segunda-feira, abril 20, 2015

MARE NOSTRUM:
CEMITÉRIO DE DESESPERADOS

Mais uma enorme tragédia, se é que podemos dar uma dimensão ao que se classifica como tragédia, tão intenso é o significado que este termo pode sugerir no que concerne desgraça, horror.

As notícias do que aconteceu ontem, isto é, na noite de sábado para domingo, no Canal de Sicília sobre um barco longo cerca de 20/30 metros que transportava migrantes e onde estas pobres criaturas foram amontoadas como animais sem um mínimo espaço livre, é descrita como uns das piores catástrofes verificadas até hoje.
E de há vinte anos a esta parte, quantos naufrágios deste género e quantas vítimas, entre crianças e adultos!
 
“Em 2014, mais de 3400 migrantes perderam a vida no Mediterrâneo. Quase 200 mil atingiram as costas de Itália, Espanha, Grécia e Malta. Cerca de 300 mil pediram asilo político na União Europeia. A Alemanha, Suécia e França são os países mais ambicionados (Eurostat).
Com 96.990 pedidos de asilo político, a Alemanha guia a classificação europeia em 2014.
Números excepcionais que são o reflexo de uma situação geopolítica incandescente no Norte de África e Médio Oriente. A guerra civil na Síria, a Líbia num caos e a avançada do autoproclamado Estado Islâmico estão a provocar um êxodo sem precedentes em direcção à Europa.” (La Stampa, dados de 2014).

Impossível não seguir com atenção, compaixão e horror este subseguir de tragédias sem fim. É um hediondo e ostensivo tráfico de seres humanos, desesperados e opressos, e ao qual ninguém opõe obstáculos, ninguém lhes cria guerra sem quartel. Indiferença, egoísmos nacionais ou aceitação do que é inaceitável? Ademais, não se trata apenas de uma organização lucrativa deste tráfego: os traficantes agem como esclavagistas sem piedade e submetem-nos a toda a espécie de maus-tratos e humilhações antes de os amontoarem em embarcações precárias, sem um mínimo de segurança. E as tragédias sucedem-se quase dia após dia.

Esta maldita actividade de esclavagistas é de tal modo frutuosa que a rede de negócios global, sobre este tráfico abjecto, factura cerca de 32 mil milhões de dólares: facturação que fica apenas em segundo lugar à do tráfico de drogas. (Comissão Europeia)

Classificam este êxodo de povos do Médio Oriente, do Norte de África e África subsariana, da Eritreia, Somália, Sudão como “viagens da esperança”. Efectivamente, fogem de guerras, miséria e partem com a esperança de encontrar, na Europa, terras de paz, de prosperidade e de um futuro com mais horizontes.
As viagens custam alguns milhares de dólares e só Deus sabe como estes migrantes conseguem obter essas verbas.

As autoridades italianas detiveram 24 traficantes. No decreto de detenção: “A organização opera como um verdadeiro network criminoso, com diversas células operantes nos territórios de referência, a fim de organizar as viagens da esperança (…), Preço da viagem: a travessia até à Sicília, cerca de 2000 dólares; 400 dólares o custo de dois dias de permanência na Sicília e a viagem de comboio ou autocarro até Roma ou Milão; entre 1.000 a 2.000 para chegar ao norte da Europa”.

Na última semana, em sete dias chegaram às costas do sul de Itália cerca de 11.000 refugiados, provindos das costas e praias líbias, o principal centro de avio: uma média de 1.500 por dia.

Deve ser sempre e somente a Itália que deve acolher, salvar, pensar onde encontrar meios para centros de acolhimento e assistência a esta gente carente de tudo?
Relativamente à tragédia de ontem, quanto infelizes pereceram? Quantos sobreviventes? Setecentos mortos e apenas 49 pessoas que se salvaram. Todavia, um sobrevivente informou que as pessoas a bordo deveriam ser 950 e cerca de 50 crianças. Muitas destas pessoas foram instaladas no porão, logo, impossibilitadas de tentar qualquer forma de salvar a vida. Aliás, já se esvaíram as esperanças de encontrar outros sobreviventes.

Esta hecatombe, porque, efectivamente, foi uma hecatombe, despoletou reacções de repúdio e horror nesta nossa civilizadíssima Europa. É lícito perguntar: são reacções sinceras e determinadas ou pretexto para lindos discursos de circunstância, como até hoje se tem verificado? Formulam-se projectos de iniciativas inadiáveis ou fica-se na formulação retórica sem que, às palavras, sigam actos concretos?

União Europeia, com todas as suas Instituições, onde estás?
Países europeus que soubestes criar esta esplêndida organização, que sois berço de gentes nadas e educadas num continente aberto ao mundo e a uma democracia abrangente do que há de melhor na sociedade humana, fostes contaminados por uma espécie de ébola que apaga todos e quaisquer sentimentos de humanidade e solidariedade para quem deles tanto necessita?

Deus queira que, uma tragédia desta dimensão, possa, finalmente, remexer na consciência de todos os europeus ou quaisquer outros povos doutros continentes. Oxalá se inicie a dar forma a iniciativas concretas e eficazes.
Primeiro, ajudar a resolver, com todos os meios possíveis e sem violências, a situação caótica de todos aqueles países donde provêm estes migrantes escravizados e traficados.
Segundo, socorrer quem foge de guerras absurdas ou de situações socioeconómicas que conduzem os cidadãos à miséria e à expatriação.