segunda-feira, fevereiro 09, 2015

UMA REFORMA EDUCATIVA BIZARRA

Na civilizadíssima Finlândia, nasce uma reforma dos programas educativos: a partir do próximo ano não será obrigatório aprender a escrever à mão. “Aprender a caligrafia em cursivo não será matéria de estudo obrigatório nas escolas do primeiro ciclo”.

A notícia desta revolução finlandesa, no que concerne o ensino da escritura na escola primária, não desaparecerá totalmente dos programas de instrução pública. Os professores continuarão a ensinar aos alunos o alfabeto e a escrita das palavras, mas o uso desta aprendizagem efectuar-se-á mais sobre os computadores que no uso de cadernos e canetas.

Cada professor terá a liberdade de decidir quanto tempo dedicar, além do mínimo garantido, ao ensino da escrita à mão em papel.
Segundo a notícia, parece que o debate ficou em aberto sobre o tema “se a escrita à mão em papel é secundária ou renunciável”. 

É importante que as crianças aprendam velozes a escritura líquida, isto é, nos teclados dos computadores e ecrã táctil. Sabemos que se trata de uma mudança radical, temerária, porém, é necessário ter em atenção o facto que, na quotidianidade da vida das crianças e no seu amanhã de adolescentes e, depois, de adultos, a velocidade da escrita digital é sempre mais importante para a sua formação cultural e seu futuro profissional”. - Esta é a opinião de Minna Harmanen, a responsável, no ministério da Educação, dos princípios orientadores dos programas educativos e respectivas reformas.

Que seja uma mudança radical e temerária não oferece a mínima dúvida, sobretudo no que concerne a temeridade. Que seja racional, digo já, claramente, que me parece que se assemelhe mais a um excesso de devoção tecnológica de quem acertou em tantas iniciativas óptimas (no campo social e educativo), mas que perdeu a noção de que nem todas as técnicas modernas podem substituir certos saberes. Um destes é, precisamente, o milenário saber escrever à mão, a caligrafia.

Como bem sabemos, as máquinas falham; o conhecimento humano está sempre presente para remediar ou suprir essas falhas.

No futuro, as crianças finlandesas aprenderão a assinar o próprio nome? Saberão escrevê-lo legivelmente? Serão os computadores capazes de substituir uma assinatura num cheque ou em qualquer documento que nos identifique?... Perdão, isto são perguntas ultraconservadoras. A nova tecnologia de informação e comunicação a tudo saberá dar remédio, mesmo que uma assinatura autógrafa seja o método mais simples, prático e fiável. Todavia, está fora da concepção finlandesa de progresso.

Ler, escrever e contar: a trilogia básica do ensino primário; só a partir daí é que se chega a outros e mais elevados conhecimentos.
Para um professor do ensino primário, o primeiro ano (a primeira classe) talvez seja o período que mais surpresas agradáveis e satisfatórias proporciona.
 Quando se chega ao fim do ano lectivo e se verifica que crianças, inicialmente uma autêntica matéria em branco, além de saber ler e contar, sabem escrever numa caligrafia bem desenhada, a satisfação de, interiormente, poder dizer “isto é obra minha” é irreprimível.

A Finlândia, no campo educativo e social é, efectivamente, um país modelar. Abolindo a obrigatoriedade da aprendizagem da caligrafia no ensino público, crê-se um país ultra-evoluído, promovendo esta reforma? Ou ultrapretensioso?
A aprendizagem da caligrafia que obstáculo opõe à “importância da velocidade da escrita digital”? São inconciliáveis? Não, não são. Trata-se, simplesmente, de aprendizagens, paralelas, de enriquecimento educativo e cultural.

Não creio que as crianças finlandesas sejam diferentes de todas as outras crianças das mais diversas latitudes: cérebros férteis que, na sua frescura, assimilam com naturalidade todos os saberes que lhes são ministrados.
Quanto ao “debate em aberto se a escrita à mão é secundária ou renunciável”, a resposta é simples: cultivem o sentido dos limites, pois nem é secundária nem renunciável.

Só espero que nenhum outro país europeu queira imitar esta bizarra reforma educativa. Se bem que, não me admiraria nada se qualquer político ou ministro português quisesse demonstrar-se evoluído à finlandesa. Que Deus nos acuda! Já basta os vexames e mutilações a que submeteram a língua portuguesa pela ignorância que demonstraram.

O autor do artigo onde li esta informação (Andrea Tarquini – La Repubblica, 13/01/2015), conclui o seu artigo com a seguinte opinião: Sabemos que os países nórdicos têm longas tradições e experiências fiáveis de reformas inovativas e solidárias que, normalmente, funcionam (…)
Não me parece que, neste caso, possamos considerar esta reforma fiável e inovativa. Apenas uma “temerária mudança radical”, nada mais.