REQUIEM PELO MODELO SOCIAL EUROPEU?
Este modelo que estabeleceu regras de segurança social tornou-se obsoleto, deve encolher-se e conceder espaço ao que se aceita como normalidade: dumping social ou dumping ambiental, deslocalização, precariedade e outros conceitos que justificam as crises e servem para dar asas a um “capitalismo selvagem”.
Não se vê no horizonte uma via de harmonização entre as economias dos diversos países europeus e a protecção social que as sociais-democracias souberam inventar.
“Caminha-se para uma rápida anulação das conquistas sindicais e da economia social de mercado dos anos sessenta até ao início deste século” –Eugénio Scalfari. Não penso que exagere.
Há duas semanas embirrei com a globalização enfatizada; esta semana é a deslocalização, a filha predilecta, que se me apresenta com aspectos, a partir de um certo ângulo de reflexão, bastante antipáticos. E chego ao acontecimento que me provocou estas reflexões e sentimentos.
Sérgio Marchionne, o director executivo da “Fábrica Italiana de Automóveis de Turim” - o famoso acrónimo FIAT - nestas últimas semanas é uma das personagens que mais tem merecido as parangonas dos jornais.
Decidiu que o novo modelo, monovolume L-0, em vez de ser produzido na sede central de Turim, Mirafiori, e ao contrário do que fora prometido, será fabricado na Sérvia: “Na Itália custa demasiado, sindicatos pouco sérios e a Fiat não pode correr riscos. Quanto a investimentos na fábrica de Mirafiori, pensar-se-á num futuro próximo”: assim esclareceu Sérgio Marchionne numa entrevista ao jornal La Repubblica.
Mas serão estas as verdadeiras e únicas razões? Difícil acreditar e, efectivamente, poucos acreditam.
Alarme dos operários, desconcerto nos observadores políticos e económicos, críticas de quem conhece os mecanismos da nova “cultura do trabalho” e compreende perfeitamente que “os accionistas da sociedade de Turim não têm dinheiro para novos investimentos”; esperar intervenções da parte do Governo, pior ainda.
A Fiat deslocalizou o que deveria ser construído em Mirafiori para a fábrica sérvia de Kragujevac, mercê dos altos benefícios que daí advirão. Vejamos.
O salário dos operários sérvios é de 400 euros – na Itália, 1100 / 1200 - embora a mão-de-obra incida apenas 8% nos custos globais, segundo asseriu o director executivo Fiat.
Em mil milhões de investimento, 650 serão pagos pelo Banco Europeu de Investimento (BEI) e o Governo sérvio.
A gestão Fiat terá absoluta isenção fiscal durante dez anos e um contributo de 10 mil euros por cada novo assalariado.
Perante todas estas excelentes condições, só um dirigente irresponsável hesitaria em deslocalizar a fabricação da monovolume L0! Não se pode pedir altruísmos a quem trabalha para “criar valor aos accionistas”.
****
Servindo-me do exemplo Fiat / Sérvia, as deslocalizações apresentam-se-me como uma realidade muito discutível e humanamente cruel.
Por um lado, penso nos novos postos de trabalho para milhares de operários sérvios e no que possa representar de positivo para a região onde a fábrica operará; acrescentemos que muitas outras pequenas indústrias surgirão, satélites da empresa principal.
Mas quando os benefícios fiscais desaparecerão, a classe trabalhadora pretenderá melhores condições e mais respeito pelos direitos laborais, que farão as empresas ambulantes em permanente busca de ínfimos custos contra fortes lucros? Nova deslocalização, obviamente.
De deslocalização em deslocalização, para que uns encontrem a oportunidade de um emprego, quantos outros trabalhadores ficarão desempregadas, porque a nova situação implicou o despedimento, por falta de trabalho?
Deslocalizar não significa alargar a produção, criando novas fábricas que irão beneficiar países não industrializados ou com fracos rendimentos; expandir a produção não é subtrair o trabalho de um lado para o localizar em países onde o dumping social ou ambiental é soberano.
****
Quando o director executivo da Fiat alude aos sindicatos e que estes não garantem uma produção regular, pois quase sempre demonstram extrema rigidez, não deixa de não ter uma certa razão.
Defender somente os direitos e mostrar uma grande miopia perante absentismos injustificados (por vezes absurdos), indiferença pelo trabalho e pela situação de dificuldades económicas da própria empresa, isto é, ignorar certos deveres, é fenómeno corrente.
Os sindicatos devem compenetrar-se de uma verdade óbvia que, se a empresa onde trabalham tem problemas, estes são problemas de todos, não somente dos “patrões”.
Há um outro aspecto da actuação sindical que, frequentemente, me deixa perplexa. Refiro-me á facilidade como proclamam e efectuam greves. Não deveria ser este um último e extremo recurso, de modo a surtir, efectivamente, um forte impacto?
Para quê banalizá-lo e com isso prejudicar o regular andamento da produção?
Este modelo que estabeleceu regras de segurança social tornou-se obsoleto, deve encolher-se e conceder espaço ao que se aceita como normalidade: dumping social ou dumping ambiental, deslocalização, precariedade e outros conceitos que justificam as crises e servem para dar asas a um “capitalismo selvagem”.
Não se vê no horizonte uma via de harmonização entre as economias dos diversos países europeus e a protecção social que as sociais-democracias souberam inventar.
