E NO RESCALDO DAS
ELEIÇÕES
RESCALDEMOS O QUE
PENSARAM LÁ FORA
Para mim o “lá fora”
incide, em primeiro lugar, sobre o que leio na imprensa italiana. Considero-a
de óptima qualidade e nada fica a dever à tão proclamada e subservientemente
citada imprensa anglo-saxónica.
Achei deveras
interessante a similaridade como três jornais de referência – La Republica,
Corriere Della Sera e La Stampa – referiram o mesmo facto observado no nosso
país.
Vejamos:
“(…) Diferentemente
de outros países atingidos pela crise, como Espanha e Grécia, em Portugal não
surgiu nenhum movimento de protesto do género de Podemos ou Syriza. Pelo
contrário, precisamente pelo substancial fracasso do Syriza na eliminação das
políticas de austeridade, parece que convenceu a maioria dos eleitores
portugueses que não existe alternativa à situação actual; quadro que
favoreceria a coligação”. – La
Repubblica, 04/10/2015.
“(…) Nestes últimos
tempos, em Portugal, aconteceu de tudo: a crise, o assédio da especulação, a
chegada da Troika, as intervenções lágrimas e sangue, a salvação do primeiro
banco do país e, por fim, a detenção do ex-primeiro-ministro Sócrates.
Em qualquer outro país,
por muito menos, teria explodido o inferno. Porém, os portugueses apresentam-se
hoje para votar nos mesmos partidos de sempre. Nenhum movimento populista,
nacionalista; nenhuma perspectiva para novas formações: tudo congelado”
“Portugal existe há
mais de mil anos com os mesmos confins – comenta Goffredo Adinolfi, politólogo
do Instituto Universitário de Lisboa – as elites estão preparadas para
controlar a situação. Não há muita mobilidade política, os socialistas de hoje
são os netos dos republicanos dos anos trinta. Assim, os movimentos permanecem
sem grandes perspectivas”(…) Francesco Olivo,
La Stampa - 04 / 10 / 2015
“(…) Todavia, aqui os
«partidinhos novos», que na vizinha Espanha têm revolucionado a arena política,
parecem destinados a não conseguir impor-se e a permanecer marginais em relação
aos dois partidos que se alternam no poder desde 1981: sociais-democratas do
centro-direita e socialistas da esquerda.
O Bloco de Esquerda,
«irmão» de Podemos e Syriza, conseguiu ultrapassar o único
partido comunista ainda sólido na Europa, mas não atraiu o voto de tantos
«desiludidos» que desertaram as urnas”(…) – Sara Gandolfi, Corriere Della Sera – 05 / 10 / 2015
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Decididamente, em
política, os portugueses não querem aventuras nem ideias audaciosas e contentam-se
com o que já está consolidado. Apáticos em tomar e desenvolver iniciativas bem
ponderadas; especializados no resmungo, e com isso se satisfazem. “Mas que
querem?… é tudo igual”: este é o estribilho usado para fechar a questão.
Há excepções, e
muitas, dentro desse «tudo igual», mas sofrem de indolencite aguda e não
sabem – refiro-me aos actores políticos
- ouvir sistemática e instantemente o
que pensam e sofrem os seus, todos os seus compatriotas… e tudo fica
congelado, conforme a opinião de Francesco Olivo (de La Stampa).
Na revista MicroMega - “uma revista bimensal de cultura, política,
ciência e filosofia” - li o texto, com
data 05/10/2015, de Marcello Sacco
(este senhor vive em Lisboa) muito esclarecedor sobre o ambiente político
português. Descreve as eleições, informa sobre os resultados, elucida a
respeito das personagens intervenientes, dos costumes e tendências dos
portugueses. Objectivo e nunca exagerado.
Traduzo alguns
excertos
“No ensaio «A Estrada
de Wigan Pier», George Orwell pergunta a si mesmo por que razão, se o
Socialismo é um bem para grande parte da humanidade, grande parte da humanidade
não seja socialista.
As eleições
legislativas de domingo passado, em Portugal, apresentam o reverso daquela
dúvida, uma pergunta símile, mas já menos ambiciosa: se um governo, de facto controlado
pela Troika durante três anos sobre quatro do próprio mandato, governou contra
grande parte da população, porquê essa mesma população não o manda para casa,
democraticamente, quatro anos depois? A resposta talvez contradiga um slogan do
agrado de movimentos como Occupy Wall Street. Seremos o 99% da população
mundial contra o 1%, todavia, aquela massa maioritária informe está bem longe
de ser compacta: permiti que vo-lo digam os portugueses”.
“Paradoxalmente, o
mais liberal era o partido socialista. E paradoxalmente, apresentando-se com os
«deveres de casa» feitos, encontrou-se a dever dar mais explicações em debates
televisivos incandescentes que, uma vez mais, expulsavam futebol e telenovelas do topo dos índices de escuta”.
(À passagem, na
leitura, por este parágrafo, ri-me divertida.)
“O Bloco de Esquerda
encontrou-se a ser guiado por duas «rapariguinhas» sobre as quais, no início, nenhum
humorista poupava graçolas: Catarina Martins e Mariana Mortágua. (…) Ambas partiram
com a timidez de quem se encontra, de improviso, catapultadas no palco;
ostracizadas também internamente (Martins, oficialmente, é apenas porta-voz de
uma direcção bi-tri-tetracéfalo do partido). A economista e a ex-actriz revelaram-se entre as personagens mais
competentes e até mesmo telegénicas da actualidade política portuguesa” – Marcello Sacco – MicroMega, 05 / 10 / 2015
(Todos os sublinhados são meus)
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