“ODEIO OS INDIFERENTES”
“Odeio os indiferentes. (…) Não podem existir os somente homens, os estranhos à cidade. Quem vive verdadeiramente não pode deixar de ser cidadão e partidário.
Indiferença é abulia, é parasitismo, é velhacaria; não é vida. Portanto, odeio os indiferentes.
(…) A indiferença opera potentemente na história. Opera passivamente, mas opera. É a fatalidade; é aquilo com que se não pode contar; é o que subverte os programas, que anula os planos mais bem construídos; é a matéria bruta que se rebela à inteligência e a estrangula. O que sucede, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um acto heróico (de valor universal) pode gerar, não é tanto devido à iniciativa dos poucos que operam, quanto à indiferença, ao absentismo dos muitos.
(…) A fatalidade que parece dominar a história nada mais é, precisamente, do que aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo.
Os factos maturam na sombra. Poucas mãos, não vigiadas por nenhum controlo, tecem a tela da vida colectiva, e a massa ignora, porque não se preocupa. Os destinos de uma época são manipulados, conforme as visões restritas, escopos imediatos, ambições e paixões individuais de pequenos grupos activos, e a massa dos homens ignora, porque disso não se preocupa.
(…) Pelo contrário, a maior parte destes, após a consumação dos eventos, prefere falar de falências ideais, de programas definitivamente desmantelados e de outras facécias similares. Recomeçam, assim, as suas ausências de qualquer responsabilidade.
Não por que não vejam claro nas coisas e que, por vezes, não sejam capazes de prospectar belíssimas soluções dos problemas mais urgentes ou daqueles que, embora requerendo ampla preparação e tempo, são, todavia, igualmente urgentes.
Mas estas soluções permanecem belissimamente infecundas; mas este contributo à vida colectiva não é animado por nenhuma luz moral: é o produto de uma curiosidade intelectual e não de um pungente sentido de uma responsabilidade histórica que deseja todos activos na vida; que não admite agnosticismos e indiferenças de qualquer género.
Odeio os indiferentes também por que me aborrecem as suas lamúrias de eternos inocentes. Procuro saber como cada um deles desenvolveu a missão que a vida lhes colocou e lhes coloca diariamente; do que fez e, especialmente, do que não fez. Sinto de poder ser inexorável, de não dever repartir com eles as minhas lágrimas. (…).
“Odeio os indiferentes. (…) Não podem existir os somente homens, os estranhos à cidade. Quem vive verdadeiramente não pode deixar de ser cidadão e partidário.
Indiferença é abulia, é parasitismo, é velhacaria; não é vida. Portanto, odeio os indiferentes.
(…) A indiferença opera potentemente na história. Opera passivamente, mas opera. É a fatalidade; é aquilo com que se não pode contar; é o que subverte os programas, que anula os planos mais bem construídos; é a matéria bruta que se rebela à inteligência e a estrangula. O que sucede, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um acto heróico (de valor universal) pode gerar, não é tanto devido à iniciativa dos poucos que operam, quanto à indiferença, ao absentismo dos muitos.
(…) A fatalidade que parece dominar a história nada mais é, precisamente, do que aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo.
Os factos maturam na sombra. Poucas mãos, não vigiadas por nenhum controlo, tecem a tela da vida colectiva, e a massa ignora, porque não se preocupa. Os destinos de uma época são manipulados, conforme as visões restritas, escopos imediatos, ambições e paixões individuais de pequenos grupos activos, e a massa dos homens ignora, porque disso não se preocupa.
(…) Pelo contrário, a maior parte destes, após a consumação dos eventos, prefere falar de falências ideais, de programas definitivamente desmantelados e de outras facécias similares. Recomeçam, assim, as suas ausências de qualquer responsabilidade.
Não por que não vejam claro nas coisas e que, por vezes, não sejam capazes de prospectar belíssimas soluções dos problemas mais urgentes ou daqueles que, embora requerendo ampla preparação e tempo, são, todavia, igualmente urgentes.
Mas estas soluções permanecem belissimamente infecundas; mas este contributo à vida colectiva não é animado por nenhuma luz moral: é o produto de uma curiosidade intelectual e não de um pungente sentido de uma responsabilidade histórica que deseja todos activos na vida; que não admite agnosticismos e indiferenças de qualquer género.
Odeio os indiferentes também por que me aborrecem as suas lamúrias de eternos inocentes. Procuro saber como cada um deles desenvolveu a missão que a vida lhes colocou e lhes coloca diariamente; do que fez e, especialmente, do que não fez. Sinto de poder ser inexorável, de não dever repartir com eles as minhas lágrimas. (…).
“Indiferentes”, texto de António Gramsci, no número único da revista “La Città Futura”, publicado em 1917.
****
Nesta última semana, continuamente me vinha à memória este artigo de António Gramsci. Reli-o com redobrada atenção. Tentei encaixá-lo nos tempos hodiernos. Nenhum forçamento: o encaixe resultou perfeito.
Gramsci odeia os indiferentes; eu detesto quem não tem ou abdicou da faculdade de indignar-se. Penso sejam duas faces da mesma moeda.
Num debate sobre as recentes eleições italianas, uma conhecida jornalista – Lúcia Annunziata – insistiu numa pergunta: perante todas as anomalias que caracterizam a situação política italiana actual, onde está a indignação das gentes?
A editorialista do jornal Público, Helena Matos, entende que as eleições italianas são um “caso patológico do jornalismo português”. Escreve também que gostaria que “fizessem notícias sobre a Itália e que terminassem estes exercícios sobre o que nós gostaríamos que acontecesse naquele País mas que não acontece”
Se o é um caso patológico para o nosso jornalismo, é-o para qualquer jornalismo que se ocupe do homem Berlusconi: todos dizem que está prestes a sucumbir, chegam as eleições e continua a ganhar, exactamente como sucedeu nas eleições da última semana.
