PRIMAVERAS ÁRABES TRAÍDAS?
PERMANECE O OBSCURANTISMO?
Desviemos as atenções desta Europa doente de “spreads”, de tendências por cortinas de ferro (agora Norte contra Sul), concentremo-las na Síria e demos relevo a um grande poeta, pensador, filósofo muçulmano nascido no norte da Síria, nacionalidade libanesa e candidato, com muito mérito, a um Nobel da Literatura. Actualmente, vive em Paris.
É conhecido como Adonis (indicam que se deve pronunciar Adunis), pseudónimo de Ali Ahamed Saïd Esber. Foi buscar o pseudónimo ao Adónis fenício, também símbolo da ressurreição.
Para os fundamentalistas é um nome que “renega a tradição islâmica”. A questão é que este poeta e intelectual árabe sempre se bateu pelas liberdades democráticas e pela emancipação das mulheres. Sempre foi um inimigo do regime de Assad, mas não tem poupado críticas ao fundamentalismo islâmico que pretende substituir aquele regime.
Estes mesmos fundamentalistas, há cerca de um mês ou dois, lançaram uma campanha online, acusaram-no de apostasia e heresia, condenando-o à pena de morte. Imediatamente, 150 intelectuais formaram barreira em defesa de Adonis, declarando: “Não se toca no ícone da liberdade árabe.”
Em Portugal, Adonis não é muito conhecido. Investiguei sobre obras publicadas no nosso País, mas somente o Brasil me respondeu. Como sempre, brilhamos por ausência ou apatia. Mas espero estar enganada.
Quinta-feira passada, o jornal La Repubblica publicou um artigo deste poeta sobre o que se passa no seu país nativo. Transcrevo integralmente a versão do texto publicado, embora de difícil tradução, pois não brilha por clareza. Todavia, esforcei-me pelo melhor que me foi possível. Vale a pena conhecer o pensamento deste ilustre intelectual muçulmano.
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A MINHA SÍRIA REFÉM DO OBSCURANTISMO
"A tragédia que se consuma na Síria é a de um país de história e civilização multimilenárias que tinha sabido dotar-se de um tecido social e cultural o mais avançado no mundo árabe. A pergunta é esta: que fim terão os passos essenciais efectuados em direcção da modernidade, a superação das linguagens arcaicas das “minorias” e das “religiões”, da sujeição das mulheres às “leis” de uma pretendida fé?
Efectivamente, se se fala da Síria, é imperativo distinguir entre os regimes – passageiros - e a sociedade.
O regime é indefensável, como todos os regimes árabes e que devem ser mudados. Mas isto já não é o essencial.
A catástrofe das vítimas de nada serviria se não se enfrentasse a questão central: o renovamento da sociedade. A revolução, porém, é muda a este respeito. Não diz o quê e muito menos como deseja mudar. Não esclarece como será o pós-regime. Hoje, o discurso unificador tornou-se, sobretudo, num discurso regressivo.
Aflora uma linguagem medieval que insiste sobre as ditas “minorias”, propõe divisões de sunitas, xiitas, alawitas, cristãos, em vez de promover a cidadania. O conceito de “cidadão”, um cristão, por exemplo, dotado dos mesmos deveres dos sunitas, mas também dos mesmos direitos.
Para que serve uma revolução num país árabe se não se concretizam dois factores essenciais? Primeiro, os direitos das mulheres, começando pela sua libertação da lei religiosa; segundo, a separação da religião de tudo o que é política, sociedade e cultura, a fim de que a religião seja uma experiência individual desligada das instituições.
Um verdadeiro revolucionário, portanto, não pode falar aquela linguagem, muito menos na Síria, onde, de há milénios, existem mais de vinte confissões religiosas. Não pode arregimentar-se na extraordinária regressão que hoje se verifica no mundo árabe.
Após 200 anos de empenho e de luta pela modernidade, progresso e libertação; desde quando Muhammad Ali, no Egipto, entre os séculos XVIII e XIX, abriu as portas à modernidade, agora aquelas portas parecem fechar-se.
Seria verdadeiramente trágico se nos libertássemos de um fascismo militar para substituí-lo por um outro fascismo de marca religiosa; se a revolução na Síria fosse confiscada pelos interesses estratégicos internacionais e onde a guerra opõe duas frentes: de um lado o Ocidente; do outro, A Rússia e a China.
Para que serviria a nossa revolução? E em que tipo de revolução se tornaria, se conduzida por forças externas? Submeter-se às ingerências externas, como mínimo, é anti-revolucionário. É a prescrição para uma guerra civil, talvez ditada por estranhos com projectos delineados noutros lugares. E se é guerra civil, é difícil adivinhar como acabará e o que sucederá aos cristãos, às minorias, às mulheres. Por todas estas razões, a oposição deve falar com extrema clareza, exprimir-se sobre o futuro deste grande país.
A Síria tem direito a um regime digno do seu povo. O crime de hoje é a destruição daquele povo.
