segunda-feira, setembro 23, 2013

A REVOLUÇÃO DE PAPA FRANCISCO

O título “Revolução copernicana de Papa Francisco” imperou em muitos artigos dos mais diversos autores.
Exagerado ou não, creio que não se afaste do que, efectivamente, observamos dia após dia.

Constituiu facto inédito e de grande ressonância a entrevista que Papa Francisco concedeu a padre António Spadaro, director da revista dos jesuítas, “Civiltà Cattolica”, no seu estúdio privado e no decurso de três períodos: em 19, 23 e 29 de Agosto. 
Foi publicada contemporaneamente em 16 revistas da Companhia de Jesus, editadas no mesmo número de países.

Precedentemente, Papa Francisco já surpreendera com uma carta aberta ao jornal La Repubblica – publicada em 11 de Setembro - respondendo às perguntas sobre a fé e outros quesitos, formulados em dois artigos de Eugénio Scalfari, fundador e editorialista do mesmo jornal.

“Prezadíssimo Doutor Scalfari, é com viva cordialidade que, embora a traços largos, com esta minha desejaria procurar responder à carta que, nas páginas de La Repubblica, quis endereçar-me em 7 de Julho com uma série das suas pessoais reflexões e que depois enriqueceu, nas páginas do mesmo quotidiano, em 7 de Agosto.
Antes de mais, agradeço-lhe a atenção que dedicou à leitura da Encíclica Lumen Fidei (…)
(…) Portanto, parece-me que seja sem dúvida positivo, não somente para nós singularmente, mas também para a sociedade na qual vivemos, determo-nos a dialogar sobre uma realidade assim tão importante como a fé, que se refere à predicação e à figura de Jesus. Em particular, penso que haja duas circunstâncias que tornam hoje este diálogo necessário e precioso. (…)

No que concerne a entrevista a “Civiltà Cattolica, padre Spadaro descreve o ambiente, o modo simples e cordial como foi recebido, o diálogo natural, espontâneo e profundo com o Papa.
“Falar com Papa Francisco é, na realidade, uma espécie de fluxo vulcânico de ideias que se entrelaçam umas com as outras. Mesmo tomar apontamentos dá-me a desagradável impressão de interromper um diálogo fresco de nascente. É claro que Papa Francisco está mais habituado à conversação que à lição.

Acerca da escolha dos seus aposentos, eis a explicação do Papa:
“Uma coisa verdadeiramente fundamental para mim é a comunidade. E compreende-se isso pelo facto que estou aqui em Santa Marta. Quando fui eleito, habitava, por sorteio, no quarto 207. Este onde nos encontramos agora era um quarto para os hóspedes.
Escolhi habitar aqui, no quarto 201, porque quando tomei posse do apartamento pontifício, dentro de mim ouvi distintamente um “não”.
O apartamento pontifício no Palácio Apostólico não é luxuoso. É antigo, grande e feito com bom gosto. Porém, é como um funil virado ao contrário. É grande e espaçoso, mas o ingresso é verdadeiramente estreito. Entra-se com o conta-gotas, e eu não, sem gente não posso viver. Tenho necessidade de viver a minha vida junto com os outros”.

Chamou-me a atenção a insistência de Papa Francisco no uso da palavra “discernimento”, ou melhor, no profundo significado que esta exprime.
“O discernimento é uma das coisas em que mais trabalhou interiormente Santo Inácio. Para ele é um instrumento de luta para conhecer melhor Deus e segui-lo mais de perto.
Pode-se usar meios débeis que resultam mais eficazes do que os fortes…
Este discernimento requer tempo.

Muitos, por exemplo, pensam que as mudanças e as reformas podem suceder em breve tempo. Eu creio que haja sempre necessidade de tempo para colocar as bases de uma mudança verdadeira, eficaz. E este é o tempo do discernimento. E por vezes, o discernimento empurra para fazer imediatamente o que, de início, se pensa fazer depois. Foi o que também me aconteceu nestes meses. 

Muitos analistas acentuam que Papa Francisco se mantém vago sobre os tais valores não negociáveis.
“Não podemos insistir somente sobre questões ligadas ao aborto, matrimónio homossexual e uso dos métodos contraceptivos. Isto não é possível. Não falei muito destas coisas, e este facto foi-me censurado. Mas quando se fala, é necessário fazê-lo num contexto. De resto, o parecer da Igreja é conhecido e eu sou filho da Igreja. Todavia, não é preciso falar disso continuamente.” 

“Vejo com clareza que o que a Igreja tem mais necessidade hoje é a capacidade de curar as feridas e de aquecer os corações dos fiéis, a vizinhança, a proximidade. Vejo a Igreja como um hospital de campo depois de uma batalha. É inútil perguntar a um ferido grave se tem colesterol e os açúcares altos. Deve-se curar as feridas. Depois, poderemos falar de tudo o resto”  

E fiquemo-nos por aqui nas transcrições das palavras de Papa Francisco e no modo revolucionário como se apresenta e age como Sumo Pontífice, dando avio ao que nos parece uma reforma do papado, logo, a uma reforma da Igreja: “Uma Igreja que recomeça, não do poder, mas do serviço; não da sobrecarga da Instituição, mas da ligeireza da profecia” – Raniero La Valle