DITADO QUOTIDIANO
NAS ESCOLAS DO 1.º
CICLO
Que diriam os ilustres reformadores dos sistemas de ensino se fosse obrigatório um ditado por
dia nas nossas escolas de ensino primário?
Cairia o Carmo e a
Trindade ou limitar-se-iam a reacções de desdém, perante uma medida que talvez
crêem ultrapassada?
O Ministro da
Educação francês, Najat Vallaud-Belkacem, explicando em Setembro passado os
novos programas escolares de 2016 (ano lectivo 2015/2016), elucidou que, em
todas as escolas elementares de França, “Haverá um ditado quotidiano”. E
acrescentou: “Este sistema permitirá
garantir uma base sólida para todos os estudantes e isto passa,
necessariamente, através de uma aprendizagem quotidiana, entre as quais um
ditado. Hoje, a coisa essencial é o domínio da língua”.
Podemos discordar
desta concepção sobre o sistema que garantirá uma “base mais sólida” na
aprendizagem da língua? Eu não discordo. E atenho-me à minha experiência.
Um ditado que jamais seja apresentado como uma leitura monótona de palavras, mas sim uma apresentação
viva de vocábulos que formam sentido e aberto a todas as regras ortofónicas,
ortográficas, gramaticais, adequada e diligentemente esclarecidas, penso que
seja uma das lições mais completas sobre a língua materna que ensinamos.
O autor desta crónica
– Paolo Levi, em La Stampa de 18/09/2015 – escrevendo sobre a “péssima relação”
que os franceses têm com a própria língua, citou as palavras de Pascal
Hostachy: “Os franceses dominavam 51% das regras gramaticais de base, em 2010;
hoje, esta percentagem desceu para 45%. Seis pontos menos em apenas cinco
anos”.
Quer no ambiente
empresarial, quer no mundo político e outros sectores onde se esperaria maior
conhecimento, as ofensas à gramática francesa são frequentes.
Enquanto lia estas e
outras informações, ia meditando sobre o estado da língua portuguesa. Se a
língua francesa tem, efectivamente, uma gramática complexa em todas as suas
divisões, a língua portuguesa não é menos rica.
Qual será, então, a
percentagem de portugueses que dominam as regras gramaticais básicas?
Se olharmos para a
conjugação dos verbos, é um desastre, e não temo exagerar. O conjuntivo –
sobretudo o tempo do presente - ou é visto como um enigma ou é um ilustre
desconhecido.
O actual abusadíssimo você/vocês apenas se usava no trato familiar; evitado num registo de língua
corrente, jamais no registo cuidado. Hoje, é soberano.
A TV nacional não se
cansa de o exibir: “este sinal que deram
a vocês”; “nós falámos a vocês deste
caso” … Enfim, paremos.
Não somente me soa
desagradável como a expressão de um péssimo português.
Quase adquiro a
certeza que esta eleita “língua padrão – o falar de Lisboa - divulgando o você, não
é porque queira imitar a versão do português brasileiro: simplesmente, tem
dificuldade com a segunda pessoa do plural do presente do conjuntivo e o vocês resolve-lhe o problema. Será
assim?
Só tenho pena que o jornal
Público, óptimo quotidiano que adquiro diariamente, certas vezes incorra neste mau costume.
Na minha opinião, este vocês rouba
elegância a bons textos.
Decretou-se que o
pronome pessoal vós, e os pronomes
complemento relativos, não se usam.
Não se usam, onde? Quem deu a estes linguistas, ou pseudolinguistas, o direito de
empobrecer a língua que é de todos?
Decretar o falar de
Lisboa como língua padrão, e nunca me cansarei de o repetir, é uma ofensa para a
maioria dos portugueses. Não aceito esse português de Lisboa como exemplo, pois
não é o espelho de um português eufónico e correcto. Os linguistas que assim
pensam e ditam opiniões, percorram o país e aprendam o que lhes convém ignorar.
Portugal não
necessita de língua padrão, porque os falares variam e todos são dignos de respeito. Que as nossas escolas, de norte a sul, ensinem meticulosamente
a pronúncia e gramática da língua materna. Que os meios de comunicação,
sobretudo audiovisuais, tenham como prioridade o uso correcto, eufónica e
gramaticalmente, da língua portuguesa;serão um dos mais eficazes
auxiliares, neste sentido.
Actualmente, o que
ouvimos, por vezes não brilha por harmonia e correcção.
Se me é permitido, desejaria
que houvesse um jornalista português, culto e amante da sua língua, que, à imagem de um outro jornalista francês, Bernard
Pivot, criasse um programa na TV dedicado aos bons conhecimentos
gramaticais dos nossos políticos, ditando um texto sobre ortofonia e ortografia.
Em casa, estes fariam as suas
correcções e, deste modo discreto, poupar-nos-iam certas calinadas.
Seja bem claro que ninguém
está isento de incorrecções. A nossa língua novilatina, como bem sabemos, é
complexa. O que não sei encontrar, neste sentido, é a compreensão para as figuras
públicas, quando os deslizes são de carácter básico.
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