POLITICAMENTE CORRECTO OU POLITICAMENTE HIPÓCRITA?
Sob a já muito estafada expressão “politicamente correcto”, nem sempre podemos vislumbrar ou ver claramente uma sinceridade plausível, uma atitude demonstrativa de seriedade.
No politicamente correcto, vemos fórmulas que as facções políticas, de oposta ideologia, determinaram que deveriam adaptar-se às ideias e programas que as definem e, logo, as tornam diferentes.
Até aí, nada a opor. Todavia, se pretendem abarcar todos as facetas do comportamento humano, repartindo-as em dois lotes distintos, conforme as simpatias de direita ou de esquerda, penso que, frequentemente, se criam amplas oportunidades para que a hipocrisia oriente os ditames. E se não é hipocrisia, entra-se, então, no campo da superficialidade.
Inútil recordar que há valores que não podem ter etiqueta: são pertença de toda uma humanidade iluminada.
É moeda corrente a emissão de juízos sem um enquadramento com as análises necessárias, quer do aspecto externo, quer do âmago das questões: dois factores imprescindíveis para quem não descura a objectividade e alimenta o ideal de um comportamento cívico equilibrado.
Os factos destas últimas semanas abundam em atitudes que se poderiam classificar como politicamente correctas – refiro-me às reacções europeias ao populismo de Sarkozy, concernente o expatriamento da etnia cigana. Todavia, nestas reacções houve uma boa dose de hipocrisia, sobretudo quando manifestaram repulsa pelas palavras da comissária europeia responsável da justiça, Viviane Reding: “Não pensava que a Europa devesse reviver uma situação como esta depois da Segunda Guerra Mundial”.
Certamente que se poderia exprimir o mesmo conceito, usando termos mais diplomáticos e não dar azo a que o Presidente Sarkozy aproveitasse o deslize para se mostrar ofendido, em nome do povo francês.
Esta é a parte externa do caso. Porém, se penetro no âmago da atitude da Senhora Comissária, aplaudo-a incondicionadamente pela sinceridade da sua indignação.
Tornam-se-me antipáticas e inoportunas, pelo contrário, a arrogância, má educação e hipocrisia de Sarkozy. Que deixe a dignidade do povo francês em paz, pois foi ele que a não respeitou.
O Senado francês aprovou definitivamente a lei que proíbe, nos espaços públicos (ruas, praças e lugares abertos ao público), o uso do burqa ou vestuários que escondam o rosto.
A multa prevista é de 150 euros á qual se pode acrescentar um curso de educação cívica.
Também haverá um ano de prisão e 30 mil euros de multa para quem forçar o uso destes véus integrais. A lei entrará em vigor em 2011.
“A fim de evitar previsíveis recursos, os presidentes das duas Câmaras decidiram apelar par os guardiões da Carta Constitucional para saber se a proibição viola ou não o princípio da liberdade individual”. Se o Conselho Constitucional der voto favorável, haverá seis meses para usar a persuasão e fazer desaparecer o burqa e niqab das ruas.
A oposição de esquerda, com algumas excepções, não participou na votação
Após ter lido tudo o que concerne este veto, nos primeiros instantes fiquei perplexa e com dificuldade de formar uma opinião equilibrada.
Antes de se chegar a uma lei, preferiria que se promovesse uma forte e persistente campanha de persuasão, instando a colaboração dos muçulmanos moderados que, como bem sabemos, constituem a grande maioria. Eles mesmos esclarecem que “o véu integral não tem nenhum fundamento teológico”. Trata-se de usos e tradições impostos pelo baixo conceito da condição de mulher, naquela parte a que chamaremos islão sectário, fundamentalista e ignorante.
O politicamente correcto nas esquerdas é opor-se a uma lei que não respeita a liberdade de todos e quaisquer cidadãos. Na aparência, é uma postura coerente. E se observarmos bem o âmago da questão? É a convicção que se exprime ou a hipocrisia como um recurso da coerência?
A que liberdade se referem, quando bem sabemos que, para a maioria das mulheres que usam burqa, chador, niqab e similares a isso são forçadas, quer queiram, quer não queiram?
