segunda-feira, outubro 05, 2015

ESCOLA ONDE SE ENSINA, SERIAMENTE,
A DIFERENÇA ENTRE GOVERNAR E COMANDAR

E insisto no vocábulo “seriamente”, visto que esta diferença entre o governar e comandar, em política, é matéria ambígua que bem poucos sabem ou querem destrinçar, precipitando naqueles abusos que, deliberada e ostensivamente, põem em prática. Obviamente, uma prática encapotada na habitual e oca retórica de “fiel servidor do Estado”.

Enrico Letta, 49 anos, académico italiano, detentor de um vasto e rico currículo político – ministro, ex-primeiro-ministro, eurodeputado, etc. – em Abril 2015 demitiu-se do Parlamento italiano e decidiu dedicar-se à sua carreira de professor do ensino universitário, aceitando o cargo de presidente do “Institut d’Études Politiques de Paris-Sciences PO”.

Abandonou a política activa, mas conservou o seu entusiasmo por tudo o que concerne a política no seu puro e verdadeiro alcance.
Alimentou um sonho do qual nunca desistiu de concretizar: criar uma “escola de políticas” gratuita, aberta aos jovens entre os 19 e os 25 anos “que amem a política e que saibam interiorizar o lema: os carreiristas, aqui, não têm lugar. “Entre os mais jovens, empenhados nos partidos, predomina a corrida para a carreira que impele para o profissionalismo político”.

Não necessitamos de ir a Itália para observarmos tais exemplos. Os nossos jotas, sejam quais forem as bandeiras adoptadas, dão um inegável e vistoso retrato dessas realidades. Mas continuemos.

É uma escola onde estes jovens aprenderão “a diferença mais importante de todas: a diferença entre governar e comandar. Estudar-se-á para que se tornem competentes e rigorosos”
Diz Eurico Letta: “Na Itália ocorrem lugares de construção do pensamento. Isto é, de pensamento pesado. E servem iniciativas de formação para redescobrir que a política é, ainda, a mais nobre das actividades humanas. É dedicação à comunidade e espírito de serviço; é paixão e participação”.

Plenamente de acordo. Como seria feliz se também pudesse ouvir o mesmo, sobre uma iniciativa idêntica, de um Enrico Letta português!

Nasceu então a “ Escola de Políticas”. Será uma academia frequentada por 100 jovens, escolhidos entre 672 concorrentes. Destes 100 participantes, 45 são mulheres e 55 são homens.
“Foram seleccionados sobre a base de critérios de diversidade e inclusão (de género, territorial, estudos, cultura política); de empenho e performance nos estudos; de paixão pela coisa pública”

"As aulas iniciarão no próximo dia 09 deste mês, em Roma: desenvolver-se-ão de 09 de Outubro 2015 a Maio 2016 e articular-se-ão em 3 classes paralelas. As aulas terão lugar todos os fins-de-semana (tendo em conta alunos que ainda estudam ou trabalham). A participação é gratuita e obrigatória e é previsto um empenho de 8 jornadas com uma sexta-feira por mês.
"A Europa, mundo global, filosofia política, economia italiana, inovação, sociedade, bens públicos, comunicação política: estes são alguns dos aprofundamentos didácticos propostos pela escola. Também oferecerá seminários e conferências de personalidades da política italiana ou internacional.” - La Repubblica - de 01 de Outubro, 2015

Relativamente aos professores que prepararão estes jovens, além de Enrico Letta, contar-se-ão mais 50 entre docentes universitários, prestigiados políticos, profissionais liberais, editores, etc. e nos quais avultam nomes internacionais de peso, como Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu; Herman Van Rompuy, presidente emérito do Conselho Europeu; Pascal Lamy, Marc Lazar. Todas estas ilustres personagens ofereceram, gratuitamente, o seu tempo e competências.

“A Europa será um dos temas-chave desta escola que, por sua vez, após o primeiro ano, poderia assumir uma dimensão mais europeia com cursos noutras capitais da União”.
Se assim for, insisto, oxalá que Portugal tenha um rasgo de coragem e consciência necessária para descobrir o que é bom para a Terra Lusa e entusiasmar os nossos melhores cérebros – se é que estes cérebros querem, ao menos uma vez nesta nossa história contemporânea, sair da apatia habitual. 

Porém… ontem votou-se numa jornada de grande ventania. Estes ventos não me auguraram nada de bom. Aguardemos  

 “A ideia fundamental da nossa escola é que neste mundo de uma sempre maior complexidade, interdependência e especialização técnica, a política que quer incidir sobre a realidade, governar e mudar, exige um grau elevado de competência e rigor. Exige, acima de tudo, o discernimento da diferença mais importante de todas: a diferença entre governar e comandar”.

Sublinhei esta parte do documento da fundação da “Escola de Políticas” (políticas, no plural!).
Sublinhando-a, é como se, em sonho, tivesse o dom de gritar e ser ouvida por todo Portugal Continental e Insular estes nobilíssimos princípios, tão miserável vejo o modo de “fazer” política por quem nos comanda e que, apática e acriticamente, aceitamos como governação.