“Caminha-se para uma rápida anulação das conquistas sindicais e da economia social de mercado dos anos sessenta até ao início deste século” –Eugénio Scalfari. Não penso que exagere.
Há duas semanas embirrei com a globalização enfatizada; esta semana é a deslocalização, a filha predilecta, que se me apresenta com aspectos, a partir de um certo ângulo de reflexão, bastante antipáticos. E chego ao acontecimento que me provocou estas reflexões e sentimentos.
Sérgio Marchionne, o director executivo da “Fábrica Italiana de Automóveis de Turim” - o famoso acrónimo FIAT - nestas últimas semanas é uma das personagens que mais tem merecido as parangonas dos jornais.
Decidiu que o novo modelo, monovolume L-0, em vez de ser produzido na sede central de Turim, Mirafiori, e ao contrário do que fora prometido, será fabricado na Sérvia: “Na Itália custa demasiado, sindicatos pouco sérios e a Fiat não pode correr riscos. Quanto a investimentos na fábrica de Mirafiori, pensar-se-á num futuro próximo”: assim esclareceu Sérgio Marchionne numa entrevista ao jornal La Repubblica.
Mas serão estas as verdadeiras e únicas razões? Difícil acreditar e, efectivamente, poucos acreditam.
Alarme dos operários, desconcerto nos observadores políticos e económicos, críticas de quem conhece os mecanismos da nova “cultura do trabalho” e compreende perfeitamente que “os accionistas da sociedade de Turim não têm dinheiro para novos investimentos”; esperar intervenções da parte do Governo, pior ainda.
A Fiat deslocalizou o que deveria ser construído em Mirafiori para a fábrica sérvia de Kragujevac, mercê dos altos benefícios que daí advirão. Vejamos.
O salário dos operários sérvios é de 400 euros – na Itália, 1100 / 1200 - embora a mão-de-obra incida apenas 8% nos custos globais, segundo asseriu o director executivo Fiat.
Em mil milhões de investimento, 650 serão pagos pelo Banco Europeu de Investimento (BEI) e o Governo sérvio.
A gestão Fiat terá absoluta isenção fiscal durante dez anos e um contributo de 10 mil euros por cada novo assalariado.
Perante todas estas excelentes condições, só um dirigente irresponsável hesitaria em deslocalizar a fabricação da monovolume L0! Não se pode pedir altruísmos a quem trabalha para “criar valor aos accionistas”.
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Servindo-me do exemplo Fiat / Sérvia, as deslocalizações apresentam-se-me como uma realidade muito discutível e humanamente cruel.
Por um lado, penso nos novos postos de trabalho para milhares de operários sérvios e no que possa representar de positivo para a região onde a fábrica operará; acrescentemos que muitas outras pequenas indústrias surgirão, satélites da empresa principal.
Mas quando os benefícios fiscais desaparecerão, a classe trabalhadora pretenderá melhores condições e mais respeito pelos direitos laborais, que farão as empresas ambulantes em permanente busca de ínfimos custos contra fortes lucros? Nova deslocalização, obviamente.
De deslocalização em deslocalização, para que uns encontrem a oportunidade de um emprego, quantos outros trabalhadores ficarão desempregadas, porque a nova situação implicou o despedimento, por falta de trabalho?
Deslocalizar não significa alargar a produção, criando novas fábricas que irão beneficiar países não industrializados ou com fracos rendimentos; expandir a produção não é subtrair o trabalho de um lado para o localizar em países onde o dumping social ou ambiental é soberano.
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Quando o director executivo da Fiat alude aos sindicatos e que estes não garantem uma produção regular, pois quase sempre demonstram extrema rigidez, não deixa de não ter uma certa razão.
Defender somente os direitos e mostrar uma grande miopia perante absentismos injustificados (por vezes absurdos), indiferença pelo trabalho e pela situação de dificuldades económicas da própria empresa, isto é, ignorar certos deveres, é fenómeno corrente.
Os sindicatos devem compenetrar-se de uma verdade óbvia que, se a empresa onde trabalham tem problemas, estes são problemas de todos, não somente dos “patrões”.
Há um outro aspecto da actuação sindical que, frequentemente, me deixa perplexa. Refiro-me á facilidade como proclamam e efectuam greves. Não deveria ser este um último e extremo recurso, de modo a surtir, efectivamente, um forte impacto?
Para quê banalizá-lo e com isso prejudicar o regular andamento da produção?
Por que razão devem dar motivo a suspeitas de que a greve, algumas vezes, serve para cobrir abstenções oportunistas?
Paralelamente, os dirigentes executivos nada perderiam se fossem transparentes, se se sentassem à mesma mesa com os responsáveis sindicais, expusessem claramente a situação da empresa e concordassem medidas, mesmo quando estas pressupusessem sacrifícios – mas sacrifícios para todos.
Será assim tão árduo assimilar a possibilidade de um acordo onde a flexibilidade de horários e salários fosse encarada com a devida coragem de uns e de outros, caso a gravidade da situação assim o exigisse?
Paralelamente, os dirigentes executivos nada perderiam se fossem transparentes, se se sentassem à mesma mesa com os responsáveis sindicais, expusessem claramente a situação da empresa e concordassem medidas, mesmo quando estas pressupusessem sacrifícios – mas sacrifícios para todos.
Será assim tão árduo assimilar a possibilidade de um acordo onde a flexibilidade de horários e salários fosse encarada com a devida coragem de uns e de outros, caso a gravidade da situação assim o exigisse?
Alda M. Maia
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