domingo, março 28, 2010

OS VALORES NEGOCIÁVEIS DOS HOMENS DO VATICANO

Até uma dato muito recente, as hierarquias católicas não se cansavam de reiterar os valores irrenunciáveis, defendidos pela Igreja e descritos como “não negociáveis”: “a sacralidade da vida humana; o concebimento até à morte natural; a família fundada sobre o matrimónio entre um homem e uma mulher”.
Quanto aos demais valores, cultiva-se o silêncio ou se divaga sobre os preceitos morais que devem orientar a vida dos cidadãos.

Este fim-de-semana, dia 28 e 29, efectuam-se as eleições regionais na Itália. No passado dia 26, a uma semana do acto eleitoral, em reunião da Conferência Episcopal Italiana, o presidente entendeu dar grande relevo à questão do aborto e, portanto, achou-se no direito de dar indicações de voto.

O Vaticano não tolera que na Itália exista uma lei sobre este delicado tema. Se era crime, crime deve restar. Entende também que a política italiana se deve subordinar aos seus ditames.
A chamada "lei 194" sobre a interrupção voluntária da gravidez, muito equilibrada (“somente por motivos muito graves”), foi aprovada em Maio de 1978. Em 1981, os italianos confirmaram-na com um voto referendário: dois actos legislativos que deveriam fazer reflectir as hierarquias eclesiásticas.

A candidata da oposição para a região Lácio, Emma Bonino (a ex-comissária da EU), sempre se bateu pela promulgação de uma lei que regularizasse a IVG, meio eficaz de acabar com a praga dos abortos clandestinos. Logo, a Conferência Episcopal tinha, no momento actual, de enviar uma mensagem clara contra esta candidata, aconselhando os católicos a “enquadrar com muita atenção quem deveriam votar”.
E para que não houvesse dúvidas, o jornal dos bispos – L’Avvenire - ainda foi mais explícito: “Estão em campo protagonistas de uma ostentada militância pró-aborto: Emma Bonino”.
Abstraindo que esta senhora convença ou não convença politicamente, considero este género de ataques uma verdadeira indecência.

No meio da tempestade que actualmente abala a dignidade da Igreja Católica, fico surpreendida com a falta de bom senso destes cardeais que tudo fazem para não auscultar o sentir das gentes.
Alcandoram-se nas suas certezas dos valores irrenunciáveis, na sua indiscutível autoridade espiritual – assim o pensam - quando apenas ostentam hipocrisia e sensibilidades embotadas, perante a humanidade real que as rodeia.

As violências sexuais contra as crianças, além de outras violências não menores, se são repugnantes no mundo civil, no seio da Igreja soma-se repugnância a repugnância. Mas, aqui, entramos no campo dos valores negociáveis!...

Não estou muito de acordo com os ataques a Bento XVI. Vejo, no New York Times, uma insistência na culpabilidade de Ratzinger, embora aceitem algumas dúvidas, que me deixa perplexa. Aonde querem chegar? À informação pela informação, o que é muito justo, ou miram outros propósitos?
Deveriam conhecer melhor a mentalidade dos homens do Vaticano. A Igreja é infalível, isto é, as hierarquias que a guiam. Logo, tudo se processa, conscientemente, dentro de normas internas que não dêem azo a exautorações ou desprestígio do poder que representa ou representam.

Para os advogados americanos, este drama da pedofilia clerical tem sido uma grande fonte de negócios; mal para as dioceses, mas justamente, que ficaram com as finanças exangues, devendo indemnizar as vítimas.
Como as indemnizações estabelecidas pelos tribunais, segundo a Comon Law, permite aos advogados dividí-las a meio com a vítima, há uma grande procura de adultos que foram abusados. E se o abusador já morreu, melhor ainda para esse género de caçador de causas - assim se exprime o escritor Vittorio Messori. Não me custa acreditar.

Com estes últimos comentários não quero minimizar o drama que agora explodiu com maior e mais dilatada ressonância.
No dia 26, L’Osservatore Romano publicou, em italiano, um documento da Congregação para a Doutrina da Fé de 18 de Maio 2001 – Ad exsequendam ecclesiasticam legem – endereçada a toda a hierarquia católica acerca das normas sobre os delitos mais graves, nos quais se incluem “delitos contra a moral (…) delitos cometidos por um clérigo com um menor abaixo dos 18 anos”.

Está bem um direito canónico para os “delitos contra a santidade dos sacramentos” e quejandos. Aplicá-lo a crimes bem terrestres, qual é a pedofilia, ocultando os factos às autoridades civis, como fizeram até hoje, embora em nome do prestígio da Igreja, não será “A estrada errada do direito canónico”, como bem argumentou um editorial do jornal La Stampa?

