SE ISTO É UM SER HUMANO!
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Parafraseando o título do conhecido livro de Primo Levi – “Se isto é um Homem” – quantas circunstâncias, eventos e manifestações de inumanidade continuarão a horrorizar-nos?
“As mãos negras levantadas para capturar o ar. Poucos passos mais além, o vento sobre a camisa anima o esgar do último respiro de uma mulher. Imediatamente ao lado, o corpo de um rapaz ainda curvado a rezar e nunca mais se soerguerá - a imagem acima reproduzida.
Assim morrem os emigrantes. Assim acabam os homens e as mulheres que já não desembarcam na ilha de Lampedusa. Bloqueados na Líbia, mercê do acordo Roma-Trípoli, e entregues ao deserto. Abandonados nas areias, imediatamente a seguir às fronteiras. (…) Um vídeo revela uma destas mortandades. – “Morrer no deserto” de Fabrizio Gatti; L’Espresso. (espresso.repubblica.it)
É chocante ver aqueles seres humanos, sete homens e quatro mulheres, que chegaram a pé até àquele ponto e não puderam prosseguir, porque se perderam e morreram de sede.
Quando se escreve “se isto é um ser humano” – e muito se escreveu, nesta última semana, evocando Primo Levi - alude-se à crueldade como estes emigrantes, estas pessoas que fogem da miséria dos países do Continente africano, são tratadas: seres que se despreza e a quem não são poupadas humilhações e sofrimento; mão-de-obra barata ultrajada ou escravizada. Frequentemente, lixo que se atira para o deserto ou se deixa ir para o fundo do mar.
Paralelamente, interrogo-me se os autores destas cruezas pertencem ao nosso género. No meu pensamento, tomam a forma de bestas sem alma que pretendem fazer parte da raça humana.
Se calhar, não pertencem. E se nasceram com esse semblante, convençamo-nos que são monstruosidades da natureza.
****
Cheguemos agora à Calábria, ao polémico e mediático caso Rosarno, uma cidade de 15 mil habitantes e cuja junta comunal fora dissolvida por infiltrações mafiosas - naquelas regiões, é caso comum.
Depois de tantas humilhações, quando uns rapazotes, a bordo de um automóvel e apetrechados com uma arma de ar comprimido, decidiram divertir-se, escolhendo como alvo imigrantes africanos que trabalhavam na apanha da laranja, ferindo dois, explodiu a revolta desta moderna escravatura.
Correu voz que três africanos foram assassinados e ninguém mais pôde conter a fúria devastadora dos imigrantes contra a cidade.
Foi lamentável. Porém, a reacção dos habitantes de Rosarno não se fez esperar. Percorreu todos os graus caracterizadores do pior racismo e deu-se início à “caça ao negro”.
Nenhum género de violência foi esquecido contra infelizes que apenas procuravam trabalhar, embora dentro das piores condições - alguns indocumentados (os clandestinos, assim lhes chamam), mas essa circunstância convinha a quem os explorava, pois teriam de suportar todas as vexações, perante o medo de serem denunciados ou nem serem pagos pelo trabalho efectuado.
Normalmente, trabalhavam, e trabalham, 12/13 horas diárias por 20 euros. Desta cifra deveriam pagar ao engajador (caporale) cinco euros. Transportando dezenas e dezenas de imigrantes para os locais de colheita da laranja (ou quaisquer outros produtos agrícolas), pode-se imaginar os lucros diários destes vampiros.
Esta actividade dos engajadores (caporalato), de recolherem trabalhadores e conduzi-los aos lugares de trabalho, predomina sobretudo nas regiões do sul da Itália, embora não seja fenómeno desconhecido na região norte.
“As mãos negras levantadas para capturar o ar. Poucos passos mais além, o vento sobre a camisa anima o esgar do último respiro de uma mulher. Imediatamente ao lado, o corpo de um rapaz ainda curvado a rezar e nunca mais se soerguerá - a imagem acima reproduzida.
Assim morrem os emigrantes. Assim acabam os homens e as mulheres que já não desembarcam na ilha de Lampedusa. Bloqueados na Líbia, mercê do acordo Roma-Trípoli, e entregues ao deserto. Abandonados nas areias, imediatamente a seguir às fronteiras. (…) Um vídeo revela uma destas mortandades. – “Morrer no deserto” de Fabrizio Gatti; L’Espresso. (espresso.repubblica.it)
É chocante ver aqueles seres humanos, sete homens e quatro mulheres, que chegaram a pé até àquele ponto e não puderam prosseguir, porque se perderam e morreram de sede.
Quando se escreve “se isto é um ser humano” – e muito se escreveu, nesta última semana, evocando Primo Levi - alude-se à crueldade como estes emigrantes, estas pessoas que fogem da miséria dos países do Continente africano, são tratadas: seres que se despreza e a quem não são poupadas humilhações e sofrimento; mão-de-obra barata ultrajada ou escravizada. Frequentemente, lixo que se atira para o deserto ou se deixa ir para o fundo do mar.
Paralelamente, interrogo-me se os autores destas cruezas pertencem ao nosso género. No meu pensamento, tomam a forma de bestas sem alma que pretendem fazer parte da raça humana.
Se calhar, não pertencem. E se nasceram com esse semblante, convençamo-nos que são monstruosidades da natureza.
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Cheguemos agora à Calábria, ao polémico e mediático caso Rosarno, uma cidade de 15 mil habitantes e cuja junta comunal fora dissolvida por infiltrações mafiosas - naquelas regiões, é caso comum.
Depois de tantas humilhações, quando uns rapazotes, a bordo de um automóvel e apetrechados com uma arma de ar comprimido, decidiram divertir-se, escolhendo como alvo imigrantes africanos que trabalhavam na apanha da laranja, ferindo dois, explodiu a revolta desta moderna escravatura.
