AMORALIDADE NA POLÍTICA
OLHEM A NOVIDADE!...
E reatemos a conversa.
No dia 8 de Junho, George Bush iniciou a sua visita, de dois dias, a Roma. Toda a cidade, sobretudo onde deveria passar o Presidente americano, estava, praticamente, blindada: os sólitos contestatários anunciavam, rumorosamente, manifestações contra a presença de Bush.
Várias ruas foram fechadas ao trânsito e este tornou-se caótico.
Um senador da República, Gustavo Selva, precisamente nessa altura, deveria chegar aos estúdios televisivos da estação “La 7”, a fim de participar num debate político para que fora convidado.
Como não conseguia mover-se, quer em táxi ou qualquer outro meio de transporte, preocupado com o atraso, decidiu recorrer a uma ambulância de emergência que ali estacionava, fingindo que não se sentia bem – problema cardíaco. Os médicos de serviço, naturalmente, prestaram-lhe as atenções devidas, cuidados médicos que o paciente recebeu, mesmo até com uma certa arrogância, sobretudo em relação aos enfermeiros.
Passados os momentos de primeiro socorro, o “Onorevole Senatore” deu o endereço dos estúdios televisivos e o pessoal da ambulância, ignaro da mistificação a que fora submetido, partiu, na convicção de que se dirigia para o consultório do seu cardiologista.
Assim, Gustavo Selva, ex-jornalista RAI, chegou a tempo para exprimir a sua “competentíssima” opinião no debate televisivo: “custos da política e privilégios dos parlamentares”.
Somente que, a meio do programa, aludiu, pública e candidamente (ou estúpida e arrogantemente?), à artimanha a que recorreu, lembrando-se dos seus tempos de jornalista, a fim de chegar a tempo ao início do debate
O que o senador não previu foram as fortes reacções escandalizadas dos demais colegas – já não falando do público em geral.
Num gesto “nobre”, enviou carta de demissão ao Presidente do Senado.
Há dias, o volte-face: não, senhor, não há cá demissões nem meias demissões. Atendendo aos “muitos e-mails recebidos e mensagens de apoio” (?), Gustavo Selva retira o pedido de demissão e fica “a cumprir o seu dever”.
Um dever heróico! A República é generosíssima na compensação material deste género de dever: quer em altas mensalidades; quer em múltiplas regalias.
O partido a que pertencia – Aliança Nacional - não gostou nem aprovou esta atitude.
O “onorevole” Selva não ficou perturbado: transmigrou para o partido “Força Itália”, onde o receberam condignamente.
Por onde andará a dignidade deste homenzinho?
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OS INFORTÚNIOS DE UM DEPUTADO
Cósimo Mele, 50 anos, casado, três filhos, proveniente da província de Bríndisi e na qual foi eleito, dentro do partido UDC (União dos Democratas Cristãos e de Centro), para a Câmara dos Deputados.
Aqui já se fala de um “Onorevole Deputato”!
Nos últimos dias de actividade parlamentar, antes de se entrar em férias, nos dias 28/29 de Julho, a Câmara Baixa votou, definitivamente, a reforma da Justiça e as votações prolongaram-se até altas horas da madrugada.
Desconheço se Cósimo Mele se manteve no Parlamente por tanto tempo. Presumo que fez gazeta, visto que foi jantar a um bom restaurante na companhia de um amigo e, em seguida, acompanhado por uma prostituta de classe, (falam de duas), instalou-se numa suite do Hotel Flora na célebre Rua Véneto (Via Veneto). Embora tivesse casa montada em Roma, “ et pour cause”, foi para o luxuoso Hotel Flora.
O festim decorreu à base de álcool e droga. A um certo ponto, a companheira da noitada sentiu-se mal por overdose. O Sr. Deputado pressentiu o escândalo, tergiversou, sem saber o que devia fazer à vida dele, até que chamaram uma ambulância e levaram a rapariga, às oito horas da manhã, para o Hospital.
Imediatamente, correram vozes que o caso envolvia um parlamentar. Não teve outra escolha senão confessar que era ele, Cósimo Mele, o herói do acontecimento.
“Para não prejudicar o partido”, apresentou a sua demissão ao secretário do mesmo. Esclareçamos: demitiu-se do partido, não do cargo parlamentar!
Ingressou no “Grupo Misto” da Câmara – pelos vistos, este grupo misto é o refúgio dos que sentem o rabinho colado às poltronas.
A parte cómica veio depois. O secretário do CDU, Lorenzo Cesa, sempre grande defensor da família e dos valores católicos – aliás, aquele partido pretende distinguir-se por paladino indefesso das virtudes - justificando Cósimo Mele, alvitrou: “Fala-se tanto dos custos da política, mas é necessário pagar mais a um parlamentar para que a família o acompanhe nas suas permanências em Roma. A vida de um parlamentar é dura e a solidão é uma coisa séria”.
Em conclusão, os deputados que se deslocam a Roma, deixando a família em casa, precisam de mais dinheiro.
Segundo os mais indiscretos, a tarifa da prostituta foi de 500 euros; à outra, que não se sabe como apareceu em cena, deu 300€.
Desencadeou-se outro vespeiro!
O presidente da Câmara, Bertinotti, classificou esta proposta como “privilégio imoral”.
Não somente imoral, como amoral e ridículo.
O sarcasmo nos jornais, generalizado, foi implacável.
O que mais me divertiu e me provocou sonoras gargalhadas foi um editorial de Francesco Merlo, no jornal “La Repubblica” do dia 31 de Julho: “O deputado, a rameira e as ajudas de custo de abstinência”
O Sr. Secretário Cesa, agora, dá o dito por não dito.
Quanto ao deputado infeliz nas aventuras amorosas, que deu explicações muito atabalhoadas; que deplorou a situação de como enfrentar a mulher e os filhos; que declarou que o acontecido não tinha nada que ver com os valores da família e que nem por isso deixaria de ser um bom pai e um bom marido, só porque depois de cinco dias, fora de casa, não quis perder uma ocasião - chamemos-lhe “uma ocasião”!... O Sr. Cósimo Mele, concluindo, está a ser investigado por “cessão de droga e omissão de socorro”. Em palavras correntes: fornecimento de droga e indiferença perante o perigo de vida que corria a prostituta. O que o mais preocupou, em tão inesperado percalço, era a salvaguarda da sua posição de “onorevole deputato”.
Preocupação inútil para um deputado muito pouco “onorevole”!
Moral da história? Disgusting!
Alda M. Maia