Aceitemos as grandes penitências aos clérigos afectos do nojento pecado da pedofilia – neste âmbito, chamemos-lhe pecado! Todavia, após a comprovação destes delitos, seria correcto e de pura justiça entregarem-nos imediatamente aos tribunais dos países onde estes crimes foram perpetrados. Eis no que a Igreja falhou.

Não seria mais que tempo de pôr de lado concepções medievais sobre a sexualidade e encará-la com naturalidade e maturidade?
Não seria tempo de pôr fim à falta de transparência no que decidem nas altas esferas?
Sempre invocam a humildade, porém, dentro do Vaticano, onde a poderíamos encontrar?
Como se justificam declarações drásticas e despóticas de certos cardeais – e o nosso Saraiva Martins faz-se notar – sobre problemas humanos e acerca dos quais apenas assimilaram preceitos que a Igreja determinou fossem rígidos e irrenunciáveis?

Quem sabe se estas alargadas censuras e ataques hodiernos à Igreja Católica não se transformem naquela onda revolucionária que abrirá portas a tantos problemas que a Igreja sempre se negou a tomar em consideração e conduzi-la a resolver e enfrentar situações que só a humanizariam?
Se assim for, bem venha o “tsunami"!
Alda M. Maia

segunda-feira, março 22, 2010

"FARSA OU TRAGÉDIA?"
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Juramento dos candidatos da maioria do governo de Berlusconi, na Praça San Giovanni (foto Corriere della Sera)
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É farsa e é tragédia. Mas hoje, comecemos pela farsa.

Grande manifestação de sábado passado, dia 20, em Roma, organizada pelo Governo, com forte motivação eleitoral em vista das eleições regionais, nos próximos dias 28 e 29 deste mês. Foi apresentada, todavia, como uma reacção do “amor contra o ódio”: o amor difundido pelo partido do Governo (PDL – Povo Da Liberdade) contra o ódio dos adversários ou de quem o critica.

Começa a ser estranho que um governo decida manifestar, na praça pública, contra a oposição!
Era necessário, todavia, remediar uma falha relativa ao prazo da apresentação das listas eleitorais, cometida pelos candidatos da maioria de governo, no círculo eleitoral de Roma. Apresentaram-nas no último dia, 27 de Fevereiro, à última hora, mas já fora do horário que as regras determinam.

Foi amplamente reconhecido, pelos próprios interessados, que fora culpa de quem deveria apresentar os documentos, culpa esta derivada das guerras intestinas, relativamente às escolhas de quem deveria figurar nas listas.

Todos os recursos às instâncias que legitimam estas normas foram rejeitados pela magistratura que decide nessas instâncias. As regras devem ser respeitadas, como é lógico que seja.
Em vez de reconhecer o erro, pedir desculpa aos eleitores e concertar com a oposição um modo de remediar a asneira, Berlusconi vira tudo ao contrário, imediatamente seguido pelos acólitos sem dignidade nem opinião própria, e começa a lançar responsabilidades à oposição e aos magistrados, acusando-os de tramar, a fim de roubar-lhes a liberdade de votar.
Uma montanha de disparates. Mas isto já faz parte da tragédia que deixarei para outra ocasião. Fiquemo-nos na farsa.

Começou a descer nas sondagens. Logo, urgia convocar os fiéis na praça, “o lugar físico por excelência da política”.
Escolheu-se um slogan oficial para a esperada gigantesca manifestação: “O amor triunfa sempre sobre a inveja e o ódio”.
Que em política se use esta linguagem de amor, inveja, ódio, quando, neste campo, existem termos e conceitos muito peculiares, é já um bom incentivo para levantar o véu, a fim de descobrir a farsa. E esta não desiludiu!

Temos um milhão de participantes”: grito de guerra dos organizadores, ante a multidão de Piazza San Giovanni.
A polícia ( a Questura) informou que a soma exacta andava à volta de 150 mil, o que já não era para desprezar – aliás, a organização não poupou nas despesas, segundo os habituais coca-bichinhos!
Indignação dos súbditos do grande Sílvio (Berlusconi, obviamente!...). Esperavam mais de um milhão e um milhão deve ser: como se atreve a polícia a apoucar a multidão dos admiradores?
Mas, pelos vistos, a polícia não se intimidou com os protestos dos senadores servidores do grande chefe e reiterou a avaliação.
A polémica sobre o número dos manifestantes ainda hoje continua e é divertida.

