sexta-feira, junho 03, 2005

HISTÓRIA DE UM REFERENDO E DA DESCIDA EM CAMPO DA IGREJA CATÓLICA

Em 19 de Fevereiro 2004, o Parlamento Italiano aprovou uma lei, muito debatida e contestada, sobre a “procriação medicamente assistida”.
A maioria do governo não aceitou quaisquer emendas ao texto da lei; assim, nasceu o referendo para a revogação de quatro quesitos dessa lei.

No que concerne o primeiro quesito, a lei proíbe a investigação clínica sobre os embriões, o seu congelamento e a clonagem com fins terapêuticos.
O segundo é sobre uma série de restrições, sobretudo a obrigação de criar in vitro apenas três embriões e a obrigação de os transferir no útero materno, mesmo que um dos embriões seja portador de doenças genéticas ou qualquer outra anomalia.
Terceiro quesito: a lei apresenta o embrião com os mesmos direitos legais de uma pessoa – o embrião fecundado é vida, segundo a Igreja Católica, e não pode ser destruído.
Quarto quesito: a lei proíbe a fecundação “heteróloga” – proibida a fecundação com a doação de óvulos ou esperma.

Ao fim e ao cabo, são quatro referendos; efectivamente, são quatro os boletins de voto.
A votação efectuar-se-á nos dias 12 e 13 de Junho (em Itália vota-se no domingo e segunda-feira até às 14h).

A campanha referendária está a tornar-se cada vez mais incandescente. A Igreja Católica resolveu lançar uma ofensiva, com uma tal intensidade, que nem nos tempos da Democracia Cristã ousou tanto. Certamente que tem todo o direito de defender os seus princípios e deve defendê-los. Todavia, o Cardeal Camillo Ruini, presidente da Conferência Episcopal Italiana, em vez de lançar a sua campanha a favor do NÃO à revogação desses quesitos, explicando e insistindo sobre os princípios católicos, decretou a abstenção. Um crente não deve ir votar; muito simplesmente, deve torpedear o referendo com a falta de quórum, visto que o referendo só será válido se votar 50% + 1 dos que têm direito a voto

Na última assembleia geral da Conferência Episcopal, o Papa Bento XVI não falou explicitamente de abstenção, mas manifestou o seu apoia aos bispos “empenhados a iluminar a escolha dos católicos e de todos os cidadãos no próximo referendo”

Ora bem, Santidade: desde que conheço estes pontos – retrógrados e estúpidos - da lei n.º 40 de 19 Fevereiro / 2004, fiquei mais que iluminada: como o meu voto vai por correspondência, partiu no dia seguinte à chegada dos quatro boletins de voto. Nestes quatro boletins, partiram quatro SIM.

Primeiro, porque considero inaceitáveis esses quatro quesitos; segundo, se o voto é o direito número um de uma democracia, não tolero que se faça propaganda a favor da abstenção, pois os princípios e direitos defendem-se com o voto ponderado.

O que me deixa escandalizada é a atitude de muitos parlamentares e ministros (inclusive o presidente do Senado – o segundo cargo do Estado) a proclamarem a intenção de se absterem, apresentando justificações - acerca da abstenção - se não ridículas, acima de tudo inaceitáveis.

Nestas matérias, que cada um vote segundo a própria consciência: com um SIM ou com um NÃO, mas que expressem, nas urnas, as próprias convicções.
A abstenção não é ilegal, indubitavelmente; sob o ponto de vista moral e cívico, acho-a indecente . Muito menos a admito em quem se ocupa da coisa pública.
Alda Maia