CONDENOU-SE O CORRUPTO;
O CORRUPTOR É DESCONHECIDO!...
Gostaria de ver a notícia desta sentença contra um advogado corrupto, em grandes títulos, ocupando as primeiras páginas dos jornais italianos. Mas interessou mais a demissão de Walter Veltroni, secretário do principal partido da oposição.
Não se pode omitir, todavia, os excelentes artigos publicados sobre o assunto e o relevo concedido ao que escreveu, sobre o mesmo caso, a imprensa estrangeira.
O CORRUPTOR É DESCONHECIDO!...
Gostaria de ver a notícia desta sentença contra um advogado corrupto, em grandes títulos, ocupando as primeiras páginas dos jornais italianos. Mas interessou mais a demissão de Walter Veltroni, secretário do principal partido da oposição.
Não se pode omitir, todavia, os excelentes artigos publicados sobre o assunto e o relevo concedido ao que escreveu, sobre o mesmo caso, a imprensa estrangeira.
Mesmo que se trate de um caso italiano, penso valha a pena dedicar um pedacinho de tempo à leitura do artigo que passarei a traduzir nas suas partes essenciais: descreve, passo a passo, a corrupção do advogado inglês, David Mills, consultor fiscal das empresas de Mr. Berlusconi e agora condenado a 4 anos e seis meses de cadeia – corrupção em actos judiciários.
Mas vamos ao artigo de Alexander Stille.
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“Se o caso Mills explodisse nos Estados Unidos da América”
Alexander Stille - La Repubblica, 19-02-2009
«Faz-me então compreender bem (escreveu-me um colega jornalista americano): foi condenado por corrupção o co-imputado do primeiro-ministro, mas quem se demite é o presidente da oposição? Que estranho país é a Itália!».
Mais tarde chamou-me uma outra colega que pergunta: «Mas é mesmo possível que a condenação de David Mills não terá consequências?»
(…) Recapitulemos os factos principais.
Em Fevereiro de 2004, David Mills, o advogado britânico de Berlusconi que se ocupava das contas "off-shore" de Mediaset, - as contas por assim dizer “very discreet” - para operações financeiras secretas e talvez ilegais, deitou mãos à caneta. Receoso de ser apanhado em falso, devido a um encaixe de 600 dólares não declarados ao fisco inglês, decidiu escrever ao seu fiscalista, explicando-lhe que a origem desse dinheiro provinha de uma prenda ou um empréstimo a longo prazo pelo silêncio nos vários processos de Berlusconi, a quem ele chama sempre B. ou Mr. B.
O fiscalista consultado, para não se tornar cúmplice num ilícito, passou a carta às autoridades britânicas. Estas, por sua vez, enviaram-na para a magistratura italiana.
Logo, o processo nasceu, não de uma caça às bruxas pelos juízes italianos, mas de uma comunicação de um crime denunciado no Reino Unido e ao qual a magistratura teve de responder.
Mills confirmou aos magistrados italianos o conteúdo da carta. Mais tarde, quando se apercebeu que tinha agravado seriamente a própria situação, retratou a sua deposição, declarando que recebera o dinheiro doutra fonte.
Evidentemente que o tribunal de Milão achou mais convincente a primeira versão e condenou-o.
No processo originário, Berlusconi era co-imputado com Mills e, com toda a probabilidade e dado o êxito do processo, também ele teria sido condenado se o seu governo, muito tempestivamente, não tivesse aprovado a "lei Alfano", lei que protege o primeiro-ministro de qualquer processo penal durante o seu mandato.
Que um caso assim grave (um primeiro-ministro que se arrisca a uma condenação por ter corrompido uma testemunha, a fim de evitar, talvez, outras condenações – falseando completamente o sistema judiciário - e depois foge das consequências, usando o Parlamento para fazer leis "ad personam") passe quase inobservado, provoca estupefacção e incredibilidade no público americano. (…).
Como se explica esta falta de resposta na Itália?
(…) Recordemos que a opinião pública era maciçamente a favor da magistratura nos tempos dos inquéritos “Mãos Limpas”, quando Berlusconi entrou na política. Porém, num país normal, nunca o poderia ter feito, sendo proprietário de três grandes redes televisivas.
Teria sido posto fora de jogo pelo dinheiro que pagou a Craxi; pelas luvas a funcionários das finanças, embora os processos não tivessem chegado a condenações. Ou o caso Previti: por conta de quem é que o advogado Previti corrompeu o juiz Renato Squillante? Ou o caso Dell’Utri: para quem trabalhou Marcello Dell’Utri em todos aqueles anos que manteve relações com importantes expoentes da máfia?
Poder-se-ia continuar por muitos parágrafos.
Obviamente, a resposta é mais complexa. Uma das maiores performances de Berlusconi (se assim lhe podemos chamar) é a de ter desmantelado, sistematicamente, “Mãos Limpas”. Por cada grave problema judiciário de Berlusconi e da sua empresa Mediaset, partia um ataque feroz contra os juízes. Lançavam, sistematicamente, acusações gravíssimas – de corrupção a assassínios – contra os juízes Di Pietro, Borrelli, Caselli e tantos outros magistrados que representavam um perigo.
Inventaram acusações infamantes de corrupção contra Prodi e outras personalidades da oposição. O facto de que todas estas calúnias se tivessem demonstrado infundadas, não importa. Criava a aparência, falsa, de uma equivalência moral: “são todos iguais”.
As rajadas de acusações e contra-acusações estabelecem uma tal confusão que o eleitor médio decidiu não ter em nenhuma consideração as questões judiciárias e morais. A retórica antipolítica de Berlusconi agravou o já difuso cinismo dos italianos e do qual obtém benefícios políticos (…)
****
Alexander Stille conclui o artigo, apontando o dedo para uma grave responsabilidade dos meios de informação italianos e indicando factos nos quais o silêncio, ou minimização, seriam inadmissíveis nos demais países democráticos.
A culpa - acrescento eu - também cabe à oposição que, até hoje, não tem sido digna da especificidade de uma oposição pertinaz, esclarecedora e envolvente.
Uma nota final. Transcrevo a parte mais elucidativa que David Mills escreveu na famosa carta:
(…) conheciam muito bem o modo como, habilmente, soube testemunhar (não menti, mas contornei alguns pontos espinhosos, suavizando-os) e mantive o Sr. B. fora de grandes sarilhos, nos quais o poderia enterrar se dissesse tudo o que sabia”. Exemplar!!
Pergunto-me, frequentemente, se os grandes da União Europeia não sentem um certo constrangimento, quando batem palmadinhas nas costas de um primeiro-ministro detentor de um currículo judiciário com estas dimensões!
Alda M. Maia
2 Comments:
Bolas! Os nossos políticos corruptos são uns meninos de catequese ao lado do Berlusconi! Vão ter que comer muitos alqueires de sal para o igualarem!
Boa tarde, Miluzinha!
Alqueires?!!! Será melhor receitar alguns quintais.
Sabe o que me escandaliza em tudo isto? A intoxicação do povinho, através dos grandes meios de comunicação que o homem possui.
É inacreditável - e para mim inaceitável - que aconteça dentro da União Europeia. Mas foi eleito democraticamente.
A oposição que comece a agir exactamente como quase 50% de italianos espera que se comporte. Até aqui, só tenho visto lutas intestinas e tanta irresponsabilidade.
Um beijinho
Alda
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