Entremos agora no que poderíamos chamar a parábase da comédia. À hora anunciada, falou o divino - maior que Júlio César, assim rezava um dos cartazes: “Sílvio, és maior que Júlio César”. E ele acredita.

Lá se foram as boas intenções do “partido do amor”!
Ferozes ataques e acusações sem limites aos inimigos que constituem uma verdadeira obsessão para o "Júlio César" inimigo das regras: a esquerda e a magistratura.
Resumindo, uma oposição que é um desastre para a Itália e que só ele é capaz de salvar o País (até prometeu que, nestes últimos três anos da legislatura, encontrariam solução para o cancro); uma magistratura comunista e politizada. E sendo a magistratura outra peste que assola a Itália, interroga a multidão: “Acham que isto é uma coisa aceitável, numa democracia?”

Estes diabos de magistrados têm o péssimo hábito de levar os divinos a tribunal e julgá-los. Como se atrevem? Haja temor e respeito!...

E chegamos á fase culminante do show do divino Berlusconi. Chamou ao palco os candidatos da maioria de governo. Apresentou-os um a um, descrevendo o respectivo perfil político e humano com altos panegíricos. Em seguida, o grande chefe, por assim dizer, nomeou-os cavaleiros.
Apresentou-lhes uma espécie de “oração / juramento”, classificado como “Pacto pela Itália”, articulado em várias promessas. Com a arte de consumado actor, declarou: “Nomeio-vos missionários da verdade e da liberdade para ir convencer quem ainda não está convencido, quem lê somente os jornais da esquerda”.
Os candidatos, obedientemente e em coro, prestaram juramento: “Eu, perante este povo que representa todos os moderados, em nome da liberdade, assumo solenemente o empenho de realizar todos os pontos do pacto pela Itália” - ver foto acima reproduzida.

Comentários a toda esta teatralidade, que não hesito a classificar ridícula e até humilhante para os candidatos - embora estes tivessem colaborado ponderosa e voluntariamente na comédia – entendo que sejam desnecessários.
Alda M. Maia

domingo, março 14, 2010

ESTA EUROPA

Com os egoísmos que sempre revelam os Países que formam a União Europeia, quando se trata de tomar medidas de cooperação e união para enfrentar e resolver situações difíceis ou até criar uma força que incuta respeito ao resto do mundo; com a opacidade – digamos mesmo mediocridade – dos seus dirigentes, aonde irá parar esta nossa Europa?

Ninguém desconhece a importância de Jacques Delors, quer como presidente da Comissão dos Assuntos Económicos do Parlamento Europeu (1979 / 1981), quer como um excelente comissário da UE (Janeiro 1985 – Dezembro 1993). Distinguiu-se como “ um dos impulsionadores da Carta Social Europeia e dos programas Erasmus”. Em conclusão, um grande da política e um convicto europeísta.

No dia 11 deste mês, quinta-feira passada, concedeu uma entrevista ao jornal La Repubblica: “Sem uma política económica, a Europa arrisca o declínio. A Europa assim não sobrevive”.

Como me sinto uma apologista da União Europeia, dou sempre a máxima atenção e importância às opiniões dos grandes que sonharam e fizeram a União. Portanto, hoje quero dar relevo a essa entrevista.
Transcrevo as partes fulcrais, cujos conceitos e opiniões expressas são de leitura muito interessante.

Nunca acreditei que a União política estivesse próxima. Tanto menos desejei um governo económico. Mas uma coordenação económica, essa, sim. É indispensável. O verdadeiro calcanhar de Aquiles da Europa é a falta de coordenação. Se esta não existe, surge o declínio. Entendamos que será um declínio longo, porque partimos de um nível muito alto. Mas será inevitável.

Quando em 1989 apresentámos a «Relação Delors», que foi a base da união monetária, a parte dedicada à economia era mais importante do que a dedicada á moeda.
(…) A moeda única não pode sobreviver sem uma sólida coordenação das políticas económicas.

(…) Pode haver uma moeda única sem união política, mas não sem um verdadeiro entendimento das economias.
No livro branco de 1993, tínhamos proposto os «eurobond» e um plano de grandes trabalhos públicos europeus. Foi aprovado pelos chefes de governo, mas nada se fez. Os ministros das finanças nunca quiseram discutir o assunto.
Se hoje tivéssemos os eurobond, poderíamos adquirir dinheiro a 3 ou 3,5% e emprestá-lo à Grécia que, pelo contrário, paga 5,5% de juros. Além disso, a especulação, perante os títulos de estado europeus, acalmar-se-ia.

O grande negócio internacional, sobretudo os de matriz anglo-saxónica, nunca amou o euro. Era céptico antes; hostil depois. Ainda hoje existe um certo rancor dos anglo-saxónicos contra a moeda única europeia. É indecente, se pensarmos nos milhares de milhões que perdemos para salvar o sistema deles.