Em primeiro lugar, se ganhou, desta vez foi por luz reflexa do partido aliado “Liga Norte”. Este é que é o verdadeiro vencedor, aplaudido pelas hierarquias eclesiásticas.
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Nesta última semana, continuamente me vinha à memória este artigo de António Gramsci. Reli-o com redobrada atenção. Tentei encaixá-lo nos tempos hodiernos. Nenhum forçamento: o encaixe resultou perfeito.
Gramsci odeia os indiferentes; eu detesto quem não tem ou abdicou da faculdade de indignar-se. Penso sejam duas faces da mesma moeda.
Num debate sobre as recentes eleições italianas, uma conhecida jornalista – Lúcia Annunziata – insistiu numa pergunta: perante todas as anomalias que caracterizam a situação política italiana actual, onde está a indignação das gentes?
A editorialista do jornal Público, Helena Matos, entende que as eleições italianas são um “caso patológico do jornalismo português”. Escreve também que gostaria que “fizessem notícias sobre a Itália e que terminassem estes exercícios sobre o que nós gostaríamos que acontecesse naquele País mas que não acontece”
Se o é um caso patológico para o nosso jornalismo, é-o para qualquer jornalismo que se ocupe do homem Berlusconi: todos dizem que está prestes a sucumbir, chegam as eleições e continua a ganhar, exactamente como sucedeu nas eleições da última semana.
Em primeiro lugar, se ganhou, desta vez foi por luz reflexa do partido aliado “Liga Norte”. Este é que é o verdadeiro vencedor, aplaudido pelas hierarquias eclesiásticas.
Contrariando o tanger de tantos pandeiros, foi uma vitória limitada no número de eleitores; porém, significativa.
Em segundo lugar, a oposição tudo tem feito para criar absentismo, desinteresse, votos de protesto.
Em segundo lugar, a oposição tudo tem feito para criar absentismo, desinteresse, votos de protesto.
Continuando a ser motivo de desilusão para quem espera numa força política que saiba descer da estúpida afasia em que se fechou e recupere a faculdade de exprimir ideias e objectivos concretos, infelizmente não se apresenta como uma alternativa política credível. Não sei até quando, mas espero que agora levante a cabeça e caminhe.
Como o maior partido, em todos os países, é o dos ignorantes (e dos oportunistas), qualquer bom tocador de pífaro sabe sempre encontrar as melodias que o povinho quer ouvir. É previsível que o sigam: grosso modo, é isto o que tem acontecido na Itália.
Não esqueçamos que o tocador em questão exerce um forte domínio no sistema informativo e no mundo económico. O centro-esquerda tem graves culpas sobre esta situação, pois jamais contrastou, seriamente, o aberrante conflito de interesses que hoje sufoca a democracia italiana e põe em perigo o quadro constitucional.
Verificou-se um facto muito elucidativo: nas grandes cidades - como Roma, Turim, Veneza, por exemplo - ganhou a oposição, isto é, ganhou onde imperou o voto de opinião, o voto de quem está informado. Em Milão, os votos da Liga Norte são modestíssimos. A boa colheita de Berlusconi e companheiros verificou-se na província, no interior.
Em conclusão, odeio os indiferentes; odeio a decadência da sociedade civil que acha normal a amoralidade dos seus governantes; odeio quem desistiu de indignar-se e já não sabe cultivar a ética e o valor das regras.
Quanto desejaria que houvesse milhões e milhões de pessoas com a capacidade de indignar-se neste sentido, sobretudo na Itália!
Alda M. Maia
Como o maior partido, em todos os países, é o dos ignorantes (e dos oportunistas), qualquer bom tocador de pífaro sabe sempre encontrar as melodias que o povinho quer ouvir. É previsível que o sigam: grosso modo, é isto o que tem acontecido na Itália.
Não esqueçamos que o tocador em questão exerce um forte domínio no sistema informativo e no mundo económico. O centro-esquerda tem graves culpas sobre esta situação, pois jamais contrastou, seriamente, o aberrante conflito de interesses que hoje sufoca a democracia italiana e põe em perigo o quadro constitucional.
Verificou-se um facto muito elucidativo: nas grandes cidades - como Roma, Turim, Veneza, por exemplo - ganhou a oposição, isto é, ganhou onde imperou o voto de opinião, o voto de quem está informado. Em Milão, os votos da Liga Norte são modestíssimos. A boa colheita de Berlusconi e companheiros verificou-se na província, no interior.
Em conclusão, odeio os indiferentes; odeio a decadência da sociedade civil que acha normal a amoralidade dos seus governantes; odeio quem desistiu de indignar-se e já não sabe cultivar a ética e o valor das regras.
Quanto desejaria que houvesse milhões e milhões de pessoas com a capacidade de indignar-se neste sentido, sobretudo na Itália!
Alda M. Maia
2 Comments:
D. Alda,
Apetece-mesmo dizer Amen, Amen!
Eu cá por mim, também odeio os indiferentes, mas pincipalmente odeio aqueles que se querem manter aparentemente indiferentes por pura covardia!!!
Beijinho grande
Ciao Teresinha
Indiferentes por covardia, por comodismo - que sejam os outros a tirar as castanhas do fogo e depois bem venha o proveito - por egoísmo, também por ignorância...
Há tantas formas de praticar a indiferença, Maria Teresa! Mas todas elas, absolutamente nojentas.
Um beijinho
Alda
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