“VALORES NÃO NEGOCIÁVEIS”
OS “MALES MENORES”
“Valores não negociáveis” é a expressão mais usada, ultimamente, pelas Hierarquias Católicas, isto é, pelos homens do Vaticano. Bento XVI repete-a com insistente frequência.
Acho muito estranha a classificação dos valores que regem os nossos comportamentos em «negociáveis ou não negociáveis»!
Se são valores morais, éticos, por que razão se pensaria em negociá-los?
O verbo negociar, no significado mais próximo, e mesmo nas demais acepções, é muito prosaico: mais ligado a questões materialistas que aos princípios morais.
1 - Assim, para a Hierarquia Católica, os valores “não negociáveis” seriam a defesa extrema da vida: desde o momento da sua concepção até ao fim da existência de qualquer ser humano. Logo, o aborto é absolutamente inaceitável, quer se trate ou não de leis equilibradas que o regularizam.
O aborto seria um “feticídio” (neologismo de moda), consequentemente deve ser criminalizado.
Como se o aborto fosse uma escolha alheia a traumas e angústias para qualquer mulher que deva submeter-se à IVG!
E à semelhança do que muitos eclesiásticos pensam – sobretudo os eclesiásticos que vivem em contacto directo com os problemas sociais – quando legitimada, a IVG é um «mal menor» que devemos compreender.
2 - A eutanásia: inadmissível, quer activa, quer passiva.
Inadmissíveis, portanto, “testamentos biológicos”, cujo fim seria evitar inúteis e dolorosos encarniçamentos terapêuticos, em situações irreversíveis.
Sobre tal assunto já exprimi, neste blogue, a minha opinião – em 21/03/2005 e 30/12/2006.
3 - A família deve ser alicerçada num acto exclusivo: o casamento santificado pela Igreja, entre um homem e uma mulher.
As uniões de facto constituem um atentado, uma perturbação da sacralidade familiar.
4 - Quanto aos homossexuais, vade retro, Satana!
Quaisquer direitos que um Estado queira conceder-lhes, sem que se exprima o conceito de casamento, conformam, mesmo assim, uma heresia para o Vaticano
Como me parece que o Estado italiano funcione a soberania limitada, ainda não foi possível apresentar e discutir, no Parlamento, uma lei justa que garanta direitos cívicos aos conviventes.
Apenas se prepara um projecto de lei sobre esta matéria, imediatamente se levantam os escudos dos teodem, teocon e de uma outra categoria a que chamam “ateus devotos” (ateus confessos, mas devotos defensores dos tais «valores não negociáveis»).
O mais curioso é que grande parte dos parlamentares que não querem votar leis que contrariem os rígidos preceitos católicos são conviventes ou divorciados; alguns deles (e já aconteceu), émulos do ex-governador de Nova York, Eliot Spitzer!
Uma Sra. Deputada, Paola Binetti, que fazia parte da coligação do governo centro-esquerda – uma teodem de ferro - votou contra o próprio governo, pois iria ser aprovada uma lei que condenava todas e quaisquer discriminações: de raça, sexo, religião…
Sexo?! Não, senhores! Poder-se-ia abrir caminho para leis que legitimem os casamentos homossexuais.
“Devo obedecer à minha consciência de católica” - asseriu a deputada.
E à Constituição da República Italiana, não deve obedecer? Não foi eleita para defender os seus princípios?
O Cardeal Ruini, Vicário de Roma, tinha-lhe telefonado, advertindo-a do “perigo” de tal votação. Embora solicitada a desmenti-lo, a Sra. Binetti jamais negou esse telefonema.
Acrescento que Madame Binetti - segundo ela confessou - de vez em quando, usa o cilício. A vida tem aspectos feios e a penitência impõe-se.
Aqui sou um bocadinho maliciosa: a cabecinha da Sra. Deputada deve ser alvo de tremendos fluxos de maus pensamentos; antes, para exigirem o uso de cilício, mais que fluxos, devem ser furacões.
Ninguém, na Itália, pretende legitimar casamentos homossexuais. Nem mesmo os próprios homossexuais o reclamam ou desejam.
Muito simplesmente, defende-se que as uniões homossexuais usufruam dos mesmos direitos, civis, de qualquer outro cidadão, e que não haja discriminações.