P. - Por que motivo não se criou a união económica?
R.
- Diminuiu a vontade de cooperar. A maior parte dos chefes de governo ignora como funciona a Europa e despreza o método comunitário.

Tinha essa impressão; vê-la confirmada por tão alta personagem, transformou-se em certeza

(…) O projecto europeu foi atingido por dois factores: a mundialização e o culto do imediato.
(…) Os cidadãos perderam-se entre a dimensão local e a mundial e, para muitos deles, a resposta identitária é a do localismo e do populismo. Os governos secundam-nos e seguem-nos.
Ninguém tem a capacidade cultural de indicar a Europa como um modelo a que referir-se. Perdemos a memória donde vimos. Como podemos ter a visão para onde queremos ir?

P. – Os governos encalçam os eleitores: não é isto a democracia?
R.
– De Mendes France aprendi uma grande lição: é melhor perder as eleições que perder a alma e o sentido da própria direcção. Uma eleição pode reganhar-se, passado o período normal. Qual o prejuízo? Porém, se se perde a bússola ou se perde a alma, para reencontrá-la serão necessárias gerações.

Deveria ser preceito irrenunciável, para todos os partidos ou para quem ambiciona entrar em política, uma leitura frequente desta lição de Mendes France.

O euro protegeu-nos de grossos disparates, mas não nos estimulou. É possível que a bordo da moeda única estivesse um par de clandestinos, como a Grécia e a Espanha, que não pagaram o bilhete inteiro. Ma também é verdade que quem guia o timão, como a Alemanha, não teve de suportar desvalorizações competitivas e pôde melhorar a própria competitividade à custa dos outros.

Como sempre, é necessário repartir com pequenos passos. Não peço grandes fugas avante: um pouco de aproximação das políticas fiscais; um pouco de investimentos na investigação; uma política única da energia.

Ocorre repristinar o método comunitário. Quando ouço que se quer reunir o Conselho Europeu todos os meses, tenho a impressão que se deseje repropor a Sociedade das Nações. Não é esta a Europa que funciona.

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“Uma política única de energia” que ninguém respeita. Começando pela Alemanha, a maior parte dos países da União trata privadamente os próprios fornecimentos, quando uma política única seria, como é óbvio, muito mais favorável para todos e em todos os sentidos.

Gordon Brown afirma que “O mundo globalizou a economia, mas agora deve globalizar a política, se quer evitar uma nova recessão”. Entretanto, põe-se ao lado dos Estados Unidos para defender Londres como capital da finança mundial e contra as regras da União sobre as leis da selva nas operações financeiras!...

Jacques Delors termina a entrevista com uma declaração amarga, quando o entrevistador (Andrea Bonanni) lhe pergunta se se envergonha desta Europa: "Os nossos Países estão verdadeiramente em perigo de perder a sua identidade e nível de vida, nos próximos vinte anos. Envergonhar-me? Não sei. Nunca imaginei que se chegasse a uma situação tão difícil”.

Esperemos que esta Europa de hoje deixe de ser mesquinha, pois é o espectáculo que oferece.
Gostaria que, como primeira iniciativa futura e a garantia de um bom funcionamento da União Europeia, exigisse de cada País os seus melhores elementos políticos, técnicos e académicos.
É deprimente ver certas mediocridades eleitas para o Parlamento Europeu! É desconcertante a nomeação, para os altos cargos, de pessoas que não brilham por altas qualidades.

Efectivamente, não é esta Europa que sonhámos e desejaríamos.
Alda M. Maia

domingo, março 07, 2010

UMA NOVA CASTA

Nas democracias (não somente nas democracias) a classe política passou a ser vista como uma verdadeira casta, onde os privilégios e as oportunidades de bem arranjar-se na vida são os principais factores que, frequentemente, a desprestigiam: é esta a ideia comum.

Em meados de 2007, dois jornalistas do Corriere della Sera – Gian António Stella e Sérgio Rizzo - publicaram um livro cuja edição superou um milhão de exemplares vendidos: “A CASTA”. “E assim os políticos italianos tornaram-se intocáveis”.

È uma obra de inquérito que, mercê de documentos oficiais, reportagens, análise de factos bem visíveis e incontestáveis, apresenta um amplo retrato do que são os privilégios, abusos, desperdícios e falta de pudor de quem se auto-elevou à posição de casta superior intocável, onde tudo é permitido, em detrimento do erário público e ultrajando o poder de que fora investida.

