A BANALIZAÇÃO DO CRUCIFIXO
“O Crucifixo, símbolo de sofrimento que não pode ofender ninguém”: foi este o título de um belíssimo artigo que o escritor Cláudio Magris escreveu ontem, no Corriere della Sera, a propósito da já famosa sentença do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos sobre a presença do crucifixo nas escolas italianas.
“Aquele homem na cruz que proferiu o revolucionário discurso das Beatitudes não pode ser cancelado das consciências, nem sequer daquelas que o não crêem filho de Deus.
A rumorosa polémica criada por esta sentença fará esquecer temas bem mais importantes sobre a defesa da laicidade e fomentará os piores clericalismos. Criará divisões que se manifestarão de forma grosseira em ambas as partes; dará a tantos histriões a satisfação impante de arvorar-se, a bom preço, em campeões da Liberdade ou dos Valores. O Crucifixo encontrará os defensores mais hipócritas e indignos: aqueles que, a seu tempo, Ele definiu “sepulcros caiados”.
Os factos.
Uma senhora finlandesa casada com um italiano, durante o ano lectivo de 2001-2002, protestara contra a presença do crucifixo nas salas de aulas dos seus dois filhos, por considerá-la contrária ao princípio da laicidade do Estado.
Depois de ter apelado, inutilmente, a todas as entidades competentes italianas, recorreu ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, alegando que o Estado “concede à religião católica uma posição de privilégio na formação dos estudantes, o que se torna numa verdadeira forma de ingerência nos direitos à liberdade de pensamento, de consciência e de religião… “
O Tribunal de Estrasburgo emitiu sentença favorável ao recurso e condenou o Estado italiano a retirar o crucifixo das escolas e a indemnizar o casal requerente pelas despesas judiciárias.
O Governo recorrerá da sentença. Entretanto, ásperas reacções eclodiram em todo o País. Infelizmente, grande parte dessas reacções não brilha por estilo ou dignidade de pessoas de Estado.
Vários presidentes da Câmara, assessores, administradores da coisa pública decidiram distribuir crucifixos gratuitamente.
Um desses presidentes ameaçou 500 euros de multa a quem ousasse mover o Crucifixo. Alguns sugeriram impô-lo nas lojas e supermercados!
Uma autêntica cacofonia de vozes mais teatrais que religiosamente sentidas; mais de utilidade política que ponderadas.
Em muitas dessas pessoas de Estado, essa casta que administra a coisa pública, verificou-se uma ignorância cómica, mas imperdoável: entenderam que o "Conselho da Europa" e o "Conselho Europeu" é tudo a mesma coisa.
Assim, partiram os ataques à União Europeia – “esta porcaria de Europa que temos” – assacando-lhe a responsabilidade de uma sentença “ignominiosa”!
Confundir os dois Conselhos é muito aceitável, e mesmo corrente, no cidadão comum; inaceitável e decisivamente indecente, em quem é um político activo.
A Comissão Europeia teve de emanar um comunicado, esclarecendo que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em Estrasburgo, não é nenhum órgão da UE, mas vigora dentro do Conselho da Europa: instituição de 47 países, fundada em Maio de 1949.
Quanto à presença de símbolos religiosos em edifícios públicos, é de exclusiva competência de cada estado-membro.
Tive a curiosidade de ler à sentença dos juízes de Estrasburgo e que não fizeram mais que estabelecer o respeito da Convenção dos direitos do homem de 1950, além da condição de Estado laico qual é a Itália.
Está muito bem articulada e achei interessante uma parte: repassa o item de todas as leis – relativas à questão - anteriores e durante o fascismo. A lei, hoje vigente, recalca ou prossegue a retórica desse tempo!
****
Em todo este caso, a ideia que mais se impôs ao meu entendimento é a banalização deste símbolo supremo do Cristianismo: o Crucifixo.
As polémicas e zelos pelo “respeito das próprias tradições e das raízes cristãs” reduzem-no a um mero objecto decorativo dos edifícios públicos.
Se é um símbolo religioso, genuína e exclusivamente cristão, é assim tão chocante que um Estado evite de os expor nas escolas, respeitando a multiplicidade de crenças ou não crenças dos alunos e respectivas famílias?
Haverá nesta tradição, que tanto apregoam, algum sentimento sincero? Haverá nela o respeito que fará baixar as nossas cabeças de humanos arrogantes, ante a percepção de sofrimento que inspira o torturado daquela cruz?
Com tanta desenvoltura e superficialidade em expor onde quer que seja esse símbolo, brandindo-o como uma arma que defende a tradição, não se estará a esvaziar a força de impacto do seu grande significado?
“Aquele homem (...) não pode ser cancelado das consciências, nem sequer daqueles que o não crêem filho de Deus”, assim escreve Cláudio Magris.
Precisamente por esta razão, gostaria de ver esta imagem no lugar próprio, isto é, nos lugares onde a sua presença giganteia e onde é impossível ignorá-la ou banalizá-la.
Onde as nossas crenças ou consciências a possam olhar com humildade ou devoção silenciosas; com simpatia ou admiração pelo que foi e no que se tornou através dos séculos; pelo significado que se impõe aos não crentes e a quem estes rendem homenagem e reconhecem grandeza.
“O Crucifixo, símbolo de sofrimento que não pode ofender ninguém”: foi este o título de um belíssimo artigo que o escritor Cláudio Magris escreveu ontem, no Corriere della Sera, a propósito da já famosa sentença do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos sobre a presença do crucifixo nas escolas italianas.
“Aquele homem na cruz que proferiu o revolucionário discurso das Beatitudes não pode ser cancelado das consciências, nem sequer daquelas que o não crêem filho de Deus.
