domingo, abril 18, 2010

A MÁFIA ITALIANA É A SEXTO NO MUNDO?

Não digamos a máfia italiana, mas as máfias: três organizações criminosas que dominam, praticamente, o sul de Itália e, paralelamente, infiltradas no sistema económico e financeiro do País.

Na Sicília, há a célebre “Cosa Nostra”, a mais citada e conhecida.
A Ndrangheta (ndrângueta) dita leis na Calábria Actualmente, é uma das organizações criminosas mais potentes e o maior distribuidor mundial de cocaína. Opera em todos os continentes.
Chegamos à Camorra ou aquilo a que os camorristas preferem intitular «O Sistema». Outra máfia centenária, cujos clãs operam na região napolitana.
Foi magistral e cativantemente explicada no livro de Roberto Saviano: “Gomorra”.
É impressionante, já no primeiro capítulo, a descrição do imponente tráfego clandestino, no porto de Nápoles, das variegadas mercadorias chinesas que, depois, serão distribuídas em toda a Europa.
Editado em Portugal, é um livro cuja leitura recomendo.

Estas são as três máfias inextirpáveis e com um balanço de cem mil milhões de euros de lucro, por ano.
São inextirpáveis, porque a coalizão com a política sempre foi um dado adquirido, irrefragável. Quantos governos municipais dissolvidos por infiltração mafiosa! Quantas figuras políticas incriminadas por ligações à máfia, pois sem os votos que estas organizações criminosas procuram, ou impõem na zona onde são patrões, jamais seriam eleitos.

Ainda existe a “Sacra Coroa Unida”, na Apúlia, mas mais apagada, menos importante ou talvez mais encoberta.

Para o chefe do governo italiano, porém, falar de máfia é um desprestígio: “A máfia italiana resulta a sexta no mundo, mas, olhem só a casualidade, é a mais conhecida, porque houve um suporte promocional que a tornou num elemento muito negativo para o nosso País. Recordemo-nos dos oito episódios da série «La Piovra» (O Polvo), programa da TV de 160 países no mundo e toda a literatura a propósito: «Gomorra» e o resto.”
Já anteriormente manifestara conceitos idênticos. Muito estranho!

Bem procuro não escrever sobre este artista de cabaret promovido a primeiro-ministro. Aliás, absolutamente nada em contrário se, em vez de um oportunista espertalhão, fosse um artista de grande e sã inteligência.

Ele (Berlusconi) é uma anomalia absoluta, um fantástico vendedor ambulante, capaz de envergar qualquer máscara e de levar a cabo qualquer baixeza que lhe convenha” – no
editorial de Eugénio Scalfari, hoje, em “La Repubblica”.
Como reagiriam, nos demais países democráticos, outros chefes de governo descritos deste modo, num grande jornal?

Penso que já tudo foi dito, que o homem já está bem retratado como pior exemplo de dirigente de um país sério e democrático.
Todavia, ai este todavia!... Quase diariamente, somos forçados a ouvir bacoradas e disparates, inimagináveis numa pessoa medianamente decente e, sobretudo, responsável.

O autor de “Gomorra” vive quase em clausura, pois não pode mover-se sem uma escolta que o proteja: se assim não fosse, a Camorra já o teria assassinado.

As reacções foram imediatas, mesmo em intelectuais de outros países.
As exclamações de vários escritores italianos assemelham-se: “Irresponsável; Perigoso; Uma desgraça para a Itália”.

Roberto Saviano respondeu, acto contínuo, com uma carta aberta dirigida a Berlusconi, publicada ontem. Como sempre, muito bem escrita e certeira.

O Primeiro-ministro pretende calar-me, mas sobre os clãs nunca deixarei de falar”
“Em vez de acusar quem narra, deveria informar que a Itália é o país com a melhor legislatura antimáfia do mundo. De como nós, italianos, oferecemos o know-how da antimáfia a todo o mundo. Isto seria dar dignidade a quem se bate para debelar uma praga; disto seriam orgulhosos os seus eleitores. Muitos deles, pelo contrário – assim o creio – teriam ficado estarrecidos e indignados pelas suas palavras. Talvez eles poderão ajudá-lo a desmenti-las”.


A filha de Berlusconi, presidente da editora (Mondadori) que publica as obras de Saviano, já que este aludira a uma próxima reflexão sobre esta editora, respondeu com outra carta, igualmente publicada no jornal La Repubblica. Lendo-a, deu-me a impressão de um ditado do pai, tantos os panegíricos sobre as façanhas de um "governo excepcional".

Caro Saviano, não é uma censura. O meu pai também pode criticar.
(…) Uma crítica que pode não ser compartilhada, mas que, como todas as opiniões, é mais que legítima. E quando digo «todas as opiniões» entendo verdadeiramente todas, incluídas, quer agrade ou não, as do chefe do governo”.


Eu não entendi o comentário do pai como uma crítica. Efectivamente…
Roberto Saviano replicou: "O Chefe do governo, Berlusconi, não exprimiu uma crítica. Crítica significa entrar no cerne de uma avaliação, de um dado, de uma reflexão. Nas suas palavras há uma condenação, não de uma análise ou de um pormenor, mas ao acto de se escrever sobre a máfia”.

Finalizo com um facto muito interessante. No mesmo dia em que rebentou esta querela, o grande amigo, aliado e co-fundador do partido de Berlusconi, o senador Marcelo Dell’Utri, condenado em primeira instância a nove anos de prisão “por concurso externo em associação mafiosa”, no processo de apelo, (nesse mesmo dia, repito), o substituto do Procurador-geral de Palermo solicitou onze anos de pena (mais dois!): “novas provas emergiram. Fica provado que o imputado esteve ao serviço da organização mafiosa", etc., etc.

Deixou-me de boca aberta a declaração de Marcelo Dell’Utri aos jornalistas que o entrevistavam: “Defendo-me de um ataque político. Trata-se de um processo político (a mesma treta de Berlusconi). (…) Sou senador para defender-me do processo”.

Surge a inevitável pergunta: mas um Parlamento também deve servir de valhacouto, ou escudo, a quem tem de prestar contas ou esclarecimentos à justiça?!
Alda M. Maia