MAS NEM TODOS SÃO
LACAIOS
Li com muita atenção
o artigo, “O soberano e os lacaios”, do
professor catedrático jubilado, Mário Vieira de Carvalho, publicado, ontem, no
jornal Público.
O Sr. Professor
indicava “esse soberano a quem chefes de
Estado e de Governo devem vergar-se como lacaios”, isto é, o capital financeiro.
«É
ele que hoje encarna, mudando apenas de roupagem, o modo de governação do
antigo regime: l’état c’est moi”.
Denúncias semelhantes
têm sido publicadas, com grande regularidade e objectividade, nos mais diversos
meios de informação. Qual a reacção da classe política, aquela classe que
ambiciona e apregoa querer gerir e equilibrar com equidade todos os interesses
e bem-estar dos vários países?
Por que razão deixa
esse capital financeiro à rédea solta para uma engorda ávida de poucos e magreza
deprimente dos muitos? Por que não intervém, equilibrando, justamente, o
interesse de todos e regularizando as correrias selvagens desse mundo
financeiro sem escrúpulos nem preocupações sociais e que tem como pensamento
único a acumulação de dinheiro?
Para que serve,
insisto, esta classe de eleitos? Precisamente, como diz o Prof. Vieira de Carvalho,
para tudo subordinar à vontade do tal soberano, impondo “as tão badaladas
reformas estruturais e austeridade”. Obviamente, usando uma roupagem do século
XXI que se chama Pacto Orçamental.
Ademais, e agora entro na
União Europeia, os puristas a quem tal estado de coisas tem favorecido
economicamente – Alemanha, Holanda, Áustria, por exemplo - têm sido os maiores inimigos
de qualquer flexibilidade que ajude a resolver ou atenuar problemas graves como
o desemprego e recessão económica.
Lacaios ou oportunistas?
Oportunistas. Os lacaios são outros Estados-membros da União; e Portugal é um
deles, infelizmente.
Mas
nem todos são lacaios.
Ainda bem que há um refilão florentino que não se curva, quando defende os
interesses do seu País. Refiro-me a Matteo Renzi, Primeiro-ministro italiano.
Neste último vértice do Conselho Europeu, perante
a insistência de Renzi contra os burocratismos europeus nos vínculos orçamentais,
pedindo uma maior flexibilidade, a Senhora Merkel pontificou: “ Já concedemos muito, deveis contentar-vos.
Não podemos ser mais explícitos”.
Reacção imediata de
Renzi: “Não os ultrapassaremos, como a
Alemanha em 2003, mas pretendemos clareza. Quem faz as reformas deve ter
direito à flexibilidade”.
Embora a Chanceler
alemã não tivesse esperado uma alfinetada daquele género, ficaram bons amigos e
consultam-se frequentemente.
É preciso não
esquecer que a Itália, segundo Eurostat, “vale 12% da inteira União Europeia no
que concerne o PIB e está perfeitamente na média para uma série de importantes parâmetros
económicos. Com a excepção (negativa) da dívida pública”.
Nunca pediu nada à
Europa e é um dos principais financiadores da União. Precisa de reformas, sobretudo
políticas, burocráticas e institucionais, que a façam regressar a um novo
milagre económico. Tem capacidade para isso.
Inicia-se o semestre
de presidência italiana da União Europeia. Oxalá Matteo Renzi
contribua para uma União mais atenta ao crescimento económico e combate ao
desemprego do que à doentia imposição de pactos orçamentais, principal causa de
um agravamento da crise.
Quanto ao servilismo
do Governo português, está bem à vista nas cimeiras onde se discutem as causas da
recessão económica, os défices e as dívidas soberanas dos Estados-membros.
Máxima atenção e
respeito pelos equilíbrios orçamentais, sem dúvida, mas jamais esquecendo as
consequências sociais que uma austeridade seca e desumana pode criar.
Aquando da troika, o
que sempre me enojou foi a subserviência do nosso Governo no que concerne os
actos e objectivos que deveria enfrentar e resolver. Uma subserviência que,
francamente, me pareceu abjecta.
Não teria sido muito mais
digno ter explicado àqueles representantes dos credores, de uma forma honesta - mas clara e explícita - que um Governo competente conhece os cidadãos e as
realidades do seu país, logo, e melhor do que ninguém, sabe como e onde agir, o
que privatizar ou não privatizar, a fim de endireitar as contas públicas e
respeitar os seus encargos. Pode aceitar conselhos; jamais ordens ou
imposições. Foi isto o que aconteceu?
Não, não aconteceu nem poderia
acontecer. E por várias razões: não era nem é competente; não tem preparação nem
experiência institucional para assegurar com firmeza que conhece as gentes
portuguesas, os seus problemas, a realidade social e económica do país. Não
tinha, portanto, aquela autoridade que, além da competência, uma séria e alta formação
política concede a quem administra a coisa pública.
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