Não vejo onde estas intenções legislativas possam ofender a catolicidade de quem quer que seja.
Digamos que, no máximo, para os homens do Vaticano, podem constituir um mal menor, onde aconselhar atitudes moderadas.
****
A inflexibilidade das Hierarquias Católicas, se por um lado atestam, legitimamente, a defesa das suas doutrinas, o que é natural e louvável, por outro lado, em certas situações humanas, socialmente delicadas, e a que o estado de direito deve pôr remédio, optam por intransigências que se demonstram mais fundamentalistas que próximas daquela caridade cristã que se esperaria de uma Igreja, símbolo de amor e caridade.
Mais incompreensíveis se tornam, quando as mesmas Hierarquias Católicas entram no espaço público e impõem aos católicos que, em decisões políticas de carácter social ou ético, devem respeitar, acima de tudo, a doutrina da Igreja; atropelando, deste modo, o inalienável princípio: “A César o que é de César…”
Os homens do Vaticano fingem ignorar que há exigências sociais que um Estado deve garantir a crentes e não crentes. Que existe, na Constituição, regras bem claras neste sentido.
Aos tais valores “não negociáveis”, a Igreja deveria contrapor, quando necessário, os “males menores” - expressão usada pelo ex-cardeal de Milão, Carlo Maria Martini - e abandonar a rigidez que serve mais para afastar que aproximar as pessoas que crêem, mas de consciências abertas à compreensão, tolerância e respeito.
O que se deseja é que as Hierarquias Católicas não pretendam encerrar as nossas consciências numa camisa-de-forças de marca fundamentalista. Nos tempos de hoje, isso, sim, seria intolerável.
Alda M. Maia
OS “MALES MENORES”
“Valores não negociáveis” é a expressão mais usada, ultimamente, pelas Hierarquias Católicas, isto é, pelos homens do Vaticano. Bento XVI repete-a com insistente frequência.
Acho muito estranha a classificação dos valores que regem os nossos comportamentos em «negociáveis ou não negociáveis»!
Se são valores morais, éticos, por que razão se pensaria em negociá-los?
O verbo negociar, no significado mais próximo, e mesmo nas demais acepções, é muito prosaico: mais ligado a questões materialistas que aos princípios morais.
1 - Assim, para a Hierarquia Católica, os valores “não negociáveis” seriam a defesa extrema da vida: desde o momento da sua concepção até ao fim da existência de qualquer ser humano. Logo, o aborto é absolutamente inaceitável, quer se trate ou não de leis equilibradas que o regularizam.
O aborto seria um “feticídio” (neologismo de moda), consequentemente deve ser criminalizado.
Como se o aborto fosse uma escolha alheia a traumas e angústias para qualquer mulher que deva submeter-se à IVG!
E à semelhança do que muitos eclesiásticos pensam – sobretudo os eclesiásticos que vivem em contacto directo com os problemas sociais – quando legitimada, a IVG é um «mal menor» que devemos compreender.
2 - A eutanásia: inadmissível, quer activa, quer passiva.
Inadmissíveis, portanto, “testamentos biológicos”, cujo fim seria evitar inúteis e dolorosos encarniçamentos terapêuticos, em situações irreversíveis.
Sobre tal assunto já exprimi, neste blogue, a minha opinião – em 21/03/2005 e 30/12/2006.
3 - A família deve ser alicerçada num acto exclusivo: o casamento santificado pela Igreja, entre um homem e uma mulher.
As uniões de facto constituem um atentado, uma perturbação da sacralidade familiar.
4 - Quanto aos homossexuais, vade retro, Satana!
Quaisquer direitos que um Estado queira conceder-lhes, sem que se exprima o conceito de casamento, conformam, mesmo assim, uma heresia para o Vaticano
Como me parece que o Estado italiano funcione a soberania limitada, ainda não foi possível apresentar e discutir, no Parlamento, uma lei justa que garanta direitos cívicos aos conviventes.
Apenas se prepara um projecto de lei sobre esta matéria, imediatamente se levantam os escudos dos teodem, teocon e de uma outra categoria a que chamam “ateus devotos” (ateus confessos, mas devotos defensores dos tais «valores não negociáveis»).
