domingo, janeiro 10, 2010

ORTOGRAFIA “À LA CARTE

A querela torna à ribalta sobre o malfado Acordo Ortográfico. E pela enésima vez, cabe-nos ouvir, ou ler, sempre os mesmos e frágeis argumentos dos autores que gizaram esta pessegada.

Não só insistem nessas razões, quase sempre capciosas, como as exprimem num tom arrogantemente desdenhoso contra os que não concordam: estes seriam primários, retrógrados, “posições tacanhas”, desrespeitadores de solenes acordos internacionais.

Não concebem resistências a tão iluminada decisão, qual um acordo ortográfico que será à la carte – cada um escolha o que mais lhe agrade - e sem o mínimo respeito por um património cultural nascido, evoluído e consolidado neste nosso território com vários séculos de percurso.

O País está baralhado sobre o Acordo Ortográfico e com razão. Não sabe que já está em vigor, quando e como vai ser aplicado, e desconhece o seu conteúdo. Nós, no Público, sobretudo não compreendemos para que serve e, incapazes de entender a necessidade e as vantagens de uma norma global para o português, decidimos não o adoptar."
Assim se exprimiu o jornal Público - no editorial “Por que rejeitamos o acordo” - do dia 30 de Dezembro 2009.
O mesmo jornal deixa “liberdade de escolha” aos seus colunistas; a redacção usará o português que nos caracteriza. Aplaudo esta decisão.

O professor Vital Moreira, como leitor e colaborador do Público, num artigo de 05 de Janeiro 2010, “discorda desta posição” e declara “improcedentes os argumentos que a sustentam”.
Perde-se em justificações jurídicas que não se refutam, mas entra em considerações linguísticas discutíveis e que podia ter evitado.

Vital Moreira escreve ainda: “A reforma ortográfica pode reivindicar a seu favor dois factores de que as anteriores não beneficiaram”.

Dêmos atenção ao primeiro factor: “Desde a sua elaboração até à entrada em vigor, (…) o acordo ortográfico levou mais de duas décadas de intensas discussões académicas e políticas”.

Vejamos agora as asserções de um competente professor de Linguística, o Dr. António Emiliano.
“O considerando contido no texto do AO, assinado por sete governantes lusófonos e aprovado pela Assembleia da República, contém uma falsidade gritante, uma mentira de Estado: o Acordo Ortográfico de 1990 nunca foi objecto de discussão pública, nunca foi objecto de discussão científica. Não há, de facto, qualquer registo de uma tal discussão: não há actas publicadas de encontros científicos (colóquios, congressos ou seminários) promovidos pelo Estado ou pela Academia de Ciências de Lisboa, não se conhecem quaisquer relatórios elaborados pela Academia ou por qualquer dos negociadores portugueses dos Acordos de 1986 e 1990. Tudo o que existe, em termos oficiais, é a “Nota Explicativa do Acordo ortográfico da língua Portuguesa (1990)”, o anexo II do Acordo, um texto pejado de problemas e deficiências técnicas”.
(O negrito é de minha responsabilidade)

Em que ficamos, Prof. Vital Moreira? Como podemos conciliar esse factor que indica como muito positivo e o esclarecimento de um docente de Linguística, António Emiliano?
Pode indicar factos (não fatos), dados absolutamente técnicos que reforcem a supremacia deste acordo sobre os precedentes?

Certamente que me merece maior credibilidade a denúncia do Prof. António Emiliano. Este não a teria publicado se não estivesse dentro da verdade.

Moral da história: quando se quer defender decisões controversas, discutíveis, à revelia da maioria dos nossos linguistas e intelectuais; quando se defendem, por razões de parte, actos políticos insuficientemente ponderados, qual foi a ratificação deste acordo desnecessário, é sempre aconselhável dar atenção ao que dizem e escrevem os verdadeiros e desinteressados – sublinho desinteressados - estudiosos e profundos conhecedores das matérias em causa, isto é, o idioma em que nos exprimimos.

Lendo atentamente as variações que esse acordo nos quer impor, qualquer cidadão português que conhece e estudou suficientemente a sua própria língua, que participa do linguajar das nossas gentes, fica aturdido com a superficialidade e incongruência como tudo se processou: quer da parte da delegação portuguesa, quer dos nossos representantes políticos.

Se bem que, neste acordo, houve mais politiquice subserviente que dignidade e profunda reflexão sobre o que se propunham levar a cabo.

Compreendo e aprovo o interesse do Brasil em defender as suas conveniências. Não aceito a inconsciência e indiferença dos portugueses, quando elaboraram e ratificaram um acordo que impõem como um diktat a uma maioria que o acha atabalhoado e inútil.

Lendo atentamente toda a argumentação favorável; mais atentamente ainda o guia prático da Porto Editora, não encontro uma só razão que me convença ou me leve a reflectir. Encontrei, sim, estranhezas imperdoáveis.

Voltarei a “conversar” sobre este tema, pois é assunto que muito ma apaixona.
Por hoje, termino com uma frase que li numa excelente gramática que possuo, de 1924: “Curso prático de Português; prática oral e escrita da língua portuguesa”, de José Portugal.
A língua de um povo é o monumento mais importante da sua História”.
Alda M. Maia

2 Comments:

At 2:33 da tarde, Blogger Teresa Fidalgo said...

D. Alda, mais um texto de excelente qualidade!
Este é um tema que, de FATO (sem gravata), nos perturba a todos... É ÓTIMO que o tenha trazido, mais uma vez à discussão.
...
O que me parece, é que nem aos brasileiros ele fazia falta. Isto é das tais coisas que nos vai trazer grandes problemas e não serve para nada.
...
Lixo co ele!!!


Beijinhos

 
At 6:03 da tarde, Blogger Alda M. Maia said...

Ciao, Maria Teresa

Gostei de saber que comungas da mesma opinião.
Nunca tivemos ocasião de conversar sobre este tema, mas espero seja conversa futuro. Se bem que, vejo a Teresinha mais velha um pouco indiferente, embora também não concorde. Massacrá-la-emos com este assunto.

Gostei de te ler. Significa que a normalidade começa a impor caminho.
Um abraço grande.
Alda

 

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