“LIBERDADE NÃO É UM ESPAÇO LIVRE
LIBERDADE É PARTICIPAÇÃO”
Estes são os últimos dois versos do refrão de uma conhecidíssima canção, “Liberdade”, de 1972. Giorgio Gaber, já falecido, é o autor e intérprete.
Liberdade é democracia. “A essência da democracia é a formação de uma opinião crítica”. Com essa formação, participar deverá ser um comportamento natural e irrenunciável.
É isso o que fazemos? Ou limitamo-nos simplesmente a presenciar, ignorando uma informação correcta e pertinente, logo, desprezando a tal formação crítica que nos levaria a exigir a máxima transparência na administração da coisa pública?
Limitamo-nos a colocar o nosso voto nas urnas, quando para isso somos chamados, e o nosso espírito crítico condensa-se no já estafado lugar-comum: “são todos iguais”. E como são todos iguais, não vale a pena cultivar opiniões diversas.
Quanto me irrita este “são todos iguais”!
Quarta-feira próxima, dia 24, haverá greve geral - paralisação quase total do País - contra as medidas de austeridade impostas pelo governo, a isso forçado por Bruxelas e mercados financeiros. Os sacrifícios impõem-se.
Poder-se-ia encontrar outras soluções menos penalizadoras? Onde e como?
A greve obterá inversões de medidas já programadas para o Orçamento 2011 e inevitáveis? Não creio.
Servirá apenas para exteriorizar indignações e vitupérios contra o Governo. Merece-os, mas se o País está à beira do abismo, nem todos somos inocentes.
Quando o despesismo incontrolado foi o modus operandi, quer das entidades oficiais e financeiras (encorajando o crédito fácil), quer dos privados, a imprensa, informando, deu a alerta sobre esse estado de coisas? Alguém se indignou, alguém promoveu uma onda de protesto contra o défice e a dívida pública que cresciam como se tivéssemos imensas riquezas ainda inexploradas?
Riquezas potenciais tê-las-íamos, se explorássemos melhor o mar que nos semi-rodeia; se olhássemos para os nossos microclimas e desenvolvêssemos uma agricultura mais rentável e original; se grande parte dos nossos empresários tivesse uma preparação mais culta e menos mercantilista; se fôssemos menos petulantes e mais corajosos em arriscar sobre iniciativas que exigem sacrifício, mas que podem premiar as ideias e a tenacidade de quem as põe em prática.
Relativamente às greves, sempre as vi somente como um último recurso, quando se procurou tratar com um sério conhecimento das situações, das razões das partes em causa e as contratações falharam.
Houve uma época própria para as lutas de classe. Hoje, as dinâmicas sociais são diversas. Com a maldita crise que nos atenaza e quase nos sufoca, a globalização e as deslocalizações das empresas, há outros mecanismos que deveriam orientar os sindicatos que operam com responsabilidade. Temos sindicatos com a capacidade de diálogo, quando as circunstâncias o exigem?
Vou procurar resumir um artigo muito elucidativo sobre o modo como empresas e sindicatos ultrapassaram a crise - autor Mário Pirani.
O editorialista procurou aprofundar os motivos do “milagre” alemão que vê, não somente a duplicação da produtividade - a começar pela indústria automobilística - mas também os salários mais altos da Europa.
"Quando a crise se desencadeou, as vendas da Volkswagen e BMW caíram e os automóveis não vendidos amontoavam-se nos espaços de armazenamento.
Em face de tão grave situação, o sindicato aceitou a redução do horário; renunciou ao décimo terceiro mês; aceitou a deslocação, em rotação, de trabalhadores, nas instalações de quatro cidades diferentes: Munique, Dingolfin, Lípsia e Ratisbona.
Hoje, não somente a indústria automobilística está em grande retoma, mas as exportações globais alemãs são as segundas do mundo, por valor e volume, depois da China, mas com conteúdos tecnológicos e de qualidade superiores.
Trabalha-se a pleno ritmo; trabalho extraordinário infindável.
