EUROPA: VENDE-SE
“O velho Continente vende-se a saldo”: com este subtítulo, o jornal “La Repubblica”, de 20 / 02 / 2012, dedica uma página a um interessante dossier sobre as privatizações nos mais diversos países europeus. Autor: Enrico Franceschini, correspondente de Londres.
Vou procurar transcrever as partes que me parecem mais elucidativas sobre esta triste realidade. Ademais, são informações que despertam viva curiosidade.
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A velha anedota sobre o espertalhão que procura vender a ponte de Brooklyn a dois simplórios tem infinitas variantes geográficas. No centro da historieta há sempre um símbolo nacional: o Coliseu, a torre Eiffel, o Big Ben e que ninguém, com uma mente sã, procuraria adquirir. Porém, nestes meses de pós-grande recessão global, numa Europa atormentada pelos débitos e as caixas do Estado vazias, de anedota passou a ser um caso muito sério.
De Londres a Roma, de Madrid a Atenas, os governos de todo o Continente levam a leilão as pratas de família: monumentos, palácios históricos, casernas, portos, aeroportos, linhas do metro, embaixadas, empresas da água e do gás, ilhas, montanhas; por fim, inteiras cidades e a casa de Pai Natal na Lapónia.
[…] Felizmente, a UE ainda não fecha, mas para evitar a bancarrota vê-se constrangida a uma venda ao desbarato como nunca se vira antes.
Iniciativas deste género, dois ou três decénios atrás, teriam suscitado ondas de pânico, sentimentos de humilhação e protestos de massa, como quando Margaret Tatcher vendeu, a privados, os caminhos-de-ferro britânicos. Pelo contrário, desta vez são poucos os que se escandalizam […]
O elenco é impressionante.
Portugal vendeu (á China e ao Oman) a “companhia eléctrica nacional”.
Observo que, até aqui, não chegaram a Enrico Franceschini notícias mais amplas sobre o nosso país. Obtê-las-á e até saberá informar-nos quem é o verdadeiro adquirente da Tobis. O nosso Secretário de Estado da Cultura ainda o desconhece!...
Mas continuemos.
A Irlanda vendeu a companhia de gás; a companhia aérea nacional AER Lingus, uma empresa florestal de Estado; a "National Stud" (a mais famosa criação de cavalos de corrida da Europa).
A Grécia pôs à venda tudo o que tem, excepto a Acrópole de Atenas: o aeroporto Internacional de Atenas; 38 aeroportos mais pequenos; a companhia de energia e gás; os portos de Salónica e Pireus; o Banco Postal Helénico; auto-estradas; hipódromos; quarenta valiosos edifícios governativos; um apreciável tracto costeiro; ilhas e o sol do mediterrâneo: um empresa alemã está interessada, pois quer exportar energia solar (não é brincadeira).
O bjectivo final: acumular 50 mil milhões de euros.
A Espanha prepara-se para vender a companhia nacional da água potável (3.500 milhões €) e o metro de Madrid (2.000 milhões €). […]
Itália: Mário Monti está disposto a vender 9 mil edifícios, praias, fortins, ilhas, alguns palácios históricos venezianos […].
Mas os outros, aqueles que, em teoria, estão um pouco melhor e menos expostos a um default? Na realidade, também eles se esforçam de vender por bom preço o que é possível.
A França, já em 2010, anunciou uma hasta de 1.700 edifícios públicos, entre os quais alguns castelos no Loire, prédios parisienses, o casino de caça real e La Muette […]
Recentemente, a Inglaterra anunciou que venderá centenas de embaixadas e edifícios de propriedade do ministério da Defesa e dos Negócios Estrangeiros; casernas, bases militares; o palácio Ark Royal; um porta-aviões em desuso […].
A Áustria tenta vender duas montanhas, e também isto não é piada: o Rosskopf (2600 metros) e o Gross Kinigat (2700 metros).
A Letónia, um dos últimos chegados à UE, vendeu à Rússia, por 2 milhões €, uma pequena cidade – cidade militar da Exército Vermelho – que ficou vazia, após o fim da URSS.
A Finlândia vendeu 33% do "Santa Park" – parque de jogos na Lapónia que, para as crianças e todo o mundo, é a casa do Pai Natal. […]
Tu quoque, Finlândia!? – acrescento eu.
Perante o “vendemos tudo” da Europa, a única dúvida é sobre a identidade dos compradores.
Enquanto se trata de investidores privados, muito bem. Mas alguém entrevê um plano dos novos-ricos do planeta, China e Índia - com os Xeques dos Emirados Árabes e o emir do Qatar a pouca distância – a fim de adquirir interesses vitais na velha Europa, aproveitando-se da crise.
Aliás, não é o que faziam as grandes potências europeias no século XIX e princípio do século XX nas suas colónias do Terceiro Mundo? A História também gira deste modo.
Em conclusão, quando recentemente o Speaker da Câmara dos Comuns, John Bercow, aventou a hipótese de vender o Parlamento de Westminster e o seu Big Ben, visto que, para restaurá-los, comportaria um custo excessivo para o Estado, espalhou-se a voz que o teriam comprado os chineses ou os russos.
Talvez não sucederá, mas ninguém se riu. Não era uma anedota.
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