segunda-feira, outubro 12, 2015

E NO RESCALDO DAS ELEIÇÕES
RESCALDEMOS O QUE PENSARAM LÁ FORA

Para mim o “lá fora” incide, em primeiro lugar, sobre o que leio na imprensa italiana. Considero-a de óptima qualidade e nada fica a dever à tão proclamada e subservientemente citada imprensa anglo-saxónica.

Achei deveras interessante a similaridade como três jornais de referência – La Republica, Corriere Della Sera e La Stampa – referiram o mesmo facto observado no nosso país. 
Vejamos:

“(…) Diferentemente de outros países atingidos pela crise, como Espanha e Grécia, em Portugal não surgiu nenhum movimento de protesto do género de Podemos ou Syriza. Pelo contrário, precisamente pelo substancial fracasso do Syriza na eliminação das políticas de austeridade, parece que convenceu a maioria dos eleitores portugueses que não existe alternativa à situação actual; quadro que favoreceria a coligação”. – La Repubblica, 04/10/2015.

“(…) Nestes últimos tempos, em Portugal, aconteceu de tudo: a crise, o assédio da especulação, a chegada da Troika, as intervenções lágrimas e sangue, a salvação do primeiro banco do país e, por fim, a detenção do ex-primeiro-ministro Sócrates.
Em qualquer outro país, por muito menos, teria explodido o inferno. Porém, os portugueses apresentam-se hoje para votar nos mesmos partidos de sempre. Nenhum movimento populista, nacionalista; nenhuma perspectiva para novas formações: tudo congelado”  
“Portugal existe há mais de mil anos com os mesmos confins – comenta Goffredo Adinolfi, politólogo do Instituto Universitário de Lisboa – as elites estão preparadas para controlar a situação. Não há muita mobilidade política, os socialistas de hoje são os netos dos republicanos dos anos trinta. Assim, os movimentos permanecem sem grandes perspectivas”(…) Francesco Olivo, La Stampa - 04 / 10 / 2015  

“(…) Todavia, aqui os «partidinhos novos», que na vizinha Espanha têm revolucionado a arena política, parecem destinados a não conseguir impor-se e a permanecer marginais em relação aos dois partidos que se alternam no poder desde 1981: sociais-democratas do centro-direita e socialistas da esquerda.
O Bloco de Esquerda, «irmão» de Podemos e Syriza, conseguiu ultrapassar o único partido comunista ainda sólido na Europa, mas não atraiu o voto de tantos «desiludidos» que desertaram as urnas”(…) – Sara Gandolfi, Corriere Della Sera – 05 / 10 / 2015

********* 

Decididamente, em política, os portugueses não querem aventuras nem ideias audaciosas e contentam-se com o que já está consolidado. Apáticos em tomar e desenvolver iniciativas bem ponderadas; especializados no resmungo, e com isso se satisfazem. “Mas que querem?… é tudo igual”: este é o estribilho usado para fechar a questão.
Há excepções, e muitas, dentro desse «tudo igual», mas sofrem de indolencite aguda e não sabem – refiro-me aos actores políticos -  ouvir sistemática e instantemente o que pensam e sofrem os seus, todos os seus compatriotas… e tudo fica congelado, conforme a opinião de Francesco Olivo (de La Stampa).

Na revista MicroMega  - “uma revista bimensal de cultura, política, ciência e filosofia” -  li o texto, com data 05/10/2015, de Marcello Sacco (este senhor vive em Lisboa) muito esclarecedor sobre o ambiente político português. Descreve as eleições, informa sobre os resultados, elucida a respeito das personagens intervenientes, dos costumes e tendências dos portugueses. Objectivo e nunca exagerado.
Traduzo alguns excertos

“No ensaio «A Estrada de Wigan Pier», George Orwell pergunta a si mesmo por que razão, se o Socialismo é um bem para grande parte da humanidade, grande parte da humanidade não seja socialista.
As eleições legislativas de domingo passado, em Portugal, apresentam o reverso daquela dúvida, uma pergunta símile, mas já menos ambiciosa: se um governo, de facto controlado pela Troika durante três anos sobre quatro do próprio mandato, governou contra grande parte da população, porquê essa mesma população não o manda para casa, democraticamente, quatro anos depois? A resposta talvez contradiga um slogan do agrado de movimentos como Occupy Wall Street. Seremos o 99% da população mundial contra o 1%, todavia, aquela massa maioritária informe está bem longe de ser compacta: permiti que vo-lo digam os portugueses”.

“Paradoxalmente, o mais liberal era o partido socialista. E paradoxalmente, apresentando-se com os «deveres de casa» feitos, encontrou-se a dever dar mais explicações em debates televisivos incandescentes que, uma vez mais, expulsavam futebol e telenovelas do topo dos índices de escuta”.
(À passagem, na leitura, por este parágrafo, ri-me divertida.)

“O Bloco de Esquerda encontrou-se a ser guiado por duas «rapariguinhas» sobre as quais, no início, nenhum humorista poupava graçolas: Catarina Martins e Mariana Mortágua. (…) Ambas partiram com a timidez de quem se encontra, de improviso, catapultadas no palco; ostracizadas também internamente (Martins, oficialmente, é apenas porta-voz de uma direcção bi-tri-tetracéfalo do partido). A economista e a ex-actriz revelaram-se entre as personagens mais competentes e até mesmo telegénicas da actualidade política portuguesa” – Marcello Sacco – MicroMega, 05 / 10 / 2015  
(Todos os sublinhados são meus)