MAS QUE “CAGNARA”!
Cagnara, vocábulo italiano que, no sentido próprio, significa latido de muitos cães juntos; em sentido figurado (o de maior uso): confusão, barafunda, vozearia descontrolada ou discussões rumorosas que somente traduzem a vontade de quem deseja falar mais alto.
Mesmo para aquela percentagem dos habituais indiferentes a quaisquer manifestações cívicas, até mesmo para esses, torna-se impossível não seguir a campanha sobre a despenalização do aborto.
Devo dizer que não apresenta aspectos de uma campanha, mas de uma “cruzada”: desde os tons apocalípticos às excomunhões, aos hinos à liberdade, à sacralidade da vida, e por aí adiante, não há “princípios” que não sejam arremessados contra quem manifeste ideias opostas.
Investida por esta balbúrdia de vozes, o primeiro termo que me ocorreu foi, precisamente, “cagnara” (canhara). Sinceramente, não me merece outro.
Sempre esperei que a campanha ora em curso, dada a delicadeza do tema, se desenvolvesse em forma moderada, a meio tom, embora com o máximo empenho de quem nela quis participar e recorrendo a argumentações sérias sobre as várias interpretações que a caracterizam.
No entanto, onde deveria esclarecer-se perplexidades, instalaram-se raciocínios que não provêm nem são elaborados pela consciência e bom senso, mas pela exacerbação de princípios ou fundamentalismos religiosos.
Paralelamente, quando se usa, como argumento central, a inteira liberdade de quem deve decidir, descura-se o dramatismo do caso.
O referendo quer determinar a despenalização, ou não, da interrupção voluntária da gravidez, dentro de certas condições e por opção da mulher.
É óbvio que há mulheres frívolas, levianas, cujo egoísmo e insensibilidade sufocam os demais sentimentos. Para estas, consequentemente, o aborto significa libertarem-se de um empecilho. Mulheres deste género são a excepção e, penalizações ou não penalizações, o aborto efectuá-lo-ão desenvoltamente: na clandestinidade ou em clínicas privadas, dentro ou fora do país; nada as demoverá, nada as comoverá.
Falemos, portanto, daquela generalidade que não é frívola nem leviana.
Sobre a sacralidade da vida humana, partindo do embrião, parece-me que se usa e abusa de uma ênfase mais próxima da intransigência religiosa que de uma análise sem preconceitos.
Quando leio ou escuto insistentes referências à consciência, penso imediatamente na consciência de quem teve ou deve abortar. Estas mulheres também têm uma consciência, não é necessário que outrem a sinta por elas. Certamente que pensarão no ser que começou a desenvolver-se no próprio ventre: um filho! Se decidiram interromper a gravidez, circunstâncias graves se impuseram e o drama não deixa de ser parte incindível de tal opção.
Assim, é-me impossível conter a sensação de repugnância defronte a acções penais onde, normalmente, existem decisões traumáticas. É-me impossível não sentir um desagradável mal-estar perante criminalizações em vez de auxílio moral e comparticipação numa escolha tão dolorosa.
Se o sim predominar, espero que se criem consultórios de aconselhamento, obrigatórios, a fim que todos os esclarecimentos sejam dados e toda a ajuda, nessa escolha, seja prestada por pessoas idóneas e bem preparadas.
Evidentemente que votarei SIM à despenalização do aborto; e sem a mínima hesitação.
****
Em caso de dúvida, o Sr. Cardeal-patriarca de Lisboa aconselhou a abstenção. Não me parece um alvitre digno de uma cidadania consciente.
Nunca experimentei simpatia pela renúncia a um dever e direito, exclusivos de cidadãos livres e responsáveis da harmonia da vida cívica do país onde vivem.
Nasci e cresci dentro de uma ditadura. A democracia restituiu-me este direito de participar e contribuir, com o meu voto livre, para um desenvolvimento moderno, próspero e equilibrado do nosso País, isto é, um desenvolvimento que nunca se desvie das mais puras regras democráticas.
De tal direito nunca abdicarei.
Cagnara, vocábulo italiano que, no sentido próprio, significa latido de muitos cães juntos; em sentido figurado (o de maior uso): confusão, barafunda, vozearia descontrolada ou discussões rumorosas que somente traduzem a vontade de quem deseja falar mais alto.
Mesmo para aquela percentagem dos habituais indiferentes a quaisquer manifestações cívicas, até mesmo para esses, torna-se impossível não seguir a campanha sobre a despenalização do aborto.
Devo dizer que não apresenta aspectos de uma campanha, mas de uma “cruzada”: desde os tons apocalípticos às excomunhões, aos hinos à liberdade, à sacralidade da vida, e por aí adiante, não há “princípios” que não sejam arremessados contra quem manifeste ideias opostas.