O mais curioso é que grande parte dos parlamentares que não querem votar leis que contrariem os rígidos preceitos católicos são conviventes ou divorciados; alguns deles (e já aconteceu), émulos do ex-governador de Nova York, Eliot Spitzer!
Uma Sra. Deputada, Paola Binetti, que fazia parte da coligação do governo centro-esquerda – uma teodem de ferro - votou contra o próprio governo, pois iria ser aprovada uma lei que condenava todas e quaisquer discriminações: de raça, sexo, religião…
Sexo?! Não, senhores! Poder-se-ia abrir caminho para leis que legitimem os casamentos homossexuais.
“Devo obedecer à minha consciência de católica” - asseriu a deputada.
E à Constituição da República Italiana, não deve obedecer? Não foi eleita para defender os seus princípios?
O Cardeal Ruini, Vicário de Roma, tinha-lhe telefonado, advertindo-a do “perigo” de tal votação. Embora solicitada a desmenti-lo, a Sra. Binetti jamais negou esse telefonema.
Acrescento que Madame Binetti - segundo ela confessou - de vez em quando, usa o cilício. A vida tem aspectos feios e a penitência impõe-se.
Aqui sou um bocadinho maliciosa: a cabecinha da Sra. Deputada deve ser alvo de tremendos fluxos de maus pensamentos; antes, para exigirem o uso de cilício, mais que fluxos, devem ser furacões.
Ninguém, na Itália, pretende legitimar casamentos homossexuais. Nem mesmo os próprios homossexuais o reclamam ou desejam.
Muito simplesmente, defende-se que as uniões homossexuais usufruam dos mesmos direitos, civis, de qualquer outro cidadão, e que não haja discriminações.
Não vejo onde estas intenções legislativas possam ofender a catolicidade de quem quer que seja.
Digamos que, no máximo, para os homens do Vaticano, podem constituir um mal menor, onde aconselhar atitudes moderadas.
****
A inflexibilidade das Hierarquias Católicas, se por um lado atestam, legitimamente, a defesa das suas doutrinas, o que é natural e louvável, por outro lado, em certas situações humanas, socialmente delicadas, e a que o estado de direito deve pôr remédio, optam por intransigências que se demonstram mais fundamentalistas que próximas daquela caridade cristã que se esperaria de uma Igreja, símbolo de amor e caridade.
Mais incompreensíveis se tornam, quando as mesmas Hierarquias Católicas entram no espaço público e impõem aos católicos que, em decisões políticas de carácter social ou ético, devem respeitar, acima de tudo, a doutrina da Igreja; atropelando, deste modo, o inalienável princípio: “A César o que é de César…”
Os homens do Vaticano fingem ignorar que há exigências sociais que um Estado deve garantir a crentes e não crentes. Que existe, na Constituição, regras bem claras neste sentido.
Aos tais valores “não negociáveis”, a Igreja deveria contrapor, quando necessário, os “males menores” - expressão usada pelo ex-cardeal de Milão, Carlo Maria Martini - e abandonar a rigidez que serve mais para afastar que aproximar as pessoas que crêem, mas de consciências abertas à compreensão, tolerância e respeito.
O que se deseja é que as Hierarquias Católicas não pretendam encerrar as nossas consciências numa camisa-de-forças de marca fundamentalista. Nos tempos de hoje, isso, sim, seria intolerável.
Alda M. Maia
2 Comments:
Custa-me que a igreja católica se encontre num momento de evidente recuo em termos de abertura. Não sou crente contudo é inegável a influência da Igreja enquanto instituição. Essa influência(que em muitos casos poderia ser muito positiva)nunca deveria atravessar-se ao poder secular. Os estados laicos são isso mesmo e têm a obrigação de legislar para crentes de todos os tipos de crenças e não crentes.
A verdade porém é que a Igreja se tem revelado cada vez mais fundamentalista. É pena. Penso que só terá a perder. As pessoas, mesmo crentes, também já sabem pensar sozinhas...
Já reparou que esse fundamentalismo se acentuou con Bento XVI?
Só hoje pude ler o seu comentário e, como bem calcula, estou perfeitamente de acordo com a sua opinião.
Obrigada pela visita
Alda
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