segunda-feira, junho 30, 2014

MAS NEM TODOS SÃO LACAIOS

Li com muita atenção o artigo, “O soberano e os lacaios”, do professor catedrático jubilado, Mário Vieira de Carvalho, publicado, ontem, no jornal Público.
O Sr. Professor indicava “esse soberano a quem chefes de Estado e de Governo devem vergar-se como lacaios”, isto é, o capital financeiro.
«É ele que hoje encarna, mudando apenas de roupagem, o modo de governação do antigo regime: l’état c’est moi”.

Denúncias semelhantes têm sido publicadas, com grande regularidade e objectividade, nos mais diversos meios de informação. Qual a reacção da classe política, aquela classe que ambiciona e apregoa querer gerir e equilibrar com equidade todos os interesses e bem-estar dos vários países?

Por que razão deixa esse capital financeiro à rédea solta para uma engorda ávida de poucos e magreza deprimente dos muitos? Por que não intervém, equilibrando, justamente, o interesse de todos e regularizando as correrias selvagens desse mundo financeiro sem escrúpulos nem preocupações sociais e que tem como pensamento único a acumulação de dinheiro?

Para que serve, insisto, esta classe de eleitos? Precisamente, como diz o Prof. Vieira de Carvalho, para tudo subordinar à vontade do tal soberano, impondo “as tão badaladas reformas estruturais e austeridade”. Obviamente, usando uma roupagem do século XXI que se chama Pacto Orçamental.

Ademais, e agora entro na União Europeia, os puristas a quem tal estado de coisas tem favorecido economicamente – Alemanha, Holanda, Áustria, por exemplo - têm sido os maiores inimigos de qualquer flexibilidade que ajude a resolver ou atenuar problemas graves como o desemprego e recessão económica.
Lacaios ou oportunistas? Oportunistas. Os lacaios são outros Estados-membros da União; e Portugal é um deles, infelizmente.

Mas nem todos são lacaios. Ainda bem que há um refilão florentino que não se curva, quando defende os interesses do seu País. Refiro-me a Matteo Renzi, Primeiro-ministro italiano.

 Neste último vértice do Conselho Europeu, perante a insistência de Renzi contra os burocratismos europeus nos vínculos orçamentais, pedindo uma maior flexibilidade, a Senhora Merkel pontificou: “ Já concedemos muito, deveis contentar-vos. Não podemos ser mais explícitos”.
Reacção imediata de Renzi: “Não os ultrapassaremos, como a Alemanha em 2003, mas pretendemos clareza. Quem faz as reformas deve ter direito à flexibilidade”.
Embora a Chanceler alemã não tivesse esperado uma alfinetada daquele género, ficaram bons amigos e consultam-se frequentemente.

É preciso não esquecer que a Itália, segundo Eurostat, “vale 12% da inteira União Europeia no que concerne o PIB e está perfeitamente na média para uma série de importantes parâmetros económicos. Com a excepção (negativa) da dívida pública”.
Nunca pediu nada à Europa e é um dos principais financiadores da União. Precisa de reformas, sobretudo políticas, burocráticas e institucionais, que a façam regressar a um novo milagre económico. Tem capacidade para isso.  

Inicia-se o semestre de presidência italiana da União Europeia. Oxalá Matteo Renzi contribua para uma União mais atenta ao crescimento económico e combate ao desemprego do que à doentia imposição de pactos orçamentais, principal causa de um agravamento da crise.

Quanto ao servilismo do Governo português, está bem à vista nas cimeiras onde se discutem as causas da recessão económica, os défices e as dívidas soberanas dos Estados-membros.
Máxima atenção e respeito pelos equilíbrios orçamentais, sem dúvida, mas jamais esquecendo as consequências sociais que uma austeridade seca e desumana pode criar.

Aquando da troika, o que sempre me enojou foi a subserviência do nosso Governo no que concerne os actos e objectivos que deveria enfrentar e resolver. Uma subserviência que, francamente, me pareceu abjecta.

Não teria sido muito mais digno ter explicado àqueles representantes dos credores, de uma forma honesta - mas clara e explícita - que um Governo competente conhece os cidadãos e as realidades do seu país, logo, e melhor do que ninguém, sabe como e onde agir, o que privatizar ou não privatizar, a fim de endireitar as contas públicas e respeitar os seus encargos. Pode aceitar conselhos; jamais ordens ou imposições. Foi isto o que aconteceu?

Não, não aconteceu nem poderia acontecer. E por várias razões: não era nem é competente; não tem preparação nem experiência institucional para assegurar com firmeza que conhece as gentes portuguesas, os seus problemas, a realidade social e económica do país. Não tinha, portanto, aquela autoridade que, além da competência, uma séria e alta formação política concede a quem administra a coisa pública.