segunda-feira, novembro 05, 2012

SE EU TIVESSE A IMPORTÂNCIA…

Se eu tivesse a importância de um político sério e conceituado, de um alto dirigente de qualquer uma das nossas instituições, de um intelectual de irrefutável prestígio, enfim, a importância de uma pessoa cuja voz transmitisse autoridade, idoneidade e, portanto, fosse ouvida com o respeito devido, não teria hesitado, publicamente, em fazer compreender a um embaixador acreditado em Lisboa que Portugal não pode tolerar declarações infelizes e inoportunas.

Ademais, recordar-lhe-ia, visto que esse embaixador se exprime com tanta desenvoltura, que tais declarações podem induzir a reflexões, involuntárias, pouco abonatórias da acção do Governo que representa, pois há por lá muitos telhados de vidro, incompreensíveis num povo que tanto sofreu. Assim, não dê lugar a mais antipatias do que aquelas que a política actual desse Governo tem coleccionado.

Mais concretamente, não hesitaria a levar o Embaixador de Israel em Portugal, Ehud Gol, a remodelar apreciações pouco lisonjeiras sobre o nosso país, expressas quarta-feira passada na Fundação Gulbenkian, durante uma sessão da conferência sobre a introdução do Holocausto no ensino.

Arrogância do Sr. Embaixador ou a nobre arte da diplomacia nunca o bafejou? Em qualquer uma das conjecturas, não é perdoável que se dê curso livre a opiniões discutíveis e imponderadas. Mais imperdoável ainda, quando se espera de um diplomático aquele respeito que a sua função lhe impõe. Mas, neste caso, seria uma espera vã. Ehud Gol apontou o dedo e acusou sem reticências:

Aquando da morte de Hitler, Portugal “foi o único país que colocou a sua bandeira a meia haste, durante três dias”. É uma nódoa que para nós, judeus, vai aparecer sempre associada a Portugal”.
Além de outras observações pouco delicadas, esta assume conotações de uma acusação sem atenuantes. E que eu não aceito.

Digo mais: este facto indignou-me, e por duas razões, embora independentes uma da outra.
Primeira razão: não aceito essa “nódoa” para Portugal, porque essa decisão indecente – não penso duas vezes para assim a classificar – ocorreu durante uma ditadura, onde o povo português não tinha opinião: porque lhe não era consentida; porque vivia intoxicado por uma propaganda maciça e exclusiva; porque não lhe era permitido buscar ou receber informações que o iluminassem. Como testemunha e vítima desse período, as minhas recordações, sobre o que nos oprimia e isolava, são múltiplas e muito claras.

O Sr. Embaixador de Israel veio tão impreparado que não sabe reflectir, logo, ponderar sobre este longo período da nossa História? Nunca ninguém lhe explicou ou nada leu sobre o que é a existência de um cidadão sem direitos de cidadania?
O Sr. Embaixador que se fique com essa nódoa na sua educação. Nós, portugueses de hoje, livres e informados, taxativamente recusamos a que nos quer imputar. Tanto mais que, na data a que se refere, até essa responsabilidade nos foi negada.

Segunda razão. Indignou-me que, na sala repleta onde se efectuou a conferência acima citada (jornal Público, 31/10/2012, página 15), apenas um professor da Universidade de Coimbra contestou e repudiou a acusação do Embaixador Ehud Gal. Os demais portugueses ali presentes ouviram Ehud Gol com uma passividade que desconcerta! Mas não devo surpreender-me.

Na WEB, como era de prever, os comentários e dissertações sobre o episódio não se fizeram esperar: quem não se sente não é filho de boa gente e “o melhor povo do mundo” não permite coisas deste género!
Mas ponhamos de parte as ironias.
Não somos o melhor povo do mundo, mas um povo de um país pluricentenário com a dignidade que merece como nação independente, democrática e de uma identidade única bem definida.
Entendo que esta dignidade deve ser implicitamente respeitada. Se assim não sucede, nada devemos descurar para a impor.

Continuo com a esperança que o povo português também seja capaz de levantar a voz e manifestar-se com determinação, em todos os momentos oportunos, na defesa dos valores que lhe são próprios, frequentemente diminuídos: dentro e fora do país.
 Obviamente, sem patrioteirismos salazarentos e descabidos, mas com uma percepção bem esclarecido daquela “personalidade colectiva” que Hernâni Cidade descreve. Mas fico-me na esperança.

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Amanhã realizar-se-ão as dispendiosíssimas eleições presidenciais norte-americanas. Os melhores auspícios para a vitória de Barack Obama.