AFINAL, “QUEM MAIS ORDENA”?
Será o povo informado ou os especuladores da ignorância? Será uma maioria de cidadãos dotados de consciências cívicas sólidas ou massas de egoístas indiferentes ao interesse geral?
Quero interpretar o leitmotiv da celebérrima canção de Zeca Afonso no sentido de quem melhor sabe usar o seu direito de voto; de quem sabe esperar e exigir dignidade, “competências específicas e não diletantismos” nos poderes políticos que os representarão na gerência da coisa pública.
Paralelamente a esses poderes, sempre considerei o Poder Judiciário como a trave mestra da solidez democrática, social e económica de um Estado de direito.
Observando, com atenção, o que ultimamente tem sucedido neste País, um povo civicamente bem formado pretenderia, imporia reformas inadiáveis para o pleno, célere e correcto funcionamento da Justiça, dotando-a de todos os meios necessários para esse bom funcionamento.
Porém, como esse atributo de civismo é muito precário e a Assembleia da República oferece-nos o pior exemplo, quase temos a impressão que na Terra Lusa reine o caos, aliado aos oportunismos de quem mais grita e acusa.
Investiga-se o que deve ser investigado. Entretanto, levanta-se uma enorme poeira; revoluteia o vento das suspeitas, legítimas ou não; captura-se o bom momento político, apenas para emitir dislates; surgem as entrevistas ou as interpelações ocasionais aos magistrados competentes.
Abstraindo aquelas informações sintéticas e limitadas, normais em casos de investigações em curso, como gostaria de ouvir, da parte dos senhores magistrados - quando assediados por quem deseja notícias - o seco e conciso “nada a dizer” ou o internacionalizado “no coment”! Pelo contrário, quanta verborreia escusada!
Predomina uma Justiça digna de louvor, num país que se proclama e é democrático?
Tenho sempre na memória a imagem do juiz Teixeira, acompanhado pela câmaras televisivas, dirigir-se à Assembleia da República para dar voz de prisão a um deputado. Perante esta cena, a justiça expôs um retrato deprimente do exercício das suas funções.
Ainda não entendi muito bem a autonomia – que pressuponho equivalha a independência - do Procurador-Geral da República, visto que esse cargo “está sujeito à designação pelo poder político, assentando na dupla confiança do Presidente da República que o nomeia e do Governo que o propõe.”
Certamente que é nomeada uma pessoa idónea e íntegra, mas lamento que a Procuradoria-Geral não seja parte inalienável do Poder Judiciário.
Confesso, todavia, que o meu raciocínio é influenciado pela estrutura do Poder judicial na Itália: não há carreiras separadas; o Conselho Superior da Magistratura é único.
Gosto mais deste sistema, mas talvez a minha preferência seja reforçada pela guerra de Berlusconi à Magistratura italiana, o que muito me escandaliza.
O homem vive obcecado pelo rancor aos juízes e procuradores da República que ousam abrir inquéritos e dar curso a processos, onde “o melhor Primeiro-Ministro de há cento e cinquenta anos a esta parte” (assim se autonomeia) deve sentar-se no banco dos acusados.
Não por capricho da magistratura, certamente; disso estamos bem convencidos.
Quantas leis ad personam (chamam-lhes “as leis da vergonha”) foram emanadas, a fim de que este arremedo de político sem dignidade fugisse aos processos! Mas mais anómalo ainda é essa maioria que as impôs e aprovou no Parlamento, prosseguindo nessa indecência.
“O povo é quem mais ordena” e ele, Berlusconi, foi eleito pelo povo italiano. “Os juízes não são eleitos por ninguém”: como se atrevem a exigir contas ao grande eleito? Delírio da megalomania.
E a balela que foi eleito pelo povo italiano – o contexto das suas asserções não deixa dúvidas que se refere á totalidade deste povo – é repetida pelos acólitos, com a cara de bronze de quem mente e sabe de mentir.
A coligação do seu governo foi eleita por uma maioria, como é óbvio. Porém, mais de metade do País não o votou.
