UMA ITÁLIA QUE NÃO CONHEÇO
UM PRIMEIRO-MINISTRO QUE SE CRÊ REI
Que este senhor já tivesse dado provas irrefutáveis da sua amoralidade política, além de graves ilicitudes na condução desenvolta dos seus negócios – e várias ilicitudes seriam provadas, se não se tivesse auto-absolvido com as famigeradas leis ad personam - penso que nenhum italiano o deveria desconhecer.
A pergunta, então, surge espontânea: o grande número de eleitores que o votou, alguma vez se deteve a reflectir sobre esta anomalia?
Ou, pelo contrário, essa amoralidade e o caminho tortuoso de enriquecimento que os processos judiciais indicam, onde o “vale tudo” é regra, não perturba esses eleitores e, portanto, não sentem qualquer espécie de embaraço, diria mesmo vergonha, em elevá-lo à categoria de primeiro-ministro?
Não, não perturba.
UM PRIMEIRO-MINISTRO QUE SE CRÊ REI
Que este senhor já tivesse dado provas irrefutáveis da sua amoralidade política, além de graves ilicitudes na condução desenvolta dos seus negócios – e várias ilicitudes seriam provadas, se não se tivesse auto-absolvido com as famigeradas leis ad personam - penso que nenhum italiano o deveria desconhecer.
A pergunta, então, surge espontânea: o grande número de eleitores que o votou, alguma vez se deteve a reflectir sobre esta anomalia?
Ou, pelo contrário, essa amoralidade e o caminho tortuoso de enriquecimento que os processos judiciais indicam, onde o “vale tudo” é regra, não perturba esses eleitores e, portanto, não sentem qualquer espécie de embaraço, diria mesmo vergonha, em elevá-lo à categoria de primeiro-ministro?
Não, não perturba.
É o caso de asserir que a passividade e indiferença dominam. E esta é uma Itália que desconheço.
Deram-lhe uma maioria esmagadora. A criatura, se já era um perfeito enfatuado de si mesmo, mais despudorado se tornou e decidiu arrasar, agora com extrema arrogância, normas constitucionais, as competências do Presidente da República, o direito de expressão, o sistema judicial.
Comecemos do princípio.
O tema segurança foi o leitmotiv da campanha eleitoral da direita: a criminalidade aumentara (igual à de sempre), os imigrantes clandestinos constituíam um perigo para o País (as três máfias não passam de figuras pitorescas!...), a população vivia assustada, etc.. Logo, havia que preparar e aprovar leis drásticas e urgentes.
Assim, foi apresentado ao Chefe de Estado, Giorgio Napolitano, um decreto-lei sobre a segurança dos cidadãos e que ele aprovou.
Mas Napolitano esqueceu que o primeiro-ministro continua com pendências nos tribunais: um dos processos, no Tribunal de Milão, está para chegar ao fim e a sentença iminente
Berlusconi não tolera ser julgado. Como se atrevem a processá-lo, a ele, entronizado pelo voto popular?
Deram-lhe uma maioria esmagadora. A criatura, se já era um perfeito enfatuado de si mesmo, mais despudorado se tornou e decidiu arrasar, agora com extrema arrogância, normas constitucionais, as competências do Presidente da República, o direito de expressão, o sistema judicial.
Comecemos do princípio.
O tema segurança foi o leitmotiv da campanha eleitoral da direita: a criminalidade aumentara (igual à de sempre), os imigrantes clandestinos constituíam um perigo para o País (as três máfias não passam de figuras pitorescas!...), a população vivia assustada, etc.. Logo, havia que preparar e aprovar leis drásticas e urgentes.
Assim, foi apresentado ao Chefe de Estado, Giorgio Napolitano, um decreto-lei sobre a segurança dos cidadãos e que ele aprovou.
Mas Napolitano esqueceu que o primeiro-ministro continua com pendências nos tribunais: um dos processos, no Tribunal de Milão, está para chegar ao fim e a sentença iminente
Berlusconi não tolera ser julgado. Como se atrevem a processá-lo, a ele, entronizado pelo voto popular?