Dos múltiplos exemplos que apontaram e descreveram, somos levados a concluir que não é só na classe política italiana que se verificam essas desenvolturas. Nos demais países, ninguém pode cuspir para o ar, embora em alguns se verifique uma concepção ética superior.

Concentremos, agora, a atenção no momento actual das nossas vicissitudes nacionais, nas polémicas que a mediocridade mantém acesas, já que existe um deserto total de ideias construtivas para pôr remédio aos problemas que nos atenazam.
E como não há ideias, tão-pouco homens políticos de uma certa espessura que as possam elaborar e propor com tenacidade e determinação, uma nova casta apoderou-se do palco, tentando criar heróis onde apenas vemos uma clara insignificância.

Não me refiro aos nossos políticos: vejo-os tão vergastados que já têm pouco de casta preeminente.

Há uma nova casta que em Portugal medrou e se autoproclamou intocável, senhora única das verdades e presumível vítima de atentados contra a própria sacralidade impoluta: a classe dos jornalistas (com apreciáveis excepções).

A liberdade de Imprensa, embora equivalente, coloca-se num plano paralelo à liberdade de expressão, liberdade esta em grave perigo, segundo proclamam.
Não consta que haja qualquer mecanismo pidesco que nos amordace e impeça de dizermos sempre o que pensamos, desde que assumamos a responsabilidade das nossas afirmações, obviamente.
Logo, é uma perfeita cretinice gritar que, em Portugal, não existe liberdade de expressão.

Quanto à liberdade de imprensa, um pouco mais condicionada por variados factores, o relatório de “Repórteres Sem Fronteiras” de Outubro 2009, numa lista de 175 países, colocou-nos em 30.º lugar.
Descemos na escala, mas ainda permanecemos na zona de imprensa livre, “de boa situação” – a França está em 43.º; a Espanha, em 44.º.

À Itália atribuíram-lhe o 49.º, isto é, um país com uma liberdade de imprensa muito comprometida. Que novidade!...
Mais que na liberdade de imprensa, o deterioramento concretiza-se na actual desinformação televisiva, por vezes descarada e arrogante. Ora, cerca de 75% dos italianos é informado através dos noticiários ou programas de comunicação televisivos. Não estranhemos, portanto, que Berlusconi ganhe as eleições. Domina o mercado.

Voltando à terra Lusa, não podemos ignorar a maneira totalmente errada como o nosso Primeiro-Ministro reagiu às críticas que a imprensa lhe movia. Paralelamente, é lamentável que ninguém lhe recordasse que todas e quaisquer críticas devem ser enfrentadas como uma normalidade em quem ocupa lugares políticos de responsabilidade.

Posto isto e conhecendo bem a situação italiana, é-me impossível não sentir uma certa náusea, nestes últimos tempos, perante o insistente comportamento teatral da maior parte da nossa imprensa e dos respectivos jornalistas.

É-me difícil compreender a palhaçada (e não retiro a palavra) a que se continua a assistir na Comissão de Ética do Parlamento, com a passarela de quem se crê imolado no altar da sua alta profissionalidade.
Mas a que alta profissionalidade se pretende aludir!? No grupo que mais se manifestou, podemos discernir bons jornalistas? Não me apercebi da existência de tais exemplares; bem pelo contrário.

Se dúvidas houvesse, bastou a interpretação de Manuela Moura Guedes no papel de mártir da informação. Penosa!
A senhora exprimiu-se sem que os freios da elegância e do equilíbrio lhe aconselhassem bom gosto e bom senso. Acusou tudo e todos, sem um mínimo de responsabilidade, quer no que asseria, quer nas acusações lançadas a esmo.
É este o jornalismo, infinitamente mais baixo ainda do género tablóide, que se quer impor? Onde está o respeito pelos leitores ou aquelas pessoas que desejam ser informadas e esclarecidas com honestidade?

Insistem na denúncia de pressões políticas. Quando um jornalista é bem consciente do seu profissionalismo, da perseverança e rigor no uso da objectividade e equidistância, nunca lhe faltarão fortes e válidos argumentos para se opor à humilhação da própria integridade.

Em toda esta comédia de “jornalismo oprimido”, houve uma Senhora que se demarcou. Com dignidade e aprumo, a excelente jornalista Teresa de Sousa recusou-se a desfilar na passarela das queixinhas. Efectivamente, nada tem que ver com os representantes da "nova casta" que, por "direito divino", interpretam a liberdade de imprensa como uma liberdade do vale tudo.
Oportuno recordar o velho axioma: “a tua liberdade acaba onde começa a minha”. Mas os "direitos divinos" não se prendem com estas bagatelas.
Alda M. Maia