****
Volto ainda a "o povo é quem mais ordena”.
Em V. N. de Famalicão foram eleitas duas senhoras, na coligação vencedora das autárquicas – PSD/CDS
Estas senhoras prestaram juramento e, passados poucos dias, anunciaram a suspensão do mandato por um ano e seis meses, respectivamente, alegando motivos profissionais.
As críticas da oposição remeteram-se ao governo do Município, condenando o machismo predominante.
Não as creio infundadas. As minhas, porém, vão directas às duas renunciantes.
Fala-se e apresentam-se estatísticas sobre a minoria feminina nos executivos ou na política.
Com mulherzinhas deste género, no campo político, sem um mínimo de dignidade e personalidade, que podemos esperar?
Como os vários críticos apontaram, e justamente, acaso só depois de serem eleitas é que se aperceberam dos problemas pessoais ou profissionais?
Se essas foram as condições das próprias candidaturas, por que razão as aceitaram e as não acharam humilhantes e ofensivas?
Quando renunciaram aos mandatos, não experimentaram nenhum sentimento de vergonha?
Eis por que digo que não houve dignidade nem uma migalha de brio.
Será o povo informado ou os especuladores da ignorância? Será uma maioria de cidadãos dotados de consciências cívicas sólidas ou massas de egoístas indiferentes ao interesse geral?
Quero interpretar o leitmotiv da celebérrima canção de Zeca Afonso no sentido de quem melhor sabe usar o seu direito de voto; de quem sabe esperar e exigir dignidade, “competências específicas e não diletantismos” nos poderes políticos que os representarão na gerência da coisa pública.
Paralelamente a esses poderes, sempre considerei o Poder Judiciário como a trave mestra da solidez democrática, social e económica de um Estado de direito.
Observando, com atenção, o que ultimamente tem sucedido neste País, um povo civicamente bem formado pretenderia, imporia reformas inadiáveis para o pleno, célere e correcto funcionamento da Justiça, dotando-a de todos os meios necessários para esse bom funcionamento.
Porém, como esse atributo de civismo é muito precário e a Assembleia da República oferece-nos o pior exemplo, quase temos a impressão que na Terra Lusa reine o caos, aliado aos oportunismos de quem mais grita e acusa.
Investiga-se o que deve ser investigado. Entretanto, levanta-se uma enorme poeira; revoluteia o vento das suspeitas, legítimas ou não; captura-se o bom momento político, apenas para emitir dislates; surgem as entrevistas ou as interpelações ocasionais aos magistrados competentes.
Abstraindo aquelas informações sintéticas e limitadas, normais em casos de investigações em curso, como gostaria de ouvir, da parte dos senhores magistrados - quando assediados por quem deseja notícias - o seco e conciso “nada a dizer” ou o internacionalizado “no coment”! Pelo contrário, quanta verborreia escusada!
Predomina uma Justiça digna de louvor, num país que se proclama e é democrático?
Tenho sempre na memória a imagem do juiz Teixeira, acompanhado pela câmaras televisivas, dirigir-se à Assembleia da República para dar voz de prisão a um deputado. Perante esta cena, a justiça expôs um retrato deprimente do exercício das suas funções.
Ainda não entendi muito bem a autonomia – que pressuponho equivalha a independência - do Procurador-Geral da República, visto que esse cargo “está sujeito à designação pelo poder político, assentando na dupla confiança do Presidente da República que o nomeia e do Governo que o propõe.”
Certamente que é nomeada uma pessoa idónea e íntegra, mas lamento que a Procuradoria-Geral não seja parte inalienável do Poder Judiciário.
Confesso, todavia, que o meu raciocínio é influenciado pela estrutura do Poder judicial na Itália: não há carreiras separadas; o Conselho Superior da Magistratura é único.
Gosto mais deste sistema, mas talvez a minha preferência seja reforçada pela guerra de Berlusconi à Magistratura italiana, o que muito me escandaliza.
