1944: PASSARAM 72 ANOS
AS FERIDAS MANTÊM-SE VIVAS.
Na semana passada, praticamente toda a imprensa
italiana deu voz a uma geral indignação contra a entrega de uma medalha de
honra, no Município alemão de Engelsbrand (Land Baden-Wuerttemberg) a um ex-nazi que fora condenado na Itália, à revelia,
a prisão perpétua: Wilhelm Kusterer.
Motivação explicativa da medalha solenemente conferida pelo presidente da
Câmara: “É um cidadão que prestou grandes
serviços ao seu concelho de origem; um cidadão activo e íntegro de Engelsbrand”.
Na Itália, as feridas ressentiram-se, as chagas reabriram.
Da última Guerra Mundial, a Itália conserva tremendas recordações,
sempre vivas, das atrocidades praticadas pelos nazis. Mas não apenas nazis,
pois em algumas destas barbaridades houve a colaboração de fascistas locais.
O principal símbolo destas tragédias é o concelho de Marzabotto, região metropolitana de Bolonha,
onde a população civil de quase todo aquele território, de Setembro a Outubro
de 1944, foi vítima de um terrível massacre cuja único motivo foi o cruel prazer de exterminar
quantos seres humanos os nazis encontrassem, quer nas próprias casas ou em
qualquer outro lugar, deixando, desse rastreio, um horripilante espectáculo de
morte e ruínas.
Morreram cerca
de 1150 pessoas: homens, mulheres, crianças.
O carrasco que dirigiu esta mortandade foi,
precisamente, o ex-SS Wilhelm Kusterer,
o íntegro cidadão de Engelsbrand, condecorado pelo presidente da Câmara daquele
concelho alemão e que, com certeza, ou desconhecia o motivo da sentença dos
Tribunais Militares italianos ou considerava-o um herói, o que já não seria o
primeiro caso.
“Reza a história que, entre as vítimas de Marzabotto,
95 tinham menos de 16 anos; 110 eram crianças abaixo de 10 anos; 15 tinham
menos de 1 ano: o mais novinho contava apenas duas semanas.
Por muitos conhecimentos que tenhamos sobre dramas
deste género e similares, sempre que são evocados, o sentido do horror conserva
o mesmo grau de intensidade. Arrepiam.
A notícia da condecoração veio no jornal alemão “Pforzheimer
Zeirung”. Na Itália, alguém a leu na Internet. Imediatamente deu o alarme; partiu
uma forte reacção.
Walter Cardi,
presidente do “Comité Honras aos Mortos de Marzabotto” e primo da pequenina
vítima de duas semanas, ficou furibundo e, acto contínuo, chamou o Procurador
do Tribunal Militar de Roma, Marco De Paolis. Este procurador da república, com
grande tenacidade, conseguira condenar, à revelia, 57 criminosos de guerra nazis.
Esclareceu que “nenhuma destas sentenças jamais foi executada pela Alemanha e pela
Áustria”.
O mesmo Walter Cardi dirigiu-se ao Governo alemão e ao
embaixador da Alemanha na Itália: “Tirai
aquela medalha ao carrasco de Marzabotto”.
“Desejaria que a Chanceler aceitasse o convite de vir a
Marzaboto este ano, no aniversário do massacre. Fazer o que fez, em 2002, o
presidente da República Johannes Rau que pediu desculpa”.
As reacções italianas, todavia, provieram de várias
entidades, sobretudo das regiões mais afectadas por aquele crime de guerra.
Consideram a medalha a Kusterer um ultraje às vítimas, aos familiares e à
região onde os nazis perpetraram um massacre sem justificação. Crueldade e
violência pela violência, nunca é de mais repeti-lo.
Em 2012, Martin
Shulz, presidente do Parlamento Europeu, visitou a comunidade de Marzabotto.
Confessou que se sentiu chocado com a brutalidade dos nazis, acrescentando: Depois de tudo o que sucedeu, é um milagre
ser acolhido como um amigo. Por esta dádiva, porque a considero uma dádiva,
ser-vos-ei grato por toda a minha vida”.
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