O Irão é mestre nesta visão ditatorial de humilhação da mulher. Quantas notícias de brutalidade nos chegam sobre aqueles seres hipócritas e primitivos que se servem da religião para oprimir, torturar e usar a pena capital pelos mais estúpidos motivos!
Quando uma mulher é condenada à morte, a pena não é exequível se ainda é virgem. Pois foi-me dado ler que os guardas das prisões iranianas se encarregam de as violarem e, portanto, torná-las preparadas para a execução. Se é verdade, não há palavras que exprimam o horror.
Como se pode justificar que um ser humano, somente porque é mulher, deva sepultar-se num burqa que tudo cobre e apenas lhe concede uma redinha diante dos olhos? Porque a religião que professa e a tradição assim lho impõem? Qual o fundamento concreto?
Voltemo-nos agora para o nosso mundo ocidental. O uso dos véus integrais tem razões aceitáveis, justificáveis e compreensíveis na nossa sociedade, sobretudo quando impositivo?
Mesmo que se trate de uma escolha livre do uso do burqa ou niqab, confesso que, para mim, é sempre um espectáculo deprimente e vejo-o como uma incompreensível auto-humilhação.
Insisto, devem as nossas normas ou leis ocidentais pactuar com tradições que humilham, que espezinham a dignidade de um ser humano, mesmo que este tudo aceite porque assim lho impuseram crenças, costumes aberrantes e parentes próximos? Em nome da liberdade individual? Qual liberdade?
Devemos pactuar com a ideia de uma “sociedade paralela”, onde os nossos direitos constitucionais – a igualdade entre homem e mulher, por exemplo - não são respeitados, pois é este o cerne da questão?
Sob a já muito estafada expressão “politicamente correcto”, nem sempre podemos vislumbrar ou ver claramente uma sinceridade plausível, uma atitude demonstrativa de seriedade.
No politicamente correcto, vemos fórmulas que as facções políticas, de oposta ideologia, determinaram que deveriam adaptar-se às ideias e programas que as definem e, logo, as tornam diferentes.
Até aí, nada a opor. Todavia, se pretendem abarcar todos as facetas do comportamento humano, repartindo-as em dois lotes distintos, conforme as simpatias de direita ou de esquerda, penso que, frequentemente, se criam amplas oportunidades para que a hipocrisia oriente os ditames. E se não é hipocrisia, entra-se, então, no campo da superficialidade.
Inútil recordar que há valores que não podem ter etiqueta: são pertença de toda uma humanidade iluminada.
É moeda corrente a emissão de juízos sem um enquadramento com as análises necessárias, quer do aspecto externo, quer do âmago das questões: dois factores imprescindíveis para quem não descura a objectividade e alimenta o ideal de um comportamento cívico equilibrado.
Os factos destas últimas semanas abundam em atitudes que se poderiam classificar como politicamente correctas – refiro-me às reacções europeias ao populismo de Sarkozy, concernente o expatriamento da etnia cigana. Todavia, nestas reacções houve uma boa dose de hipocrisia, sobretudo quando manifestaram repulsa pelas palavras da comissária europeia responsável da justiça, Viviane Reding: “Não pensava que a Europa devesse reviver uma situação como esta depois da Segunda Guerra Mundial”.
Certamente que se poderia exprimir o mesmo conceito, usando termos mais diplomáticos e não dar azo a que o Presidente Sarkozy aproveitasse o deslize para se mostrar ofendido, em nome do povo francês.
Esta é a parte externa do caso. Porém, se penetro no âmago da atitude da Senhora Comissária, aplaudo-a incondicionadamente pela sinceridade da sua indignação.
Tornam-se-me antipáticas e inoportunas, pelo contrário, a arrogância, má educação e hipocrisia de Sarkozy. Que deixe a dignidade do povo francês em paz, pois foi ele que a não respeitou.
O Senado francês aprovou definitivamente a lei que proíbe, nos espaços públicos (ruas, praças e lugares abertos ao público), o uso do burqa ou vestuários que escondam o rosto.
A multa prevista é de 150 euros á qual se pode acrescentar um curso de educação cívica.