LIBERDADE É PARTICIPAÇÃO”
Estes são os últimos dois versos do refrão de uma conhecidíssima canção, “Liberdade”, de 1972. Giorgio Gaber, já falecido, é o autor e intérprete.
Liberdade é democracia. “A essência da democracia é a formação de uma opinião crítica”. Com essa formação, participar deverá ser um comportamento natural e irrenunciável.
É isso o que fazemos? Ou limitamo-nos simplesmente a presenciar, ignorando uma informação correcta e pertinente, logo, desprezando a tal formação crítica que nos levaria a exigir a máxima transparência na administração da coisa pública?
Limitamo-nos a colocar o nosso voto nas urnas, quando para isso somos chamados, e o nosso espírito crítico condensa-se no já estafado lugar-comum: “são todos iguais”. E como são todos iguais, não vale a pena cultivar opiniões diversas.
Quanto me irrita este “são todos iguais”!
Quarta-feira próxima, dia 24, haverá greve geral - paralisação quase total do País - contra as medidas de austeridade impostas pelo governo, a isso forçado por Bruxelas e mercados financeiros. Os sacrifícios impõem-se.
Poder-se-ia encontrar outras soluções menos penalizadoras? Onde e como?
A greve obterá inversões de medidas já programadas para o Orçamento 2011 e inevitáveis? Não creio.
Servirá apenas para exteriorizar indignações e vitupérios contra o Governo. Merece-os, mas se o País está à beira do abismo, nem todos somos inocentes.
Quando o despesismo incontrolado foi o modus operandi, quer das entidades oficiais e financeiras (encorajando o crédito fácil), quer dos privados, a imprensa, informando, deu a alerta sobre esse estado de coisas? Alguém se indignou, alguém promoveu uma onda de protesto contra o défice e a dívida pública que cresciam como se tivéssemos imensas riquezas ainda inexploradas?
Riquezas potenciais tê-las-íamos, se explorássemos melhor o mar que nos semi-rodeia; se olhássemos para os nossos microclimas e desenvolvêssemos uma agricultura mais rentável e original; se grande parte dos nossos empresários tivesse uma preparação mais culta e menos mercantilista; se fôssemos menos petulantes e mais corajosos em arriscar sobre iniciativas que exigem sacrifício, mas que podem premiar as ideias e a tenacidade de quem as põe em prática.
Relativamente às greves, sempre as vi somente como um último recurso, quando se procurou tratar com um sério conhecimento das situações, das razões das partes em causa e as contratações falharam.
Houve uma época própria para as lutas de classe. Hoje, as dinâmicas sociais são diversas. Com a maldita crise que nos atenaza e quase nos sufoca, a globalização e as deslocalizações das empresas, há outros mecanismos que deveriam orientar os sindicatos que operam com responsabilidade. Temos sindicatos com a capacidade de diálogo, quando as circunstâncias o exigem?
Vou procurar resumir um artigo muito elucidativo sobre o modo como empresas e sindicatos ultrapassaram a crise - autor Mário Pirani.
O editorialista procurou aprofundar os motivos do “milagre” alemão que vê, não somente a duplicação da produtividade - a começar pela indústria automobilística - mas também os salários mais altos da Europa.
"Quando a crise se desencadeou, as vendas da Volkswagen e BMW caíram e os automóveis não vendidos amontoavam-se nos espaços de armazenamento.
Em face de tão grave situação, o sindicato aceitou a redução do horário; renunciou ao décimo terceiro mês; aceitou a deslocação, em rotação, de trabalhadores, nas instalações de quatro cidades diferentes: Munique, Dingolfin, Lípsia e Ratisbona.
Hoje, não somente a indústria automobilística está em grande retoma, mas as exportações globais alemãs são as segundas do mundo, por valor e volume, depois da China, mas com conteúdos tecnológicos e de qualidade superiores.
Trabalha-se a pleno ritmo; trabalho extraordinário infindável.
A moderação compensou. O operário na cadeia de montagem ganha, mensalmente, 2 750 euros ilíquidos; os encarregados da manutenção auferem de 3 300 a 3 500 euros. Os impostos são pesados, Todavia, os prémios para o trabalho nocturno atingem os 45% do salário mensal; o suplemento dominical, 30%. Por cada filho, recebem um cheque de 184 euros.