Investida por esta balbúrdia de vozes, o primeiro termo que me ocorreu foi, precisamente, “cagnara” (canhara). Sinceramente, não me merece outro.
Sempre esperei que a campanha ora em curso, dada a delicadeza do tema, se desenvolvesse em forma moderada, a meio tom, embora com o máximo empenho de quem nela quis participar e recorrendo a argumentações sérias sobre as várias interpretações que a caracterizam.
No entanto, onde deveria esclarecer-se perplexidades, instalaram-se raciocínios que não provêm nem são elaborados pela consciência e bom senso, mas pela exacerbação de princípios ou fundamentalismos religiosos.
Paralelamente, quando se usa, como argumento central, a inteira liberdade de quem deve decidir, descura-se o dramatismo do caso.
O referendo quer determinar a despenalização, ou não, da interrupção voluntária da gravidez, dentro de certas condições e por opção da mulher.
É óbvio que há mulheres frívolas, levianas, cujo egoísmo e insensibilidade sufocam os demais sentimentos. Para estas, consequentemente, o aborto significa libertarem-se de um empecilho. Mulheres deste género são a excepção e, penalizações ou não penalizações, o aborto efectuá-lo-ão desenvoltamente: na clandestinidade ou em clínicas privadas, dentro ou fora do país; nada as demoverá, nada as comoverá.
Falemos, portanto, daquela generalidade que não é frívola nem leviana.
Sobre a sacralidade da vida humana, partindo do embrião, parece-me que se usa e abusa de uma ênfase mais próxima da intransigência religiosa que de uma análise sem preconceitos.
Quando leio ou escuto insistentes referências à consciência, penso imediatamente na consciência de quem teve ou deve abortar. Estas mulheres também têm uma consciência, não é necessário que outrem a sinta por elas. Certamente que pensarão no ser que começou a desenvolver-se no próprio ventre: um filho! Se decidiram interromper a gravidez, circunstâncias graves se impuseram e o drama não deixa de ser parte incindível de tal opção.
Assim, é-me impossível conter a sensação de repugnância defronte a acções penais onde, normalmente, existem decisões traumáticas. É-me impossível não sentir um desagradável mal-estar perante criminalizações em vez de auxílio moral e comparticipação numa escolha tão dolorosa.
Se o sim predominar, espero que se criem consultórios de aconselhamento, obrigatórios, a fim que todos os esclarecimentos sejam dados e toda a ajuda, nessa escolha, seja prestada por pessoas idóneas e bem preparadas.
Evidentemente que votarei SIM à despenalização do aborto; e sem a mínima hesitação.
****
Em caso de dúvida, o Sr. Cardeal-patriarca de Lisboa aconselhou a abstenção. Não me parece um alvitre digno de uma cidadania consciente.
Nunca experimentei simpatia pela renúncia a um dever e direito, exclusivos de cidadãos livres e responsáveis da harmonia da vida cívica do país onde vivem.
Nasci e cresci dentro de uma ditadura. A democracia restituiu-me este direito de participar e contribuir, com o meu voto livre, para um desenvolvimento moderno, próspero e equilibrado do nosso País, isto é, um desenvolvimento que nunca se desvie das mais puras regras democráticas.
De tal direito nunca abdicarei.
Alda M. Maia
4 Comments:
Nesta terra acontecem episódios inenarráveis. No Domingo passado subíamos a rua Adriano, no passeio que distribuía papelinhos do Sim. No outro lado, a descer, cruzou-se connosco, de bandeiras negras a acenar, a comitiva do Não. No meio da rua, descia uma caravana automóvel da mesma cor negra. Foi quando aquilo apareceu. Trajava de preto, tinha na mão a bandeira preta e montava uma mota preta; onde instalara, apontando para o passeio ( para ser rigoroso, o passeio onde seguiam os de bandeira negra), uma metralhadora preta. Não vou tomar a parte pelo todo, nem afirmar que a arma era verdadeira. O certo, certo, é que a criatura desfilava pela rua abaixo, apregoando a defesa da Vida. Só que não sei de quem!
Ah, esqueci-me há pouco de dizer (embora se subentenda),que também alinho, como de resto é uso, nesse plebeíssimo acto de votar. Não esqueço as muitas vezes que tivemos as autoridades fascistas à perna, quando nos limitávamos a apelar ao recenseamento eleitoral! Vou votar Sim. Muito simplesmente, Sim!
Não sei o que se passa com a mecânica dos comentários. Dou o nome de utente e password: a resposta é que o password não está correcto. Se nem no meu próprio blogue estes dados não são aceites, francamente, não percebo a que princípios obedecem.
Ciao, Manel!
Obrigada pelas suas considerações.
Só tenho pena não ter assistido à cena que descreve!
Alda
Ah! percebi agora. Devo dar outros dados. Que complicações!
Alda
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