APELOS À COMUNIDADE
MUÇULMANA
Finalmente apaga-se a
cautela e lançam-se apelos às comunidades islâmicas que vivem nesta Europa
massacrada por terroristas que se apregoam defensores do Islão.
Ontem, porém, ocorreu
uma reacção inédita e, acrescento, digna do maior ressalto. Quer em França,
quer na Itália, houve a presença de milhares de muçulmanos a assistir à missa,
juntamente com os fiéis católicos, em várias igrejas. Foi um excelente sinal.
Oxalá seja o prelúdio de uma perfeita harmonia de solidariedade e confraternização
entre credos diversos.
Mas voltemos às
mensagens que vão surgindo na imprensa. A primeira tem a data de 24/07/2016. É
da autoria do vice-director do jornal La Stampa, Massimo Gramellini. Alguns extractos:
“Caro muçulmano, os teus irmãos,
agora, somos nós”.
Caro
muçulmano não integralista que vives no Ocidente, sai para a rua. (…) Bem ou mal, o Ocidente acolheu-te, oferecendo-te a possibilidade de
uma vida mais digna do que aquela que te era consentida na terra da qual te
afastaste. Agora és um de nós. O teu irmão não é o camionista de Nice, mas a
criança que as suas rodas esmagaram.
Não podes continuar a negar a evidência e
virar a cara para o outro lado. Ultrapassaste aquele confim subtil que separa a
indiferença da cumplicidade.
(…).
E eis, cabalmente, o
que exprime o prestigiado escritor marroquino Tahar Bem Jelloun:
“A minha carta aos irmãos muçulmanos:
denunciemos quem escolhe o terror”
“O Islão reuniu-nos
na mesma casa, uma nação. Que o queiramos ou não, todos pertencemos àquele
espírito superior que celebra a paz e a fraternidade. No nome “Islão” está
inserida a raiz da palavra “paz”. Mas eis que de há um certo tempo a noção de
paz é traída, lacerada, espezinhada por indivíduos que sustentam pertencer a
esta nossa casa, mas decidiram reconstruí-la sobre bases de exclusão e
fanatismo. Para isto entregam-se ao assassínio de inocentes. Uma aberração, uma
crueldade que nenhuma religião permite.”
“Hoje superaram uma
linha vermelha: entrar na igreja de uma
pequena cidade da Normandia e agredir um ancião, um padre, degolá-lo como
um cordeiro, repetir o gesto sobre uma outra pessoa, deixando-a por terra no
seu sangue entre a vida e a morte, gritar o nome de Daesh e depois morrer. É
uma declaração de guerra de novo género, uma guerra de religião. Sabemos quanto
pode durar e como acabará. Mal, muito mal.”
Portanto, após os
massacres de 13 de Novembro em Paris, a carnificina de Nice e outros crimes
individuais, somos todos chamados a reagir: a comunidade muçulmana dos
praticantes e de quem o não é; vós e eu; os nossos filhos; os nossos vizinhos.
Não basta insurgir-se
verbalmente, indignar-se mais uma vez e repetir que “isto não é o Islão”. Já não
é suficiente e, sempre com maior frequência, não somos credíveis, quando dizemos que o
Islão é uma religião de paz e tolerância.
Já não podemos salvar
o Islão… ou talvez, se queremos restabelecê-lo na sua verdade, na sua história
e demonstrar que o Islão não é degolar um sacerdote, então saiamos em massa
para a rua e unamo-nos sob a mesma mensagem: libertemos o Islão das garras de Daesh. Temos medo, porque sentimos
raiva. Mas a nossa raiva é o início de uma resistência, isto é, de uma mudança
radical do que é o islão na Europa.
Se a Europa nos
acolheu, é porque tinha necessidade da nossa força trabalho. Se em 1975 a
França decidiu a junção familiar, fê-lo para dar um rosto humano à imigração.
Consequentemente, devemos adaptar-nos ao direito e às leis da República; renunciar
a todos os sinais provocatórios de pertença à religião de Mohamed. Não temos
necessidade de obrigar as nossas mulheres a cobrir-se como fantasmas negros
que, em público, assustam as crianças; não temos o direito de impedir a um
médico de auscultar uma mulher muçulmana nem de pretender piscinas só para
mulheres. Assim como não temos o direito de deixar agir estes criminosos, se
decidem que a própria vida não tem importância e oferecem-na a Daesh.
Não só: devemos
denunciar quem, entre nós, é tentado por esta aventura criminosa. Não é
delação, mas, pelo contrário, um acto de coragem para garantir a segurança de
todos. Bem sabeis que em cada massacre, entre as vítimas, contam-se muçulmanos
inocentes.
Devemos estar
vigilantes a 360 graus. Logo, é necessário que as instâncias religiosas se
movam e façam apelo a milhões de cidadãos pertencentes à casa do Islão, crentes
ou menos, para que saiam a público e
denunciar em voz alta este inimigo; para
dizer que quem degola um padre faz escorrer o sangue do inocente na face do
Islão.
Se continuamos a
olhar passivamente o que se está a tramar diante de nós, mais tarde ou mais
cedo seremos cúmplices destes assassinos. Pertencemos à mesma nação, mas não por
isto somos “irmãos”. Hoje, todavia, para provara que vale a pena pertencer à
mesma casa, à mesma nação, devemos reagir. De contrário, nada mais nos resta do
que fazer as malas e regressar ao país natal. – Tahar Bem Jelloun; La Repubblica – 27 / 07 / 2016
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