CONTRA-SENSOS INDIGERÍVEIS
Praticamente, os contra-sensos são quase sempre intragáveis, pelo absurdo ou disparate que revelam. Todavia, há certos contra-sensos que vão muito além daquilo que se pode aceitar com indiferença.
Comecemos pelo primeiro a que desejo dar relevo. Escandalizou-me e li a notícia duas vezes, pois temia equivocar-me.
O presidente do BPI, Fernando Ulrich, em declarações ao jornal Público (quinta-feira passada) “considerou incompreensível que o Ministério das Finanças realize reuniões em inglês com os banqueiros portugueses” - «É irritante ter de falar com o Governo do meu país em inglês».
Repito, li duas vezes, pois o disparate era de tal ordem que perplexidade e espanto confundiam-se. Tentei procurar justificações, mas quais? Chegava sempre ao ponto de partida: não somente se tratava de um absurdo, como de uma indecência contra este nosso Portugal, sempre tão maltratado pela miserável falta de auto-estima dos seus cidadãos, acrescida, frequentemente, de uma ridícula pedantice.
E pobre língua portuguesa de Portugal! De novo traída e humilhada e de novo sem qualquer justificação válida. Ou a linguagem económica e financeira, se não for em inglês, não é entendida pelo nosso Ministro das Finanças? Mudem de ministro ou ministrem-lhe umas boas horas de lições de português europeu.
Todavia, queiram os senhores banqueiros consentir-me uma pergunta: por que não disseram, in loco e claramente, que estavam em Portugal, eram genuínos cidadãos portugueses e apenas se exprimiriam na sua língua materna?
A não reacção às estranhas praxes do Ministério das Finanças não foi também uma falta de sensatez e demonstração de tibieza?
Não se esqueçam que estamos em democracia. Não se esqueçam que é o uso e abuso de iniciativas deste género que diminuem o país e contribuem para um amplo desconhecimento, lá fora, do que é e quem é Portugal.
E a propósito, descrevo um hábito, quase inveterado, que noto nos meios de informação italianos, quando se referem a factos exclusivamente espanhóis. É comuníssimo ouvir ou ler as seguintes expressões: o Governo ibérico; o ministro da Economia ibérico; a banca ibérica; o primeiro-ministro ibérico, etc., etc.
Para aqueles agentes da informação, que lugar terá Portugal, um dos mais longevos países europeus, nesta Península Ibérica?!
Por muito que não queiramos precipitar em “patrioteirices”, há sempre aquela dignidade da comunidade a que pertencemos e à qual não devemos, nunca, renunciar. Assim, mais dia, menos dia… protestarei, pois já não tolero tanta superficialidade e estupidez.
Ma sobre este desconhecimento das coisas portuguesas haveria tanto que escrever! Por hoje, continuemos a falar de contra-sensos.
Fernando Ulrich aludiu a outro contra-senso: «O BPI já pagou 5,3 milhões de euros a consultores estrangeiros contratados pelas Finanças e Banco de Portugal. É lamentável que, numa situação difícil, se esteja a exigir este pagamento e, por isso, peço que utilizem menos consultores. E se é necessário contratá-los, contratem consultores portugueses».
Explicou que esses consultores estrangeiros são maioritariamente ingleses e com “posições muito críticas face ao euro”.
Esta é mais uma variedade dos contra-sensos nacionais que adquiriram foros de instituição.
Quando se trata da Administração Pública, por exemplo, seria oportuno interrogarmo-nos se não existem funcionários públicos idóneos ou equipas técnica e juridicamente especializadas, capacíssimas de enfrentar, resolver e aconselhar soluções e métodos que redundem numa correcta e profícua administração da coisa pública. Como consequência, obviamente, afastar-se-ia qualquer ideia dos tais contratos externos de consultorias - preços exorbitantes - e que nem sempre brilham por transparência e oportunidade.
Há uma razão válida, equilibrada e honesta que explique e justifique este péssimo hábito institucionalizado?
Neste período de vacas magríssimas, esperar-se-ia do Governo que enfrentasse esta anomalia com seriedade e determinação. Tem anunciado alguma iniciativa e agido de imediato, nesse sentido?
E como contra-senso príncipe, exemplo das piores anomalias que assolam um continente, não podemos eleger outro que não seja a crise económico-financeira europeia.
Não houve guerras destruidoras; não houve tsunamis que devastassem cidades e aldeias; não houve invasões de bárbaros, porque se esgotou esse fenómeno.
É desolador verificar, portanto, que tantas aflições e agonias, na zona euro, apenas são motivadas pelo estúpido e banalíssimo contra-senso de dirigentes europeus que não têm sabido, até hoje, bater o pé, com medidas justas e tempestivas, às arremetidas dos mercados financeiros contra dívidas soberanas. Este, para mim, é o contra-senso dos contra-sensos e, simplesmente, pela inexplicabilidade que o caracteriza, embora as opiniões técnicas superabundem. Mas aqui, evoca-se Pirandello: proporcionar-nos-ia uma interpretação magistral!
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