O processo deve ser suspenso; depois, se verá.
Sem dar explicações ao Presidente Napolitano, o decreto-lei foi alterado com duas emendas, uma das quais – e a que provocou maior escândalo – obriga os juízes a dar «precedência absoluta» a processos mais recentes que pressuponham penas superiores a 10 anos de prisão, estabelecendo uma hierarquia entre os crimes que devem ser perseguidos. Além disso, suspender, por um ano, as demais causas relativas a crimes cometidos antes de Junho 2002 e que se encontrem «no estado compreendido entre a fixação da audiência preliminar e o fecho dos debates de primeira instância».
Vejam só o que é a casualidade!! O processo onde é arguido como corruptor de uma testemunha – “corruzione in atti giuduziari” – encaixa justo, justinho, nas directivas da emenda ao decreto-lei - classificado como decreto salva-Berlusconi - já aprovado pelo Senado. (a)
Quando chegou o momento de votação, a oposição abandonou a aula, para não assistir a um tal desconchavo.
Pensam que o anão que quer ser rei provou uma qualquer resipiscência e, portanto, retirou a emenda? Impossível! A deformação moral, a que lhe permite utilizar a coisa pública em função dos seus interesses, não lho permitiria.
****
Crente que as próprias razões devem impor-se, enviou uma carta ao presidente do Senado, para ser lida em assembleia, como se fora um acto normal!
Na minha opinião, considero-a um hino à indecência.
Nessa carta, primeiro justifica a razão da emenda ao decreto-lei.
«A suspensão de um ano consentirá à magistratura de se ocupar de crimes mais recentes, dado o momento de insegurança (…)».
Claro, tudo para o bem do País!...
Mas há ouitra observação: face a esta emenda, onde está a separação dos poderes do Estado? Depois, é admissível tratar uma matéria destas com um decreto-lei? Eis por que tudo devia ser ocultado ao Presidente da República!
Sem dar explicações ao Presidente Napolitano, o decreto-lei foi alterado com duas emendas, uma das quais – e a que provocou maior escândalo – obriga os juízes a dar «precedência absoluta» a processos mais recentes que pressuponham penas superiores a 10 anos de prisão, estabelecendo uma hierarquia entre os crimes que devem ser perseguidos. Além disso, suspender, por um ano, as demais causas relativas a crimes cometidos antes de Junho 2002 e que se encontrem «no estado compreendido entre a fixação da audiência preliminar e o fecho dos debates de primeira instância».
Vejam só o que é a casualidade!! O processo onde é arguido como corruptor de uma testemunha – “corruzione in atti giuduziari” – encaixa justo, justinho, nas directivas da emenda ao decreto-lei - classificado como decreto salva-Berlusconi - já aprovado pelo Senado. (a)
Quando chegou o momento de votação, a oposição abandonou a aula, para não assistir a um tal desconchavo.
Pensam que o anão que quer ser rei provou uma qualquer resipiscência e, portanto, retirou a emenda? Impossível! A deformação moral, a que lhe permite utilizar a coisa pública em função dos seus interesses, não lho permitiria.
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Crente que as próprias razões devem impor-se, enviou uma carta ao presidente do Senado, para ser lida em assembleia, como se fora um acto normal!
Na minha opinião, considero-a um hino à indecência.
Nessa carta, primeiro justifica a razão da emenda ao decreto-lei.
«A suspensão de um ano consentirá à magistratura de se ocupar de crimes mais recentes, dado o momento de insegurança (…)».
Claro, tudo para o bem do País!...
Mas há ouitra observação: face a esta emenda, onde está a separação dos poderes do Estado? Depois, é admissível tratar uma matéria destas com um decreto-lei? Eis por que tudo devia ser ocultado ao Presidente da República!
Os magistrados calculam que cerca de 100 mil processos ficarão em suspenso: na maior parte, dizem respeito precisamente a todos aqueles crimes que mais têm concorrido para o sentido de alarme, de insegurança da população: furtos, rapinas, assaltos, sequestro de pessoa, estupro, exploração da prostituição, bancarrota fraudulenta, fraude fiscal, burlas … a lista é enorme.