O segredo destas cifras não reside apenas na flexibilidade sindical ou na salvaguarda de uma função nacional da empresa por parte de um patronado sensato, mas de uma filosofia colaborativa. A co-gestão com a presença dos sindicatos nos conselhos de vigilância das empresas representa, desde 1949, um ícone basilar da República.
A dialéctica sindical, por vezes, foi duríssima, mas sempre conduzida, não segundo o princípio do conflito de classe permanente, mas, acima de tudo, num quadro de compatibilidades económicas que não ponham em grave perigo, quer os balanços da empresa, quer os orçamentos públicos.”
****
Em conclusão, foram exigidos sacrifícios, indubitavelmente, mas ninguém perdeu o emprego e as compensações não se fizeram esperar.
Paralelamente, penso seja admirável, e modelo para imitar, a maneira como os sindicatos alemães interpretam a sua função.
Não posso deixar de pensar nos protestos, sobretudo na próxima quarta-feira, dos nossos funcionários públicos, dos magistrados (!), etc., cuja estabilidade de emprego é óbvia. Insisto, os sacrifícios são apenas monetários e não ameaçam desemprego.
Logo, não consigo experimentar um mínimo de simpatia por todo este clamor contra o que, infelizmente, não podemos evitar.
Aplaudiria, sim, uma gigantesca manifestação contra a nossa estupidez de não darmos mais atenção à importância do nosso voto; não escolhermos, com mais acuidade, quem deva governar-nos; como privados, não aprendermos a ser mais equilibrados, evitando de recorrer a empréstimos bancários para gozar férias nas Caraíbas, por exemplo.
O segredo destas cifras não reside apenas na flexibilidade sindical ou na salvaguarda de uma função nacional da empresa por parte de um patronado sensato, mas de uma filosofia colaborativa. A co-gestão com a presença dos sindicatos nos conselhos de vigilância das empresas representa, desde 1949, um ícone basilar da República.
A dialéctica sindical, por vezes, foi duríssima, mas sempre conduzida, não segundo o princípio do conflito de classe permanente, mas, acima de tudo, num quadro de compatibilidades económicas que não ponham em grave perigo, quer os balanços da empresa, quer os orçamentos públicos.”
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Em conclusão, foram exigidos sacrifícios, indubitavelmente, mas ninguém perdeu o emprego e as compensações não se fizeram esperar.
Paralelamente, penso seja admirável, e modelo para imitar, a maneira como os sindicatos alemães interpretam a sua função.
Não posso deixar de pensar nos protestos, sobretudo na próxima quarta-feira, dos nossos funcionários públicos, dos magistrados (!), etc., cuja estabilidade de emprego é óbvia. Insisto, os sacrifícios são apenas monetários e não ameaçam desemprego.
Logo, não consigo experimentar um mínimo de simpatia por todo este clamor contra o que, infelizmente, não podemos evitar.
Aplaudiria, sim, uma gigantesca manifestação contra a nossa estupidez de não darmos mais atenção à importância do nosso voto; não escolhermos, com mais acuidade, quem deva governar-nos; como privados, não aprendermos a ser mais equilibrados, evitando de recorrer a empréstimos bancários para gozar férias nas Caraíbas, por exemplo.
Alda M. Maia
4 Comments:
http://dispersamente.blogspot.com/2010/11/greve-geral.html
Boa noite, Alda
Venho aqui confessar que me permiti transcrever parte deste seu excelente artigo, no meu blogue, endereço acima.
Concordo plenamente com as suas conclusões e com todas os preliminares que desenvolveu até lá chegar.
Quero dar-lhe os meus parabéns pelo sentido pedagógico, para além de crítico e histórico, deste seu texto.
Espero não ter ultrapassado as regras éticas e de amizade, por me ter permitido tal liberdade.
Um abraço amigo
António
Bom Amigo António
“Ter ultrapassado as regras éticas e de amizade”?!! Não ultrapassou coisíssima nenhuma; apenas me dá uma importância que julgo não merecer – e não é falsa modéstia, creia.
