“CONDENADO À CRUCIFICAÇÃO
PELO REINO DO PETRÓLEO”
A notícia correu
mundo e esta brutalidade, habitual na Arábia Saudita, de condenar à morte um jovem
de 17 anos (hoje com 20) por decapitação e, como complemento do terrível
espectáculo, crucificado e exposto ao público indignou e horrorizou o mundo
civilizado. Ademais, AlÌ Nimr foi condenado por uma causa insignificante, absurda.
No entanto, essa causa foi agigantada e alargada, confissão extorquida mercê de
tortura, a fim de que a sentença capital servisse de aviso e exemplo à população
saudita.
Internacionalmente, levantaram-se
protestos e pedidos de anulação desse barbarismo. Com algum resultado? Nenhum,
até hoje.
A cidade de Turim
decidiu que a Arábia Saudita já não será o Convidado de honra (país “hospite di
onore”) no próximo Salão do Livro em 2016: “É
evidente que uma condenação à morte negaria, logo à raiz, aquelas razões de
diálogo que estavam na base do convite à Arábia Saudita como “convidado de
honra” da edição 2016 do Salão do Livro” – declaração do Presidente da Câmara de Turim.
É já um bom
exemplo de ir além das palavras. Talvez este género de ostracismo – repelir a
Arábia Saudita como país indigno do convívio internacional – surta efeito, por
mínimo que seja.
Mas sobre este triste
caso, vejamos a opinião do prestigiado escritor, poeta e ensaísta marroquino, Tahar Ben Jelloun: vive em Paris e
escreve sempre em francês. É um artigo que merece
ser lido com atenção e interesse.
Traduzo da versão
italiana
*********
“O mundo salve Alì,
condenado à crucificação pelo reino do petróleo”
De
Tahar Ben Jelloun
“O acaso faz as coisas
muito bem: há alguns dias, antes que Alì
Mohammed al Nimr, 20 anos, sobrinho de um opositor xiita do regime da
Arábia Saudita, fosse condenado à decapitação e, em seguida, crucificado e
exposto até que se complete a putrefacção do cadáver, Faisal Bin Hassan Trad, embaixador saudita, foi eleito, em Genebra,
presidente do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Da parte desta
instituição, cada vez mais ineficaz, é uma forma de humorismo negro um pouco
especial: um humorismo cor petróleo.
A Arábia Saudita,
desde sempre governada pela mesma família, emite sentenças de morte a cada instante.
É o país que detém o recorde mundial de execuções capitais. Segundo os media e
as associações para os direitos humanos, este ano houve 133 execuções.
O crime deste rapaz
(quando foi detido tinha 17 anos) é o de ter participado numa manifestação
contra o regime. A sentença supera os limites da compreensão. É um assassínio.
Aquele rapaz não
matou, não violou nem roubou. Simplesmente, participou de uma manifestação no
curso da “Primavera árabe”. Se será executado, as Nações Unidas deveriam
perseguir a Arábia Saudita. Mas não o farão.
Que fazer, então,
nestes casos? Deixar correr, ficar calados, manter um perfil baixo para não
perder algum contrato? Permanecer atrás da própria velhacaria e desviar os
olhos? Mas é inadmissível.
Para julgar os
governantes que cometeram crimes contra a humanidade existe ao Tribunal Penal
Internacional: por que razão não são denunciados os que administram a justiça
naquele país?
A condição feminina
está já entre as mais escandalosas do mundo civilizado.
O facto de exprimir
uma opinião, de ousar opor-se a um sistema arcaico, embora perfeitamente
actualizado sob o ponto de vista técnico, é punido com a morte. Mas, no caso do
jovem Alì, a punição já começou:
primeiro, será decapitado; depois crucificado e, por fim, abandonado às aves de
rapina e à putrefacção. Imaginemos o estado de ânimo deste homem na antecâmara
da morte! É já meio morto: morto de medo, morto de calvário antecipado.
Tornou-se símbolo da vítima cuja vida foi confiscada por um regime no qual os
direitos humanos entram na esfera do virtual.
Mesmo que aquele
Estado escutasse os protestos internacionais e anulasse a condenação,
permanecerá o problema da existência de um sistema medieval que não se pode
criticar no interior nem exautorar do exterior. Porque é potente, muito
potente. A riqueza procura-lhe os milhares de milhões suficientes para comprar
o que quer que seja, desde os bens materiais às consciências.
Nenhum país tem
vontade de contrastar a Arábia Saudita. Sim, há o Irão, mas este apenas desejaria
suplantá-la para tornar-se no guardião dos lugares sacros; dos direitos humanos
não lhe importa absolutamente nada.
Todos os países
ocidentais têm projectos de contratos com a Arábia e não querem sacrificá-los
pela vida de um rapaz.
É certo que vários
chefes de Estado pediram o anulamento da execução de Alì, mas não desejam ir além
desta iniciativa. É nisso que reside a potência da Arábia Saudita. Faz o que
quer e não aceita observações de ninguém.
Estranhamente, esta
sentença recorda a condenação e execução do grande poeta do décimo
século, Al Hallaj. Condenado à morte por ter dito, falando do seu amor por
Deus, “Ana Al Haq” (eu sou a Verdade),
o seu corpo foi castrado e crucificado. Apodreceu ao sol.
Al Allaj era
impaciente de atingir Deus, porque a sua paixão pela divindade tinha-o levado a
renunciar aos bens e aos prazeres materiais da vida.
Todavia, se as
autoridades sauditas decidiram crucificar o jovem Alì, não é em homenagem ao
poeta sufi, mas simplesmente por crueldade e arrogância. A sua potência é negra
como o ouro que a cobre e que a torna tão desumana.”
Tahar Ben Jelloun; La Repubblica –
25 Setembro 2015
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