SUPERFICIALIDADE, MÃE DAS BANALIDADES
Não somente genetriz de banalidades triviais, mas
também de erros, frequentemente derivados de exibicionismos dispensáveis.
Estive a ouvir os comentários do prestigiado escritor e
jornalista da RTP, José Rodrigues dos
Santos, no debate que se realizou na Biblioteca da Câmara Municipal de
Cascais, no dia 21 deste mês, sobre o Dia Mundial da Língua Materna / Acordo
Ortográfico – www.ilcao.cedilha.net
Transcrevo as suas opiniões, as quais me deixaram
atónita por aquilo que demonstraram! Vejamos:
“Nós temos que
unificar a língua no ponto de vista da grafia, para não ficarmos numa situação
em que, daqui a 200 ou 300 anos, do português nasçam línguas diferentes, como da
língua hispânica nasceram várias línguas. Os galegos, há 300 anos, falavam
português. Hoje já só falam galego que é uma língua diferente do português. Portanto,
nós não podemos deixar que isso aconteça ao português do Brasil, do português
de vários países africanos e do português de Portugal. Portanto, é importante
unificarmos a grafia para preservarmos a língua”.
Nós temos de ter
uma grafia unificada para não termos várias línguas diferentes”.
José Rodrigues dos Santos é um excelente jornalista e
um escritor de sucesso, doutorado em Ciências da Comunicação, logo, podia
ter-nos poupado esta enfiada de banalidades e, digamo-lo, aneiras.
Primeiro: o povo galego - século VIII – XV - não falava
português, mas uma língua literária comum de grande prestígio, isto é, o galaico-português.
“O
galaico-português
adquiriu um tal
requinte sob a sua forma escrita, que se tornou, no conjunto global da
Península Ibérica, uma língua poética de predilecção. O próprio rei de Castela
Afonso X, o Sábio (1252-1284), que tanto se ilustrou com os seus poemas, se
tornou enquanto poeta num dos arautos mais apreciados do galaico-português” – do
livro: “A Aventura das Línguas do Ocidente”, de Henriette Walter, pág. 202
Segundo: “os galegos, há 300 anos, falavam português”, diz José Rodrigues dos Santos.
Falavam português no século XVIII?! Ninguém ensinou ao
ilustre jornalista e escritor que, após o nascimento do reino autónomo de
Portugal (séc.XII), Portugal e Galiza ficaram politicamente separados e a
língua comum seguiu estradas diferentes, enquanto do outro lado da Península se
ia impondo o castelhano?
As populações da Galiza continuaram a falar galego, certamente, embora esta língua, a partir do séc. XV, tivesse ficado na sombra por imposição
do castelhano e, só recentemente, é que foi reconhecido como uma das línguas
oficiais da Espanha.
Sempre na obra de Henriette Walter, podemos ler: “Em
1492 foi o ano da publicação da primeira gramática do castelhano, escrita
por António de Nebrija, um andaluz. Nesta gramática observa-se a consagração do
castelhano como a grande língua do Estado espanhol”
Galego e português: dois falares diferentes, mas a generalidade
dos linguistas é de opinião que “ainda hoje constituem a mesma língua”, o que
me agrada.
“Da língua hispânica nasceram várias línguas”,
assevera ainda José Rodrigues dos Santos.
Quais são as línguas que nasceram do espanhol, também conhecido
como castelhano ou hispânico?
Na Espanha existem a língua oficial espanhola e as línguas
regionais oficiais: o basco, o catalão e o galego. Exceptuando a língua basca,
cujas origens ainda não foram bem determinadas e, portanto, jamais poderia
derivar do castelhano, o catalão e o galego, paralelamente ao castelhano, são
línguas românicas, línguas que nasceram autónomas.
O hispânico difundiu-se, à semelhança do que aconteceu
com a língua portuguesa, por vários continentes. Difundiu-se, não deu origem a outras línguas nos países da América
Latina, Filipinas, etc., hoje conhecidos como "países hispanófonos". Falamos de
línguas, não de dialectos.
Se o Sr. Dr. José Rodrigues dos Santos quer participar
em debates e dar a sua opinião sobre o que deve ser a ortografia da língua portuguesa,
aconselhá-lo-ia a estudar melhor a sua língua materna, pois demonstra péssimos
conhecimentos sobre esta matéria, o que é imperdoável, dada a sua formação
académica.
Simultaneamente, evitaria também de proferir tantas banalidades
penosas e sem sentido.
A comparação que faz do engenheiro português com o engenheiro
grego (que eu não transcrevi) é, simplesmente, penosa.
“Temos que unificar a língua no ponto de
vista da grafia”; “Portanto, é importante unificarmos a língua para
preservarmos a língua. Nós temos de ter uma grafia unificada para não termos
várias línguas diferentes”.
Expressar esta opinião de uma forma tão superficial e
pobre de argumentos linguísticos sérios e incontroversos, também isto
é de uma banalidade confrangedora.
E por aqui vemos quem são os defensores do Acordo
ortográfico!
“As modificações linguísticas fazem-se sentir em todo o
organismo de cada língua: na fonética alteram-se os sons; na morfologia
eliminam-se umas formas, introduzem-se outras, modificam-se quase todas, etc.;
na sintaxe substituem-se uns modos
de construção por outros, e até as próprias regras fundamentais são alteradas. No vocabulário, porém, é que estas
mudanças mais se fazem sentir, por serem mais numerosas, mais rápidas e mais
fáceis de observar” – “Gramática Histórica da Língua Portuguesa” (VI e VII Classes do Curso dos Lyceus) - 1900 ou 1901, pág. 13 - de
António Garcia Ribeiro de Vasconcelloz.
4 Comments:
Com a devida vénia...
http://ilcao.cedilha.net/?p=13033
Muitíssimo obrigada
Alda Maia
Alda, não quererá dar umas aulas bem prolongadas ao nosso esccritor de sucesso? É que no seu erudito blog, na sua elaborada pesquisa, não chega lá...Terá de ser de olhos nos olhos e...mesmo assim....Este Acordo Ortográfico convém a alguem.Gostei muito da sua opinião sobre o tratamento ao caso Miró´
Parabens.Beatriz
Boa tarde, gentilíssima Senhora
Muito obrigada pelo seu comentário. Demasiado lisonjeiro, mas atribuo-o à sua boa e sempre grata amizade.
Eu, humílima ex-professora primária, dar lições de português a tão ilustre personagem, professor na Universidade Nova de Lisboa e o jornalista português mais premiado?!
Se calhar deveríamos lamentar a sua infelicidade nesta matéria, não lhe parece? Com certeza ninguém lhe ensinou o que todos nós aprendemos nos primeiros anos do liceu (actualmente, no segundo e terceiro ciclos). Contrariamente, como se explica tanta ignorância e tantos dislates?
Não me fale do Acordo Ortográfico. E não me fale do que se passa na Assembleia da República sobre este assunto. Quem autorizou esta gente a ocupar-se de matérias que são património nacional – património que nos identifica - e para as quais ninguém lhes outorgou mandato para as transformar em objecto de transacções?
Quer que lhe diga? Nas próximas eleições, o Partido Socialista ficará sem o meu voto. Não lhe perdoo que tivesse sido, e continua a ser, o impulsionador deste “comércio de palavras” (esta expressão pertence ao “Jornal de Angola” e foi muito feliz). Decididamente, e contrariamente ao que sempre fiz, repito, não mais lhe darei o meu voto.
Um grande abraço
Alda
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