Presumem que se criará um caos inimaginável.
Agora, pergunto: onde está o bom senso dos italianos que nada querem ver?
«Os meus advogados informaram-me – diz ainda na carta - que tal previsão normativa seria aplicável a um entre os muito fantasiosos processos que magistrados de extrema-esquerda intentaram contra mim para fins de luta política. Tomei conhecimento da situação processual - o percurso deste processo tem dois anos, mas só agora é que o informaram!... – e pude constatar que se trata da enésima e assombrosa tentativa de um substituto procurador da república milanês utilizar a justiça com fins mediáticos e políticos. Tudo isto com o suporte de um Tribunal, esse também politizado e supinamente acomodado sobre teses acusatórias.» (…).
Delírios de quem entende que não deve pesar as palavras nem responsabilizar-se pelo que afirma.
Ao mesmo tempo, admiro a cara de bronze, a lata deste homem!
Foi ele próprio que impôs, como um caso de primária importância, a introdução da emenda no decreto, obrigando todo o governo a aceitá-la, para que não surgissem entraves. Agora, nega que não são normas “salva-premier”, mas oportunas para a segurança … de quem?
Como remate, anunciou, teatralmente, que os seus defensores pediram a recusa do juiz. Ora, quem se ocupa do processo é uma senhora, Nicoletta Gandus, com fama de magistrado meticuloso e muito apreciada pelo seu equilíbrio.
Quanto às razões dessa recusa, nem vale a pena descrevê-las: ridículas!
Deslocando-se a Bruxelas - onde afirmou que, com a sua chegada, a música seria outra na UE (nem ali os delírios de omnipotência se acalmam) – de Milão chega-lhe a notícia que, não obstante a recusa do juiz, o processo vai para a frente: para já, a instância de recusa não paralisa o processo; depois, decidirá o Tribunal da Relação (Corte d’Appello).
O homem montou sobre todas as fúrias e não parou de lançar ataques aos magistrados.
Agora, pergunto: onde está o bom senso dos italianos que nada querem ver?
«Os meus advogados informaram-me – diz ainda na carta - que tal previsão normativa seria aplicável a um entre os muito fantasiosos processos que magistrados de extrema-esquerda intentaram contra mim para fins de luta política. Tomei conhecimento da situação processual - o percurso deste processo tem dois anos, mas só agora é que o informaram!... – e pude constatar que se trata da enésima e assombrosa tentativa de um substituto procurador da república milanês utilizar a justiça com fins mediáticos e políticos. Tudo isto com o suporte de um Tribunal, esse também politizado e supinamente acomodado sobre teses acusatórias.» (…).
Delírios de quem entende que não deve pesar as palavras nem responsabilizar-se pelo que afirma.
Ao mesmo tempo, admiro a cara de bronze, a lata deste homem!
Foi ele próprio que impôs, como um caso de primária importância, a introdução da emenda no decreto, obrigando todo o governo a aceitá-la, para que não surgissem entraves. Agora, nega que não são normas “salva-premier”, mas oportunas para a segurança … de quem?
Como remate, anunciou, teatralmente, que os seus defensores pediram a recusa do juiz. Ora, quem se ocupa do processo é uma senhora, Nicoletta Gandus, com fama de magistrado meticuloso e muito apreciada pelo seu equilíbrio.
Quanto às razões dessa recusa, nem vale a pena descrevê-las: ridículas!
Deslocando-se a Bruxelas - onde afirmou que, com a sua chegada, a música seria outra na UE (nem ali os delírios de omnipotência se acalmam) – de Milão chega-lhe a notícia que, não obstante a recusa do juiz, o processo vai para a frente: para já, a instância de recusa não paralisa o processo; depois, decidirá o Tribunal da Relação (Corte d’Appello).
O homem montou sobre todas as fúrias e não parou de lançar ataques aos magistrados.
Organizará uma conferência de imprensa para informar "a gente":
Todos devem saber que o chefe do governo está sob chantagem.
