domingo, fevereiro 05, 2012

O EMBUSTE

Tinha dois ou três assuntos que desejaria desenvolver ou explorar na minha “conversa semanal com o computador”, porém, na sexta-feira passada, veio a lume uma notícia que se impôs e sobre a qual, hoje, desejo escrever.
Talvez me alongue por poucos parágrafos, pois tenho problemas no meu computador. Já foi revisto, mas adiantou pouco. Submetê-lo-ei a nova limpeza e reestruturação. Entretanto…

Vasco Graça Moura, novo presidente do Centro Cultural de Belém, “mandou retirar dos computadores a ferramenta informática que adapta os textos às normas do novo acordo ortográfico”.

Acérrima inimiga deste “embuste ortográfico” - assim classificado pela única publicação que se opôs sem ambiguidades: o jornal “Público” – rejubilei por verificar, finalmente, um acto oficial de oposição ao aviltamento da nossa língua materna.
Desautorização do Primeiro-Ministro, segundo a oposição? Apenas defesa de um património nacional, defesa esta onde o PS não brilhou. Sobre o mesmo tema, não desmereceria se, agora, demonstrasse uma certa reserva.

Contra este aviltamento, entre as múltiplas objecções de quem ama a língua em que se exprime, a estudou, a ensinou e gosta de a aprofundar, o argumento de que não se tratou de um “acto linguístico, mas político”( Malaca Casteleiro) fere e indigna.

Fere, porque se roubaram certezas ortográficas para as substituir por arbitrariedades; fere, porque se foi ao encontro de conveniências ou interesses que ainda não foram bem esclarecidos; fere, porque todas as justificações apresentadas sucumbem perante uma qualquer análise objectiva. 

Penso seja legítima uma pergunta ao senhor Malaca Casteleiro: que interesses o moveram, em tanto activismo, para inventar e implantar esta cacografia - com a ajuda da Academia de Ciências de Lisboa - pois, segundo opiniões abalizadas, não existem argumentos linguísticos sérios que a possam justificar?

Acaso teve a honestidade de debruçar-se sobre as consequências na ortofonia do nosso português e na sua clareza, estudando-as em profundidade? Acaso não traiu a sua qualificação de linguista?
Quem lhe atribuiu esse direito? Ah! Já sabemos quem: os nossos ilustres representantes na Assembleia da República. Ademais, é uma questão política!...

Estes representantes foram eleitos com métodos democráticos, obviamente. Já dentro do poder, a democracia salta e, frequentemente, descamba-se numa espécie de autocracia: o que a maioria dos cidadãos pensa torna-se irrelevante. Chegou-se mesmo a este ponto execrável do “queremos, podemos e mandamos”? Assim parece, mas eu não aceito.

Logo, indigna, porque estes nossos representantes, não somente ignoraram a maioria da opinião pública, como desprezaram, o que agrava a questão, as opiniões de autoridades competentes, idóneas – isentas de quaisquer interesses, acrescento – que aconselharam a não aprovar este acordo, lesivo daquilo que qualifica uma língua: pureza, correcção, clareza e harmonia, sendo estas duas últimas as mais ultrajadas.

Ainda uma observação sobre o comentário de um carreirista político: “Temos de nos convencer que a língua não é nossa”.
Lembro a este ignorante que a língua que se fala em Portugal é nossa, exclusivamente nossa e que não é admitido alterá-la fora da sua evolução natural. Mas, acima de tudo, jamais por “arranjinhos políticos”.

Por último, se Vasco Graça Moura agiu por coerência - disso não duvido - e como um acto de desafio, oxalá encontre eco e force a sair da passividade outros intelectuais, professores de português e demais figuras de relevo na vida do país.

Podemos discordar de Vasco Graça Moura como filiação ou simpatias políticas; devemos tributar-lhe estima e grande respeito pelo seu alto e indiscutível vulto intelectual.
Quando, tenazmente, se opõe ao AO, merece muito mais credibilidade que qualquer inventor e propugnador desta anomalia lusitana, sejam quais forem os títulos que ostentem.
No que me concerne, esta credibilidade é independente do que sempre pensei sobre o assunto.