segunda-feira, dezembro 14, 2015

DITADO QUOTIDIANO
NAS ESCOLAS DO 1.º CICLO

Que diriam os ilustres reformadores dos sistemas de ensino se fosse obrigatório um ditado por dia nas nossas escolas de ensino primário?
Cairia o Carmo e a Trindade ou limitar-se-iam a reacções de desdém, perante uma medida que talvez crêem ultrapassada?

O Ministro da Educação francês, Najat Vallaud-Belkacem, explicando em Setembro passado os novos programas escolares de 2016 (ano lectivo 2015/2016), elucidou que, em todas as escolas elementares de França, “Haverá um ditado quotidiano”. E acrescentou: “Este sistema permitirá garantir uma base sólida para todos os estudantes e isto passa, necessariamente, através de uma aprendizagem quotidiana, entre as quais um ditado. Hoje, a coisa essencial é o domínio da língua”.

Podemos discordar desta concepção sobre o sistema que garantirá uma “base mais sólida” na aprendizagem da língua? Eu não discordo. E atenho-me à minha experiência.
Um ditado que jamais seja apresentado como uma leitura monótona de palavras, mas sim uma apresentação viva de vocábulos que formam sentido e aberto a todas as regras ortofónicas, ortográficas, gramaticais, adequada e diligentemente esclarecidas, penso que seja uma das lições mais completas sobre a língua materna que ensinamos.

O autor desta crónica – Paolo Levi, em La Stampa de 18/09/2015 – escrevendo sobre a “péssima relação” que os franceses têm com a própria língua, citou as palavras de Pascal Hostachy: “Os franceses dominavam 51% das regras gramaticais de base, em 2010; hoje, esta percentagem desceu para 45%. Seis pontos menos em apenas cinco anos”.
Quer no ambiente empresarial, quer no mundo político e outros sectores onde se esperaria maior conhecimento, as ofensas à gramática francesa são frequentes.

Enquanto lia estas e outras informações, ia meditando sobre o estado da língua portuguesa. Se a língua francesa tem, efectivamente, uma gramática complexa em todas as suas divisões, a língua portuguesa não é menos rica.
Qual será, então, a percentagem de portugueses que dominam as regras gramaticais básicas?
Se olharmos para a conjugação dos verbos, é um desastre, e não temo exagerar. O conjuntivo – sobretudo o tempo do presente - ou é visto como um enigma ou é um ilustre desconhecido.

O actual abusadíssimo você/vocês apenas se usava no trato familiar; evitado num registo de língua corrente, jamais no registo cuidado. Hoje, é soberano.
A TV nacional não se cansa de o exibir: “este sinal que deram a vocês”; “nós falámos a vocês deste caso” … Enfim, paremos.
Não somente me soa desagradável como a expressão de um péssimo português.

Quase adquiro a certeza que esta eleita “língua padrão – o falar de Lisboa - divulgando o você, não é porque queira imitar a versão do português brasileiro: simplesmente, tem dificuldade com a segunda pessoa do plural do presente do conjuntivo e o vocês resolve-lhe o problema. Será assim?
Só tenho pena que o jornal Público, óptimo quotidiano que adquiro diariamente, certas vezes incorra neste mau costume. Na minha opinião, este vocês rouba elegância a bons textos.

Decretou-se que o pronome pessoal vós, e os pronomes complemento relativos, não se usam. Não se usam, onde? Quem deu a estes linguistas, ou pseudolinguistas, o direito de empobrecer a língua que é de todos?
Decretar o falar de Lisboa como língua padrão, e nunca me cansarei de o repetir, é uma ofensa para a maioria dos portugueses. Não aceito esse português de Lisboa como exemplo, pois não é o espelho de um português eufónico e correcto. Os linguistas que assim pensam e ditam opiniões, percorram o país e aprendam o que lhes convém ignorar.

Portugal não necessita de língua padrão, porque os falares variam e todos são dignos de respeito. Que as nossas escolas, de norte a sul, ensinem meticulosamente a pronúncia e gramática da língua materna. Que os meios de comunicação, sobretudo audiovisuais, tenham como prioridade o uso correcto, eufónica e gramaticalmente, da língua portuguesa;serão um dos mais eficazes auxiliares, neste sentido.
Actualmente, o que ouvimos, por vezes não brilha por harmonia e correcção.

Se me é permitido, desejaria que houvesse um jornalista português, culto e amante da sua língua, que, à imagem de um outro jornalista francês, Bernard Pivot, criasse um programa na TV dedicado aos bons conhecimentos gramaticais dos nossos políticos, ditando um texto sobre ortofonia e ortografia.
Em casa, estes fariam as suas correcções e, deste modo discreto, poupar-nos-iam certas calinadas.

Seja bem claro que ninguém está isento de incorrecções. A nossa língua novilatina, como bem sabemos, é complexa. O que não sei encontrar, neste sentido, é a compreensão para as figuras públicas, quando os deslizes são de carácter básico.