Denunciarei os ministérios públicos subversivos.
Falarei das iniciativas de ministérios públicos e juízes que, infiltrando-se no poder judiciário, querem subverter o voto.
Vejo tudo isto como bacoradas da pior espécie, absolutamente inadmissíveis na boca do chefe do governo de um país fundador da União Europeia. Todavia, as pessoas a quem "informará" são capazes de dar-lhe razão: e aqui está o perigo.
A tal gente a que se refere, na sua maioria, divide-se em duas categorias de ignorantes: ignorantes que não tiveram oportunidade de se instruírem; ignorantes voluntários, com a agravante da petulância e do oportunismo.
Ora, são precisamente estas massas o terreno fértil da demagogia e onde as piores balelas políticas, ou calúnias sobre instituições, são mais fáceis de serem tomadas por verdadeiras.
Neste campo, Berlusconi é actor bem sazonado e imbatível.
****
Haveria outro capítulo que está a criar alarme, estupefacção e fortes atritos na Itália: projecto de lei sobre as interceptações telefónicas.
Vejo tudo isto como bacoradas da pior espécie, absolutamente inadmissíveis na boca do chefe do governo de um país fundador da União Europeia. Todavia, as pessoas a quem "informará" são capazes de dar-lhe razão: e aqui está o perigo.
A tal gente a que se refere, na sua maioria, divide-se em duas categorias de ignorantes: ignorantes que não tiveram oportunidade de se instruírem; ignorantes voluntários, com a agravante da petulância e do oportunismo.
Ora, são precisamente estas massas o terreno fértil da demagogia e onde as piores balelas políticas, ou calúnias sobre instituições, são mais fáceis de serem tomadas por verdadeiras.
Neste campo, Berlusconi é actor bem sazonado e imbatível.
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Haveria outro capítulo que está a criar alarme, estupefacção e fortes atritos na Itália: projecto de lei sobre as interceptações telefónicas.
A conversa já vai longa; ficará para o próximo post.
Alda M. Maia
Alda M. Maia
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Adenda
(a) Devo corrigir.
No Senado discutiram esta lei e a maioria aprovou todos os artigos, inclusive a emenda "salva-Berlusconi" (a oposição abandonou a aula), mas o declaração e voto final ficaram adiados para hoje, 24/06/2008.
A votação efectuou-se e a lei passou, como era de prever.
3 Comments:
Viva Alda
Fica-se de boca aberta de espanto!
Como é possível isto estar a passar-se na Itália?
Aproveito para lhe deixar um grande abraço amigo e de muita estima
António
Se conhecesse todos os processos em que aquele homem esteve e está envolvido, então é que o seu espanto quadruplicaria!
No princípio - como é sempre meu hábito - lia todas estas notícias sobre Berlusconi com muita, muita reserva mental. Perante informações negativas, dou sempre o benefício da dúvida e não gosto de condenar a priori. Não acho justo.
Infelizmente, neste caso, foram os documentos a falar e, em seguida, estes comportamentos completamente fora de todas as normas democráticas ou da decência.
Se é inocente e os juízes uns subversivos (é incríve!) é nos tribunais que se defende a verdade e não fabricando leis que anulam os processos ou que os fazem prescrever, encurtando os prazos de prescrição - esta é uma das tais leis ad personam que ele fez aprovar, na sua precedente legislatura.
Dentro da Magistratura pode haver, e há, juízes discutíveis, mas há muitos outros, a maioria, que são competentes e integérrimos. Irrita-me profundamente quando vejo um político atacar o poder judicial. Felizmente que só os de baixa estatura moral o fazem.
Um grande abraço.
Alda
Concordo com o comentário do António, sobretudo depois de ler a resposta da Alda.
Mas, por outro lado, penso que "as massas" andam muito distraídas, muito anestesiadas e, sobretudo, facilmente logradas. É só ver o caso dos USA e de Bush que teve uma primeira vitória muito duvidosa e que, depois de toda a porcaria que fez, foi insofismavelmente o vencedor...
Um beijo.
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