Uma parte de culpa é do Ocidente que se vai associando às forças pró-religião ou abertamente religiosas no mundo árabe. Não demonstra interesse pelo homem, pelos seus direitos. Parece que se deixa guiar, acima de tudo, pelos seus interesses; dá a impressão que deseje operar a fim de que o mundo árabe estacione e a Síria precipite no obscurantismo medieval."
Adonis – La Repubblica, 19 / 07 / 2012
5 Comments:
Penso ser da maior atualidade e interesse divulgar textos como o que referencio abaixo.
A minha amiga, radioamadora e blogger, Alda Maia, autora do blogue:
Pensamentos Vagabundos
escreve regularmente, textos de reflexão política e social, com grande profundidade e capacidade de análise. Nota-se que escreve com bastante perspicácia e atualidade, mas como se estivesse a exercitar, muito simplesmente, a sua arte de exprimir os seus pensamentos.
É pena. A quantidade de artigos que, provavelmente, não chegam à luz da ribalta, do conhecimento dum maior número de leitores é impressionante. Pelo menos, a mim, choca-me que imensos artigos medíocres circulem nos jornais e nas redes sociais e tenham muita divulgação enquanto outros, como o presente, passam demasiado despercebidos.
É assim que chamo a atenção deste seu post no meu blogue.
Com um abraço de muita simpatia e amizade
António
Olá, António
Muitíssimo obrigada pelas suas palavras e satisfeita pela sua presença neste blogue.
Sobre o que escrevo, é um modo, como já dise várias vezes, de conversar sobre os assuntos que mais absorvem a minha atenção. Acredite que, por vezes, é uma necessidade: esclareço melhor as ideias e tudo redunda numa certa satisfação.Portanto, o António centrou muito bem esta minha "mania" de exprimir-me no blog.
Espero que toda a sua Família esteja óptima, mas disso vou-me inteirando através do seu "Dispersamente"
Um grande abraço e um beijinho à Zaida
Alda
Viva, Alda
Já se deve ter apercebido que eu sou assim, um "tipo" que se regula (auto-regula) por normas de vida que pretendem ser despretensiosas e, ao mesmo tempo, de serviço cívico e de aposta na cultura.
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Em relação à minha amiga «Kinkas», que se refere à possibilidade de a conhecer, deixou um comentário no meu post no «dispersamente», a partir do qual fiquei com a ideia que de facto ela a conhece.
O que não seria nada do outro mundo, obviamente. O que me parece é que ela baralhou-se com estas coisas dos blogues e...
Fala numa foto que recebeu, em que a Alda está ao lado dum seu transceptor...
Também gostava de ver essa foto...
A Zaida cá anda, atarefadíssima, tem cá em casa a sua mãe, a sra. D. Eva, com 93 anos. Mas gostava que a visse. Parece uma jovem. Tenho um post já com 2 meses talvez, em que a mostro...
Espero que possa gozar estes dias de Verão.
Um abraço
António
Viva, António
Apenas li este seu novo comentário, fui ao seu "Dispersamente" e dialoguei com a menina Kinkas... isto é, Maria da Conceição.
Quero agora comentar o que o António escreve no primeiro parágrafo.
Do que já me apercebi, e de há bastante tempo, é do seu gosto pelo belo, pela cultura em todos os seus aspectos e pelo que se passa neste nosso mundo.
Paralelamente, também me apercebi da sua generosidade para com as pessoas que estima. Pelo que me concerne, só tenho a agradecer esse seu, digamos, altruismo, em relevar o que aprecia nessas mesmas pessoas, sem mesquinhices nem cálculos egoístas. Mil vezes grata.
Vou tentar encontrar a foto da Mãe da Zaida no seu blog.
Não se admire da vivacidade desses 93 anos. Ainda hoje almocei com uma senhora com a mesma idade, juntamente com outras duas colegas (todas ex-professoras primárias) e foi um almoço cheio de gargalhadas.
Quanto à foto a que alude a M. da Conceição, não sei onde param essas fotos, mas procurá-la-ei.
Um grande abraço e um beijinho à Zaida.
Ah! parabéns atrasados ao seu filho Bruno. Na data justa, quis deixar um comentário, mas não fui capaz: a Internet estava com falhas que ainda não sei explicar.
Para seu conhecimento, Alda_
"
as-nunes disse...
Muito bem, muito bem.
Cá ficamos à espera duma gravação com um poema declamado pela Conceição.
Se for preciso combinamos uma forma de fazermos essa gravação em vídeo.
E a Zaida, tenho a certeza que alinhava.
E os nossos leitores iam apreciar...
Que tal?
Que me diz, Alda? (vou transcrever este comentário no blogue da Alda).
Bem... vou retomar o trabalho no jardim, que a Zaida é que lhe transmite a alma que ele tem!...
Mas, às vezes precisa da minha ajuda... e eu gosto de jardins... mais bonitos que o de Luís de Camões de preferência (salvaguardando as devidas proporções).
O Domingo está bonito!... "
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Obrigado, Alda, pela alusão ao aniversário do Bruno.
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