Fiquei satisfeita por ter concordado com os meus pontos de vista e, obviamente, muito lisonjeado pela transcrição de parte do que escrevi.
Muito e muito grata, António.
Um grande abraço e um beijinho à Zaida
Alda
D. Alda,
Em primeiro lugar dizer-lhe que fiz como o as-nunes: roubei-lhe o título deste post... (copiei-o e coloquei-o noutras paragens)
Quanto ao resto: tudo certo, tudo certo, mas algumas divergências.
Com certeza que aplaudo a atitude dos sindicatos alemães – tiveram uma boa atitude, mas também aplaudo a atitude do patronato que em nada se assemelha à atitude dos “nossos” patrões.
Se queremos criticar a atitude dos nossos sindicatos, antes temos que criticar a atitude das associações patronais, que não abrem uma brecha para a negociação (o mesmo digo em relação ao Estado), o que origina uma luta mais acérrima por parte dos sindicatos.
Quanto aos motivos da greve (e seus efeitos): A greve é uma arma poderosa dos trabalhadores – quase a única que possuem. Face a este estado de coisas que vivemos, as pessoas tinham que se manifestar, tinham que demonstrar o seu desagrado às políticas levadas a cabo pelo PS e pelo PSD, que não são nada inevitáveis – há e havia muitas outras formas de lutar contra a crise, que estes dois partidos não aceitaram (nem quiseram ouvir falar, porque ia contra os seus interesses mesquinho de enriquecimentos próprio e dos seus).
Como é que se compreende que se continuem a nomear incompetentes para altos cargos públicos, quando se reduz, indiscriminadamente, aos funcionários públicos (muitas vezes em lugares que já estão sobrecarregados) – (sim porque também estão em causa empregos)? Como se compreende que se continue a acumular pensões de deputados, administradores públicos, etc, e se cortem em pensões de miséria? Como se compreende que a banca tenha lucros fabulosos e continue a aumentar o juro? Como se compreende o aumento da factura da luz e gás a par dos lucros medonhos da EDP?
… E as frotas novinhas e maravilhosas dos quadros das empresas públicas?…
… e os seus ordenadões?... quando pedem para o mexilhão apertar o cinto…
Não há menos dinheiro a circular em Portugal – o que há é uma péssima distribuição da riqueza.
… apenas um senão à greve: a greve não foi capaz de mostrar o descontentamento de todos aqueles que o queriam manifestar: nem os desempregados, nem os profissionais liberais, nem os precários, nem os reformados, nem muitos trabalhadores do sector privado puderam aderir a ela… nesse aspecto foi redutora.
Um beijinho
Maria Teresa,
“Pasionaria” famalicense do Bloco De Esquerda
Sabes o que esqueci de acentuar, paralelamente ao bom senso dos sindicatos alemães? A transparência e equilíbrio do patronado, pois sem esta característica de nada serviria o bom senso dos sindicatos.
Minha linda menina, quando é que me ouviste criticar o recurso à greve? Acusa-me de tudo, menos de neoliberalismo, sobretudo como é, actualmente, interpretado e aplicado.
Viva a greve, mas com ponderação e a preocupação de não inflacionar um meio indispensável para defender direitos sacrossantos.
Se por tudo e por nada, apenas como mero activismo sindical, se recorre á greve, ultrajam-na e esvaziam-na da sua verdadeira razão de ser.
A greve do último dia 24, repito, não me entusiasmou.
Nestes momentos de vacas esqueléticas, precisamos de menos egoísmo e mais coesão. E recorrendo às tuas considerações sobre os malcheirosos costumes da nossa governação pública, com as quais estou inteiramente de acordo, também aqui repito: com quanta satisfação – até mesmo participação – eu veria uma greve geral, um levantamento geral contra tudo o que apontas.
Para finalizar: não tornes a dizer-me que eu me iria zangar com um qualquer comentário teu. Exprimes a tua opinião e é isso o que eu mais aprecio.
Um beijinho
Alda
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