segunda-feira, março 17, 2014

GRANDE VACUIDADE E POUCA SERIEDADE

Li com a tenção merecida o texto integral do Manifesto: “Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente”.
Começo por dizer que me impressionou o seu equilíbrio e ponderação; que admiro esta iniciativa pela sua dignidade, bom senso e representatividade de uma opinião muda, mas generalizada no país. Finalmente!

Oxalá que, mercê deste exemplo, muitas e muitas outras vozes se levantem, dentro do mesmo equilíbrio, e dêem a conhecer um país que tem dignidade e capacidades para enfrentar a dura realidade com todos os sacrifícios necessários e incontornáveis, mas sem abdicar do pundonor que rege a sua soberania e a sua longa história.   

Foi pensado e escrito com uma linguagem clara e acessível à maioria dos cidadãos. Não me parece, portanto, que a sua leitura possa oferecer a mínima dificuldade de entendimento aos iniciados na matéria em questão ou até mesmo àquela claque de ignorantes que ocupa as bancadas institucionais.

Mas, pelos vistos, a palavra “reestruturação” alarmou e provocou uma caterva de reacções de inusitada violência verbal. Uma violência, todavia, pejada de grosserias e argumentos papagueados: nenhuma reflexão original, nenhuma ideia bem estruturada que se afastasse dos sólitos conceitos de submissão aos credores, à finança especuladora, a troikas que tudo isto representa.

É assim tão comprometedor falar de “reestruturação”? E por que razão não se deveria rever, isto é, dar nova estrutura a uma dívida cuja taxa de juros determinada pela troika se aproxima mais da especulação que de uma taxa equânime? Não chamem a isto solidariedade nem pretendam genuflexões a quem impôs e continua a impor condições deste jaez.
Não creio, consequentemente, que seja inoportuno relembrar e especificar concretamente o que significou, para a Alemanha, o “Acordo de Londres sobre a Dívida Externa Alemã, de 27 de Fevereiro de 1953”. Bem pelo contrário, é assunto muito pertinente.  

O Manifesto foi bem claro e insistiu neste conceito: “Prosseguir as melhores práticas de rigorosa gestão orçamental no respeito das normas constitucionais, bem como a discussão de formas de reestruturação honrada e responsável da dívida no âmbito de funcionamento da União Económica e Monetária”. (o sublinhado é meu).

Mas, pior do que diabolizar o termo “reestruturação”, foi a interpretação capciosa e aldrabada do texto do Manifesto. Ou não foi lido ou, descaradamente, inventaram o que os subscritores de forma alguma expressaram, como o perdão da dívida ou o não pagamento da mesma.

O que de negativo escreveram vários comentadores, económicos ou não, não me surpreende nem escandaliza. Absoluto respeito pelo direito de opinião.
Se me é permitido, todavia, aconselhá-los-ia a serem cuidadosos e jamais efectuarem leituras superficiais de documentos sobre os quais pretendem tecer comentários. Imperdoável, então, quando se escreve baseados apenas no alarido. Evitariam muitas mentiras, tristes figuras e distorções do que se ignora. Absoluto desprezo pela credibilidade, obviamente.

E cheguei ao ponto mais desconcertante. As reacções de vários políticos que lavraram sentenças sem terem lido o documento ou o leram com ideias preconcebidas. Como exemplo, citemos o que asseriu Paulo Rangel acerca de um perdão da dívida que os signatários do Manifesto não solicitaram, mas que para ele era implícito: “ a desconfiança total dos mercados, afectava a economia, porque 25% a 30% da dívida está em mãos nacionais e implicava um segundo resgate como a Grécia”.

Não entendi muito bem este arrazoado. Que mensagem quis transmitir?
É triste verificar a vacuidade de pensamento e a pouca seriedade como tantas figuras da nossa política contestam ou manifestam opiniões discordantes.
Dada a formação intelectual de Paulo Rangel, esperar-se-ia mais originalidade e uma reflexão mais aprofundada na sua discordância. Mas muito banalmente, também ele caiu no psitacismo argumentativo que contaminou todo o país.