Também haverá um ano de prisão e 30 mil euros de multa para quem forçar o uso destes véus integrais. A lei entrará em vigor em 2011.
“A fim de evitar previsíveis recursos, os presidentes das duas Câmaras decidiram apelar par os guardiões da Carta Constitucional para saber se a proibição viola ou não o princípio da liberdade individual”. Se o Conselho Constitucional der voto favorável, haverá seis meses para usar a persuasão e fazer desaparecer o burqa e niqab das ruas.
A oposição de esquerda, com algumas excepções, não participou na votação
Após ter lido tudo o que concerne este veto, nos primeiros instantes fiquei perplexa e com dificuldade de formar uma opinião equilibrada.
Antes de se chegar a uma lei, preferiria que se promovesse uma forte e persistente campanha de persuasão, instando a colaboração dos muçulmanos moderados que, como bem sabemos, constituem a grande maioria. Eles mesmos esclarecem que “o véu integral não tem nenhum fundamento teológico”. Trata-se de usos e tradições impostos pelo baixo conceito da condição de mulher, naquela parte a que chamaremos islão sectário, fundamentalista e ignorante.
O politicamente correcto nas esquerdas é opor-se a uma lei que não respeita a liberdade de todos e quaisquer cidadãos. Na aparência, é uma postura coerente. E se observarmos bem o âmago da questão? É a convicção que se exprime ou a hipocrisia como um recurso da coerência?
A que liberdade se referem, quando bem sabemos que, para a maioria das mulheres que usam burqa, chador, niqab e similares a isso são forçadas, quer queiram, quer não queiram?
O Irão é mestre nesta visão ditatorial de humilhação da mulher. Quantas notícias de brutalidade nos chegam sobre aqueles seres hipócritas e primitivos que se servem da religião para oprimir, torturar e usar a pena capital pelos mais estúpidos motivos!
Quando uma mulher é condenada à morte, a pena não é exequível se ainda é virgem. Pois foi-me dado ler que os guardas das prisões iranianas se encarregam de as violarem e, portanto, torná-las preparadas para a execução. Se é verdade, não há palavras que exprimam o horror.
Como se pode justificar que um ser humano, somente porque é mulher, deva sepultar-se num burqa que tudo cobre e apenas lhe concede uma redinha diante dos olhos? Porque a religião que professa e a tradição assim lho impõem? Qual o fundamento concreto?
Voltemo-nos agora para o nosso mundo ocidental. O uso dos véus integrais tem razões aceitáveis, justificáveis e compreensíveis na nossa sociedade, sobretudo quando impositivo?
Mesmo que se trate de uma escolha livre do uso do burqa ou niqab, confesso que, para mim, é sempre um espectáculo deprimente e vejo-o como uma incompreensível auto-humilhação.
Insisto, devem as nossas normas ou leis ocidentais pactuar com tradições que humilham, que espezinham a dignidade de um ser humano, mesmo que este tudo aceite porque assim lho impuseram crenças, costumes aberrantes e parentes próximos? Em nome da liberdade individual? Qual liberdade?
Devemos pactuar com a ideia de uma “sociedade paralela”, onde os nossos direitos constitucionais – a igualdade entre homem e mulher, por exemplo - não são respeitados, pois é este o cerne da questão?
Alda M. Maia
3 Comments:
Muito sinceramente, Alda
Muito me espanta que não veja os seus textos publicados em letra de forma em jornais e revistas das mais conceituadas da nossa praça. E não só.
Segui, como sempre, o seu rumo de pensamento, a sua capacidade de argumentação e, mais uma vez, fiquei esclarecido do seu ponto de vista.
Perfeitamente plausível e que corroboro completamente.
Repito. Que pena a Alda não dar mais publicidade à forma como consegue expender as suas ideias!
Não me canso de a ler.
Não se admire que um dia destes apareça um clube de fãs deste seu blogue, quem sabe no Facebook!?...
Mas para a virem ler aqui, não na barafunda desta e outras que tais redes sociais!
Um abraço de amizade
António
D. Alda,
Esta é, de facto, uma questão controversa.
Como diz, e muito bem, tudo se prende com aquilo a que chamamos liberdade.
Liberdade de quê?