A rumorosa polémica criada por esta sentença fará esquecer temas bem mais importantes sobre a defesa da laicidade e fomentará os piores clericalismos. Criará divisões que se manifestarão de forma grosseira em ambas as partes; dará a tantos histriões a satisfação impante de arvorar-se, a bom preço, em campeões da Liberdade ou dos Valores. O Crucifixo encontrará os defensores mais hipócritas e indignos: aqueles que, a seu tempo, Ele definiu “sepulcros caiados”.
Os factos.
Uma senhora finlandesa casada com um italiano, durante o ano lectivo de 2001-2002, protestara contra a presença do crucifixo nas salas de aulas dos seus dois filhos, por considerá-la contrária ao princípio da laicidade do Estado.
Depois de ter apelado, inutilmente, a todas as entidades competentes italianas, recorreu ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, alegando que o Estado “concede à religião católica uma posição de privilégio na formação dos estudantes, o que se torna numa verdadeira forma de ingerência nos direitos à liberdade de pensamento, de consciência e de religião… “
O Tribunal de Estrasburgo emitiu sentença favorável ao recurso e condenou o Estado italiano a retirar o crucifixo das escolas e a indemnizar o casal requerente pelas despesas judiciárias.
O Governo recorrerá da sentença. Entretanto, ásperas reacções eclodiram em todo o País. Infelizmente, grande parte dessas reacções não brilha por estilo ou dignidade de pessoas de Estado.
Vários presidentes da Câmara, assessores, administradores da coisa pública decidiram distribuir crucifixos gratuitamente.
Um desses presidentes ameaçou 500 euros de multa a quem ousasse mover o Crucifixo. Alguns sugeriram impô-lo nas lojas e supermercados!
Uma autêntica cacofonia de vozes mais teatrais que religiosamente sentidas; mais de utilidade política que ponderadas.
Em muitas dessas pessoas de Estado, essa casta que administra a coisa pública, verificou-se uma ignorância cómica, mas imperdoável: entenderam que o "Conselho da Europa" e o "Conselho Europeu" é tudo a mesma coisa.
Assim, partiram os ataques à União Europeia – “esta porcaria de Europa que temos” – assacando-lhe a responsabilidade de uma sentença “ignominiosa”!
Confundir os dois Conselhos é muito aceitável, e mesmo corrente, no cidadão comum; inaceitável e decisivamente indecente, em quem é um político activo.
A Comissão Europeia teve de emanar um comunicado, esclarecendo que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em Estrasburgo, não é nenhum órgão da UE, mas vigora dentro do Conselho da Europa: instituição de 47 países, fundada em Maio de 1949.
Quanto à presença de símbolos religiosos em edifícios públicos, é de exclusiva competência de cada estado-membro.
Tive a curiosidade de ler à sentença dos juízes de Estrasburgo e que não fizeram mais que estabelecer o respeito da Convenção dos direitos do homem de 1950, além da condição de Estado laico qual é a Itália.
Está muito bem articulada e achei interessante uma parte: repassa o item de todas as leis – relativas à questão - anteriores e durante o fascismo. A lei, hoje vigente, recalca ou prossegue a retórica desse tempo!
****
Em todo este caso, a ideia que mais se impôs ao meu entendimento é a banalização deste símbolo supremo do Cristianismo: o Crucifixo.
As polémicas e zelos pelo “respeito das próprias tradições e das raízes cristãs” reduzem-no a um mero objecto decorativo dos edifícios públicos.
Se é um símbolo religioso, genuína e exclusivamente cristão, é assim tão chocante que um Estado evite de os expor nas escolas, respeitando a multiplicidade de crenças ou não crenças dos alunos e respectivas famílias?
Haverá nesta tradição, que tanto apregoam, algum sentimento sincero? Haverá nela o respeito que fará baixar as nossas cabeças de humanos arrogantes, ante a percepção de sofrimento que inspira o torturado daquela cruz?
Com tanta desenvoltura e superficialidade em expor onde quer que seja esse símbolo, brandindo-o como uma arma que defende a tradição, não se estará a esvaziar a força de impacto do seu grande significado?
“Aquele homem (...) não pode ser cancelado das consciências, nem sequer daqueles que o não crêem filho de Deus”, assim escreve Cláudio Magris.
Precisamente por esta razão, gostaria de ver esta imagem no lugar próprio, isto é, nos lugares onde a sua presença giganteia e onde é impossível ignorá-la ou banalizá-la.
Onde as nossas crenças ou consciências a possam olhar com humildade ou devoção silenciosas; com simpatia ou admiração pelo que foi e no que se tornou através dos séculos; pelo significado que se impõe aos não crentes e a quem estes rendem homenagem e reconhecem grandeza.
Alda M. Maia
3 Comments:
Como sempre, D. Alda, muita clareza de pensamentos... Bom, e pouco mais me resta dizer...
De facto, o que mais me aborrece nesta história toda é a soberba com que os ditos católicos querem impor seja o que for aos outros... sem nenhuma abertura e sem qualquer espécie de desculpa...
Um grande abraço
Viva, D. Teresinha!
Muito prazer em ler-te, cá por estes lados e pela primeira vez.
O que mais me desconcerta, em todo este caso, sabes, é a retórica nauseante do regime fascista de Mussolini repetida, agora, com o mesmo fraseado.
Um beijinho
Alda
PS:
Vou diariamente ao teu site e vejo que a autora ficou-se pelo segundo post.
Espero mais.
Amanha... ou depois... talves depois... já estou a preparar...
Bjinhos
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