-ia chegar a esta
ilação.
Em todo estes eventos, o que verdadeiramente me tem
saturado é a cobertura que os meios de comunicação dão a este indivíduo, após a
sentença definitiva do Supremo. Até mesmo os jornais mais sérios não se inibem
de ecoar as autênticas parvoíces dos seus apoiantes, na maior parte
oportunistas sem dignidade.
Um exemplo de uma admiradora, Michaela Biancofiore, elevada
a deputada: “O Partido Democrático” (centro-esquerda) não conseguirá decepar Sílvio, a nossa
cabeça. Nós, do PDL (partido de Berlusconi), não somos acéfalos. Pelo nosso gladiador estamos prontos para tudo. Se
cai Berlusconi, desencadearemos o inferno”. (05/09/2013)
Há uma “especialista do amor”, Ilona Staller, a famosa
Cicciolina, que lhe dá um bom conselho: “Não
sou contra Berlusconi. Tenho-o em grande consideração, mas aceite a sentença de
condenação, vá para casa e faça sexo a go-gó” – 12/09/2013
Que esperas, grande admirador do bunga-bunga, para
deixar em paz a Itália e a grande maioria dos italianos que te não votam?
*****
Vamos ao nosso Isaltino Morais. Encarcerado desde Abril
e por crimes graves, sobretudo em quem desempenhou cargos institucionais, achou
natural e oportuno candidatar-se à Assembleia Municipal do concelho onde fora
presidente da Câmara.
Não me indigna esta pretensão; indigna-me, sim, os
apoiantes que defendem, combatem por esta candidatura e votam-na. Para esta
gente, o facto de estar na prisão - após dezenas de recursos em tribunal - por
fraude fiscal e branqueamento de capitais não constitui um qualquer obstáculo
moral e ético. Que tristeza!
Por sua vez, o Tribunal Constitucional estabeleceu que prisão
e candidatura à Assembleia Municipal de Oeiras não são compatíveis: “Tratar-se-ia de uma candidatura-fantasia,
sem viabilidade, susceptível de confundir os eleitores”.
Afinal de contas, trata-se, pura e simplesmente, de
incompatibilidade, além da impossibilidade de um encarcerado usufruir das
mesmas oportunidades dos demais candidatos em campanha eleitoral.
E se não existe na lei uma norma que proíba
candidaturas de cadastrados ou pessoas com problemas judiciais; se nos 299
artigos da Constituição não existem especificidades a este respeito (ou
existem?), o TC teve de decidir em função dessa inviabilidade.
Também neste ponto, é desolador verificar a ausência de
iniciativas, a este respeito, do Poder Legislativo.
O candidato a presidente da Câmara de Oeiras comentou a
decisão do Tribunal Constitucional: “Vem
estabelecer uma limitação adicional e inédita aos direitos cívicos e políticos
de um cidadão que se encontra detido por questões exclusivamente relacionadas
com a sua vida pessoal”.
Direitos que podem chafurdar na imundície? O respeito
pela moral e ética política, onde ficam? Existe, portanto, o princípio do “vale
tudo”?
Se o entendimento
do direito ao acesso a cargos públicos de carácter electivo omite a rectidão e
honorabilidade do candidato, então não se atrevam a criticar Berlusconi. Desgraçadamente,
temos aqui bons discípulos.
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