UM CONVITE AO SENHOR NETANYAHU
DO ESCRITOR DAVID GROSSMAN
Antes de entrar no assunto sobre o convite ao Senhor Natanyahu, ainda algumas linhas a propósito das considerações infelizes sobre “a nódoa de Portugal”, proferidas por Ehud Gol, embaixador de Israel acreditado em Lisboa, e das reacções que provocaram.
Pedro Lomba, editorialista do jornal Público, deu apenas relevo ao desconhecimento do embaixador sobre actos protocolares e ao erro sobre o facto de ter sido Portugal o único país a pôr a bandeira a meia haste, aquando da morte de Hitler, pois houve outros países que também o fizeram: Espanha, Suíça, Suécia, por exemplo.
Se a crítica de Pedro Lomba se concentra apenas nestes dois factores - “A acusação que fez é factualmente errada, é injusta e ignora o cânone protocolar” – como únicos dignos de nota, quase condescendesse com a acção do governo português de então, estarei errada, mas esta acção, a mim, repugna e indigna.
Em 30 de Abril de 1945, data da morte de Hitler, os hediondos crimes nazis, já conhecidos, irromperam com mais força. Não vejo nenhum bom motivo que justifique protocolos indeclináveis, naquele período, de um qualquer governo europeu.
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E agora passemos ao convite que o prestigiado escritor israelita, David Grossman, endereçou em carta aberta ao primeiro-ministro de Israel e publicada no jornal La Repubblica, em 06/11/2012. Mais que um convite, é um apelo ao bom senso e à aplicação da “arte de governar” com acerto e clarividência.
O presidente da Autoridade Nacional Palestiniana, Mahmoud Abbas, numa entrevista à televisão israelita dissera que gostaria de regressar a Safad – a cidade onde nasceu e situada no norte de Israel - apenas como turista. Esta declaração foi interpretada como uma renúncia ao “direito de regresso” dos palestinianos. Os protestos no mundo árabe foram imediatos, sobretudo do Hamas.
“Numa entrevista em árabe, Abbas esclareceu que fora uma opinião pessoal e nada tinha que ver com a renúncia a esse direito inviolável.
Foi sobre este facto e tudo o que daí pode advir que David Grossman apela a Natanyahu, para que recolha da entrevista de Mahmoud Abbas uma oportunidade de procurar sair do pântano das incompreensões onde se atolaram.
Achei-a belíssima, oportuna e bem reveladora do que pensam as pessoas equilibradas e justas.
Transcreverei alguns extractos.
Que espera, Senhor Netanyahu? O Presidente da Autoridade Palestiniana declarou, numa entrevista à TV israelita, de estar disposto a tornar a Safad […] como turista. Nas suas palavras era discernível a mais explícita renúncia ao “direito de regresso” que um líder árabe possa exprimir, num momento como este, antes do início de uma negociação. Porque espera, Senhor Netanyahu?
É evidente que Abbas não usou precisamente as palavras “renúncia ao direito de regresso” e numa entrevista em árabe apressou-se a distanciar-se das próprias declarações […] Conhecemos esta dança palestiniana: um passo à frente em inglês; dois atrás, em árabe.
Todavia, nas palavras de Mahmoud Abbas há qualquer coisa de novo, um sinal. Na conhecida cacofonia de gritos e acusações que as duas partes -inevitavelmente surdas uma com a outra - trocam entre si, há um som novo. Uma nota que solicita uma atenção diversa e uma reacção mais complexa e criativa. Mas o Senhor Netanyahu não reage.
A coisa é um pouco embaraçosa, porém, recordo-lhe, Senhor Netanyahu, que foi eleito para governar Israel, para reconhecer os sinais raros de oportunidade como estes e aproveitá-los para tirar o país do beco sem saída, onde, de há decénios, permanece bloqueado.
[…] O Senhor, obviamente, pode liquidar as palavras do presidente Abbas, definindo-as uma tentativa de manipulação. Contudo, enquanto líder sujeito a pressões da parte de extremistas e fanáticos, pode também apreciar, intimamente, a coragem que foi necessária a Abbas para pronunciar, em alta voz, estas palavras, bem sabendo o quanto poderiam custar-lhe.
[…] É verdade que, neste momento, os palestinianos estão tranquilos. Quarenta e cinco anos de ocupação esmagaram-nos, esboroaram-nos e paralisaram-nos. E visto que estão tão derrotados e apáticos, aqui, em Israel, cresce um sentimento de indiferença e a ilusão que as coisas irão para a frente até à eternidade.
Mas onde há seres humanos não existe uma verdadeira paralisia. E onde existem milhões de pessoas oprimidas não existe um verdadeiro “status quo”. O desespero e o sentido de derrota têm uma dinâmica própria que aumentarão e se adensarão na sombra, até que explodem de improviso com enorme violência.
Quando sucederá um novo embate entre nós e os palestinianos, o Senhor poderá dizer-nos, com honestidade, que tudo fez para evitá-lo? Que removeu todas as dificuldades? Que respondeu a todos os apelos, mesmo os mais débeis e hesitantes?
Provavelmente, o Senhor Netanyahu pensará: é época de eleições, não é o momento de agitar as águas e cada passo na direcção dos palestinianos poderia comprometer a sólida maioria de direita. O Senhor, político experiente, sabe que também há argumentações concretas, válidas e fortes a favor de uma eventual negociação com os palestinianos neste período. Mas não quero penetrar nestas argumentações, porque uma discussão pertinente deveria desenvolver-se noutro nível, numa outra dimensão.
Numa dimensão na qual o Senhor Netanyahu deveria dar prova de ser um líder, não um político. Numa dimensão na qual o Senhor deveria reconhecer que Mahmoud Abbas é talvez o último alto expoente a declarar que não permitirá que haja uma terceira intifada e novos actos de terrorismo.
Numa dimensão em que o Senhor deveria reconhecer que as palavras de Abbas naquela entrevista – embora “mitigadas” e remodeladas em seguida (em fim de contas, o presidente da Autoridade Palestiniana, além de um líder, também é um político) - são talvez a última oportunidade de iniciar um processo que poderia libertar Israel do declínio e do erro em que está enredado, há dezenas de anos.
Mas governar, por vezes, é uma verdadeira arte. É criar do nada. Entre nós e os palestinianos, neste momento, há o deserto, o nada, o vácuo. […] No entanto, na situação em que se encontra Israel, o Sr. Primeiro-Ministro deve responder a este sinal, porque, se o não faz, se realmente não tem intenção de reagir com seriedade a esta minúscula possibilidade, ser-me-á extremamente difícil compreender por que motivo pede para ser reeleito chefe do Governo.
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