Se entendermos liberdade como a condição de um indivíduo não ser submetido ao domínio de outro, ou seja, ter pleno poder sobre si mesmo e sobre seus actos, poderemos “achar” que nem um nem outro correspondem a este conceito. Liberdade pressupõe a ausência de submissão, de servidão.
Proibir o uso da burca a quem entende que é sua obrigação (ou devoção) usá-la, poderá ser entendido como um acto de limitação da liberdade individual –"Eu quero, é a minha cultura, é assim que eu entendo que devo fazer. Quem és tu para dizeres que não deve ser assim, se eu acho que é?"
Contudo, o uso desta vestimenta que, por tudo quanto comporta, é humilhante e subalterniza a própria condição de ser humano, não é, nem pode ser, expressão de liberdade, mesmo para aquelas que afirmam que a usam porque querem. Isto porque, com tal acto, a mulher subserviente submete-se a um domínio exterior, que se traduz numa série de desgraças inventadas que lhes acontece, caso não o façam.
Assim, a mulher que usa burca, não age por si própria, com vontade determinada; ou pelo menos não age com pleno poder dos seus próprios actos, não age com vontade consciente, e portanto não age em liberdade. (todos sabemos que tal vontade lhe é imposta por uma série de “medos” que não têm qualquer apoio nos chamados livros sagrados que as próprias acreditam)
Do ponto de vista legal, o indivíduo é livre quando a sociedade não lhe impõe nenhum limite injusto, desnecessário ou absurdo. Pelo que, como diz, talvez fosse mesmo premente iniciar “uma forte e persistente campanha de persuasão, instando a colaboração dos muçulmanos moderados”, ou de outras pessoas quaisquer, para que, antes da proibição por si só, fosse encetada uma verdadeira revolução de mentalidades, de forma a que todos pudessem agir em liberdade!
Um grande beijinho
António e Maria Teresa
(por ordem de chegada)
Primeiro que tudo, agradeço-vos os vossos agradabilíssimos, apreciados e inteligentes comentários.
Entremos, agora, no conteúdo dos mesmos e comecemos pelo primeiro.
António, a sua referência a jornais e revistas deixa-me lisonjeada. Todavia, a sua estima – que eu retribuo em igual medida e sinceramente – dá-me demasiada importância, o que não deixa de me envaidecer - devo ser sincera, pois não posso ser hipócrita e contrariar o tema do post!
Relativamente a dar mais publicidade ao blogue, há milhares de blogues em português europeu e muitos de boa qualidade. Um destes é o “Dispersamente”, e longe de mim a ideia de contracambiar gentilezas.
Ser mais um desses milhares, sossegadinha neste espaço, permite-me escrever, conversando abertamente sobre o que mais me atrai e indiferente à aprovação das massas.
Tenho poucos leitores, mas os que aqui têm deixado comentários ou os que de vez em quando me lêem, sei que são pessoas educadas e inteligentes. É belo, não acha?
Para finalizar, devo pedir-lhe muita desculpa de não ter acedido ao Facebook ou ao outro site, mas confesso-lhe que me sinto sem coragem - ou refractária, para ser mais sincera - a ingressar nesses “social Net” ou lá como lhes chamam. Queira perdoar-me e compreenda-me.
Um grande abraço e muito, muito obrigada pela sua estima e amizade
Alda
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Teresinha
Li com interesse tudo o que comentaste (leio-te sempre com interesse). Ao fim e ao cabo, dás-me razão, não é verdade?
Na decisão legislativa francesa tenho receio que agisse mais o impulso da não tolerância que o desejo de impor o respeito pelos direitos constitucionais, logo, a igualdade entre homem e mulher. Seria assim? Aguardemos.
Acima aludi ao blogue do António. Falo agora do teu espaço. Tens qualidades, inteligência, cultura para captar a nossa atenção com a tua vivacidade. Somente… Repito o que comentei no “Notas ao Acaso”: perdeste o interesse em favor do Facebook?
Já sei, já sei que nos últimos tempos tens outros empenhos bem mais sérios.
Se me leres hoje, aparece amanhã, de acordo?
Um beijinho grande
Alda
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