terça-feira, junho 20, 2006

A INDEPENDÊNCIA DA MAGISTRATURA


“Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos às leis”

A magistratura é serva das leis. É independente da interferência, sobretudo, de quaisquer poderes externos

Sempre vi, no campo jurisdicional - “a terceira grande função do Estado”, segundo Gustavo Zagrebelsky – a trave mestra de uma sólida democracia. Trave mestra sempre que este órgão de soberania é eficiente, imparcial, responsável e sem curvaturas de espinha perante outras soberanias de Estado.
Sobretudo, também, quando o espírito da lei é humana e correctamente aplicado.

È triste quando um cidadão não tem confiança na magistratura, isto é, quando duvida da boa aplicação das leis; quando pensa que o seu caso depende do humor de um juiz; ou, então, deva implorar um santo milagreiro para que o seu processo não demore anos à espera de uma sentença.
Quando tudo isto sucede, não se vive numa democracia sã. Se a justiça de um país é vacilante, o progresso desse país é quase nulo.

Não tolero o uso de frases irresponsáveis ou apreciações sarcásticas e arrogantes da parte de personagens – quase sempre políticas – que, frequentemente, não lhes agradando a acção judiciária, se julgam acima da lei.
(No nosso País, felizmente, nunca observei esta pecha).

****

Explodiu, na Itália, o caso escandaloso do filho do Rei Humberto II, o Príncipe Vitório Emanuel, e que agora está na prisão (não é a primeira vez).
O inquérito alargou-se, as escutas telefónicas envolveram pessoas insuspeitáveis ligadas à política. O porta-voz de um ex-ministro e secretário do partido ex-fascista, Aliança Nacional, recebeu mandado de prisão domiciliária.
A arrogância não se fez esperar. Fini, o tal ex-ministro, numa transmissão muito popular e com ar de soberano ultrajado, não se eximiu de proclamar que, aquele Ministério Público, num país sério, já teria mudado de profissão. “Tem muita fantasia investigativa: já de há muito que o CSM deveria tomar providências” - acrescentou
Palavras de perfeita insolência. Ao fim e ao cabo, não foi o Ministério Público que exarou o mandado de prisão. Este apenas investigou, recolheu provas, e que provas! Somente, teve o atrevimento de investigar estas ilustres personagens!

Não foi, porém, o único a criticar arbitrariamente o Ministério Público. Berlusconi, nos seus ataques demagógicos e grosseiros à magistratura, fez escola!

Nas escutas telefónicas, que os vários jornais transcreveram, e transcrevem, em abundância, nota-se uma podridão impressionante! Não somente penal, como moral e ética.
Abrange toda a espécie de actos ilícitos e toda a espécie de personagens e sectores da vida nacional.
O vocabulário do Príncipe é do mais ordinário que se possa imaginar!
Mostra um apetite insaciável por dinheiro. Além disso, um maníaco desenfreado do sexo – na casa dos sessenta, avô, já podia estar mais calminho!...
A avaliar pelo que as escutas revelam, em vez de príncipe, poder-se-ia proclamá-lo Rei, mas dos oportunistas - chamemos-lhes assim!... - e prostitutas. Que esqualidez!

****

Voltando ao princípio deste post, e sempre falando da magistratura, confesso a minha admiração pelo sistema judiciário italiano.
É um sistema que reputo verdadeiramente independente.
Não há separação de carreiras e existe um só Conselho Superior da Magistratura, cujo presidente é o Chefe do Estado. Há anos, aqui em Famalicão, o Prof. Vital Moreira negou-lhe essa competência, mas equivocou-se.
Há bons e maus juízes, como é óbvio, mas os bons atingem a excelência. Quantos morreram vítimas da máfia e das Brigadas Vermelhas!
Devo acrescentar que o estado da Justiça Italiana sempre sofreu dum grave estado, digamos, endémico: a excessiva lentidão dos processos. As razões são várias; espero que o novo Governo estude bem o problema e dê início às reformas necessárias e adequadas.

A propósito dos célebres processos das “mãos limpas”, li certos comentários, nos jornais portugueses, bastante arbitrários e discutíveis. O leitmotiv destas opiniões era sempre o mesmo: os juízes introduziram-se na política e quiseram substituir os políticos.
Não substituíram. Intervieram obrigatoriamente, pois apresentaram-se situações que pertenciam ao foro jurídico. Abriu-se o vaso de pandora, e a corrupção era de tal ordem que se tornou impossível amainar aquela tempestade.
Houve excessos por parte dos juízes, indubitavelmente, mas a pior mancha cabe à política.

Em todos as circunstâncias escabrosas, é sempre a magistratura italiana a intervir e dar ao País o clima de legalidade obscurecido: caso Parmalat; corrupção no mundo desportivo; agora as vadiagens do Príncipe de casa Savoia pelos ambientes da criminalidade, além de tantos outros casos.
Concluindo: é uma magistratura deste género, com todos os seus defeitos, que me agrada e inspira confiança.
Alda M. Maia
.
Corrigenda
Acima, escrevo Savoia na versão italiana; se escrevo em português, a grafia correcta é Sabóia