O homem vive obcecado pelo rancor aos juízes e procuradores da República que ousam abrir inquéritos e dar curso a processos, onde “o melhor Primeiro-Ministro de há cento e cinquenta anos a esta parte” (assim se autonomeia) deve sentar-se no banco dos acusados.
Não por capricho da magistratura, certamente; disso estamos bem convencidos.
Quantas leis ad personam (chamam-lhes “as leis da vergonha”) foram emanadas, a fim de que este arremedo de político sem dignidade fugisse aos processos! Mas mais anómalo ainda é essa maioria que as impôs e aprovou no Parlamento, prosseguindo nessa indecência.
“O povo é quem mais ordena” e ele, Berlusconi, foi eleito pelo povo italiano. “Os juízes não são eleitos por ninguém”: como se atrevem a exigir contas ao grande eleito? Delírio da megalomania.
E a balela que foi eleito pelo povo italiano – o contexto das suas asserções não deixa dúvidas que se refere á totalidade deste povo – é repetida pelos acólitos, com a cara de bronze de quem mente e sabe de mentir.
A coligação do seu governo foi eleita por uma maioria, como é óbvio. Porém, mais de metade do País não o votou.
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Volto ainda a "o povo é quem mais ordena”.
Em V. N. de Famalicão foram eleitas duas senhoras, na coligação vencedora das autárquicas – PSD/CDS
Estas senhoras prestaram juramento e, passados poucos dias, anunciaram a suspensão do mandato por um ano e seis meses, respectivamente, alegando motivos profissionais.
As críticas da oposição remeteram-se ao governo do Município, condenando o machismo predominante.
Não as creio infundadas. As minhas, porém, vão directas às duas renunciantes.
Fala-se e apresentam-se estatísticas sobre a minoria feminina nos executivos ou na política.
Com mulherzinhas deste género, no campo político, sem um mínimo de dignidade e personalidade, que podemos esperar?
Como os vários críticos apontaram, e justamente, acaso só depois de serem eleitas é que se aperceberam dos problemas pessoais ou profissionais?
Se essas foram as condições das próprias candidaturas, por que razão as aceitaram e as não acharam humilhantes e ofensivas?
Quando renunciaram aos mandatos, não experimentaram nenhum sentimento de vergonha?
Eis por que digo que não houve dignidade nem uma migalha de brio.
Nestes casos, então, torna-se benéfico que estejam longe da actividade política. Só provocariam danos. E é indiferente que se trate de senhoras ou homens, pois a falta de pundonor é apanágio do ser humano.
Alda M. Maia
Alda M. Maia
2 Comments:
Os meandros da (in)justiça são de facto muito complicados. Todos os dias são publicadas uma panóplia de leis, muitas delas sem sentido; outras que revogam as anteriores e que deixam buracos profundos; outras cheias de normas transitórias que transitam na grande confusão; sem falar das que servem apenas para um caso único que interessa não sei a quem.
A justiça não está de boa saúde e assim quem sai vencedora é a injustiça.
***
Quanto às mulheres que renunciaram ao mandato... só podemos todos lamentar. Esta posição é reveladora de um maxismo exacerbado, de uma falta de consciência feminina (não feminista), falta de respeito por tudo e por todos, mas principalmente de um enorme descaramento!
Um abraço
Falas de leis que se auto-eliminam.
A propósito da criação de novas leis, ou de qualquer lei, eu sugeriria uma nova e inamovível.
Ei-la: As leis devem ser redigidas por um jurista, obviamente, mas com a formação académica de profundo conhecedor da nossa língua, do nosso léxico e que saiba escrever com uma clareza insuperável. Enfim, um jurista escritor, mas de alto quilate, cuja clareza e fundamentos jurídicos fossem inatacáveis
Que porcaria de redacção em tantas leis que desenfornam e que servem apenas para serem contornadas ou interpretadas segundo as conveniências!
Provérbio italiano sempre actual: “fatta la legge, trovato l’inganno” (fez-se a lei, encontremos o modo de a contornar ou atropelar.
A Sra. D. Teresa, que lavra neste campo, dir-me-á se tenho ou não tenho razão.
Um beijinho
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