Correu voz que três africanos foram assassinados e ninguém mais pôde conter a fúria devastadora dos imigrantes contra a cidade.
Foi lamentável. Porém, a reacção dos habitantes de Rosarno não se fez esperar. Percorreu todos os graus caracterizadores do pior racismo e deu-se início à “caça ao negro”.
Nenhum género de violência foi esquecido contra infelizes que apenas procuravam trabalhar, embora dentro das piores condições - alguns indocumentados (os clandestinos, assim lhes chamam), mas essa circunstância convinha a quem os explorava, pois teriam de suportar todas as vexações, perante o medo de serem denunciados ou nem serem pagos pelo trabalho efectuado.
Normalmente, trabalhavam, e trabalham, 12/13 horas diárias por 20 euros. Desta cifra deveriam pagar ao engajador (caporale) cinco euros. Transportando dezenas e dezenas de imigrantes para os locais de colheita da laranja (ou quaisquer outros produtos agrícolas), pode-se imaginar os lucros diários destes vampiros.
Esta actividade dos engajadores (caporalato), de recolherem trabalhadores e conduzi-los aos lugares de trabalho, predomina sobretudo nas regiões do sul da Itália, embora não seja fenómeno desconhecido na região norte.
É uma praga, mas crescem e prosperam sem acções contrastáveis por parte das autoridades.
Rosarno decretou que não quer mais "negros" a viverem na cidade: “São uns animais, uns selvagens”, etc., etc. Quem o decidiu? Os habitantes ou a máfia (la Ndrangheta) que ali reina incontestada e não tolera revoltas?
Muitos fugiram; a maior parte foi obrigatoriamente evacuada com destino a outras cidades ou a centros de acolhimento.
Rosarno decretou que não quer mais "negros" a viverem na cidade: “São uns animais, uns selvagens”, etc., etc. Quem o decidiu? Os habitantes ou a máfia (la Ndrangheta) que ali reina incontestada e não tolera revoltas?
Muitos fugiram; a maior parte foi obrigatoriamente evacuada com destino a outras cidades ou a centros de acolhimento.
Cerca de quinhentos imigrantes, assim li ontem, ainda vagueiam pelos campos, escondendo-se apavorados e alimentando-se de fruta, as laranjas, obviamente - muitos agricultores acharam que seria mais proveitoso deixar a fruta nas árvores e aguardar os reembolsos europeus!
Vendo os locais onde eram compelidos a viver - edifícios abandonados e decrépitos, sem um mínimo de higiene, sem água, sem conforto e expostos às intempéries - cresce a indignação contra quem consentia um tal degrado de um seu semelhante.
Não é aceitável, e não há justificação, que os poderes e autoridades centrais ou locais jamais se tivessem preocupado em controlar estas situações indignas de países civilizados e onde deveria imperar o respeito pelo ser humano; fiscalizar o modo brutal como se aproveita e explora a mão-de-obra de pobres imigrantes.
Vendo os locais onde eram compelidos a viver - edifícios abandonados e decrépitos, sem um mínimo de higiene, sem água, sem conforto e expostos às intempéries - cresce a indignação contra quem consentia um tal degrado de um seu semelhante.
Não é aceitável, e não há justificação, que os poderes e autoridades centrais ou locais jamais se tivessem preocupado em controlar estas situações indignas de países civilizados e onde deveria imperar o respeito pelo ser humano; fiscalizar o modo brutal como se aproveita e explora a mão-de-obra de pobres imigrantes.
É simplesmente inadmissível.
Ai da economia italiana se estes novos cidadãos, devidamente documentados e dentro de todas as regras de um trabalho regular, abandonassem o País!
Mas existe um Governo que é condicionado pelos ignorantes – e quão ignorantes!! - da Liga Norte. A estúpida xenofobia deste partido – além de um latente fascismo já pouco encoberto - só tem causado um péssimo ambiente contra quem contribui para a riqueza da Itália e uma fama desastrosa contra os italianos. É pena, porque o não merecem.
Alda M. Maia
Ai da economia italiana se estes novos cidadãos, devidamente documentados e dentro de todas as regras de um trabalho regular, abandonassem o País!
Mas existe um Governo que é condicionado pelos ignorantes – e quão ignorantes!! - da Liga Norte. A estúpida xenofobia deste partido – além de um latente fascismo já pouco encoberto - só tem causado um péssimo ambiente contra quem contribui para a riqueza da Itália e uma fama desastrosa contra os italianos. É pena, porque o não merecem.
Alda M. Maia
3 Comments:
D. Alda, confesso que fiquei arrepiada com este texto! Nem tenho o que acrescentar. Que dizer, perante tal cenário?
Como é possível alguém praticar semelhantes horrores? Como é possível tratar tão cruelmente um ser humano?
Como é possível? O que se passa na mente desses torturadores?
Beijinho grande.
Eu fiquei arrepiada, indignada, revoltada, Maria Teresa!
Perguntas como é possível? Não só é possível como verificável a cada momento.
Se ouvisses aquela gentinha, sem um mínimo de sentimentos humanos, a reagir muito abespinhada às acusações de racistas cruéis, vir-te-ia vontade de fazer-lhes o mesmo ou ainda pior: só deste modo compreenderiam.
Mas se assim fizéssemos, seríamos iguais àqueles energúmenos, violentando a nossa sensibilidade e educação.
Um beijinho
PS. Terás tempo de vires almoçar connosco quarta-feira?
Provavelmente não, D. Alda, mas farei um esforço por aparecer por lá depois das 13h15...
Beijinhos
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