segunda-feira, janeiro 06, 2014

MAS, ENTRE OS GRANDES, “ERA OUTRA COISA”

Tinha a intenção, hoje, de escrever sobre assuntos bem diversos. O caso nacional, obviamente, não poderia deixar de envolver-me.
Entre o muito que se escreveu, dentro e fora do nosso País, achei verdadeiramente interessante um artigo de Angelo Carotenuto, publicado, ontem, no jornal La Repubblica. Brilha por uma certa originalidade. Transcrevo-o. E vale a pena ser lido.

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“Quando Eusébio era melhor que Pelé”
“Houve um dia no qual Eusébio era melhor que Pelé. O número um, o melhor futebolista do mundo. Anos Sessenta. Os jornais interrogavam-se quem fosse o maior entre o português e o brasileiro; exactamente como hoje nos perguntamos: Messi ou Ronaldo, Ronaldo ou Messi? Um velho dilema de meio século do qual se perdeu a memória, mas os arquivos são óptimos para este efeito.”

“Fabrizio Falconi, jornalista e escritor romano, recordou-se disso, quando, em 2002, escreveu o seu romance “Céus como Este” (Fazi Editor). A grandeza de Eusébio é reconstruída num diálogo que se desenrola perante um galhardete vermelho do Benfica, dependurado no espelho retrovisor de um automóvel.”

“- Porquê este galhardete?
- É de Lisboa, o Benfica.
- Lisboa. Estiveste lá?
- Sim, uma única vez, infelizmente.
- E enamoraste-te?
- Certamente. Estive, aquando dos trabalhos que fizeram para a Expo 1998.     Obras em toda a parte, estradas em mau estado, caos…
- Todavia…
- Todavia… Que cidade! E depois é a cidade do Benfica. A arte do futebol.
- Eu não percebo nada de futebol.
- Não conheces Eusébio?
- Eusébio quem?
- O maior jogador do mundo.
- Não sei nada disso. Mas não era Pelé?
- Pelé? Não. Eusébio era outra coisa.”

Era outra coisa.
Uma superioridade que na Itália estavam seguramente dispostos a subscrever em Nápoles, onde hoje existe uma barreira de frieza para com Pelé, devida à rivalidade com Maradona. No entanto, Maradona nada tem que ver com isto. A ataraxia futebolística em relação ao brasileiro é antiga. Nasceu antes de 1984, data da fundação da religião do «Maradona é melhor que Pelé». Nos anos 60, Nápoles é estranha ao culto global de «O Rei». Melhor o Eusébio.”

“Em 25 de Novembro de 1966, apareceu no cinema “Operação São Januário” (San Gennaro, padroeiro de Nápoles), filme de Dino Risi, ambientado e filmado em Nápoles.
Eis o enredo para quem o não conhece:
Uma improvável quadrilha, chefiada por Nino Manfredi (o intérprete), tenta roubar o tesouro do Santo para uma organização internacional. Numa das cenas principais, o bando de larápios entra na Catedral e pede ao Santo a permissão de subtrair-lhe as suas riquezas, avaliadas à volta de 30 mil milhões de liras daquela época. Actualmente, o valor do tesouro é inestimável (aliás, nestes dias está exposto em Roma).
Para arrancar-lhe a autorização, prometem a São Gennaro que com aquele dinheiro também haveria benefícios para a cidade. O quê? Bem, além de outras coisas, comprar-se-ia uma estrela do futebol para O Nápoles. «Deste modo, ganharemos a Taça dos Campeões».
Mas, a estrela citada no filme não é Pelé. A estrela é precisamente Eusébio, português nascido em Moçambique, do Benfica Lisboa, uma das grandes equipas da época.”

“Contudo, em Novembro de 1966, Pelé tinha já ganho dois campeonatos mundiais com o Brasil e duas taças intercontinentais com o seu clube, o Santos: os mundiais são de 1958 e 1962; as taças, de 62 e 63.”

Incrível dizê-lo hoje. O dualismo existia. Eusébio tem potência, tem velocidade, tem dribbling, é um fenomenal marcador de penalidades.
A TV já levou as imagens dos dois supercampeões às casas dos italianos. Na verdade, foram mais frequentes as imagens de Eusébio, pois que o Benfica joga na Taça dos campeões contra a Inter, Milan, Juventus. Pelé, pelo contrário, na televisão vê-se uma vez cada quatro anos, tendo preferido nunca mostrar-se na Europa.

Um mês antes que o filme de Dino Risi chegue às salas de cinema, no dia 26 de Outubro de 1966, o quotidiano La Stampa edita um artigo que anuncia a publicação da autobiografia do português. Pensemos nisto um momento. A autobiografia de um jogador de futebol.
Outra circunstância hoje frequente, mas, aqui, estamos em 1966 e falamos da autobiografia de um jogador não italiano. Intitula-se: “O Meu Nome é Eusébio”.
É um outro testemunho da sua enorme popularidade.”

“Na entrevista, Eusébio diz: «Desejaria um bom contrato no estrangeiro, em Espanha ou na Itália, para jogar no Milan, no Nápoles, no Atlético de Madrid, todas equipas que já me fizeram propostas concretas».

“Recordemos que, em Julho de 1966, jogou-se na Inglaterra o terceiro campeonato mundial de futebol, transmitido pela TV italiana. Seguramente, mais visto do que os de 1958 e 1962 (ganhos por Pelé): a difusão dos televisores cresceu, estamos em pleno boom económico. 
No Mundial de 1966 joga-se Portugal – Brasil. Ganha Portugal por 3-1”.

“Eusébio marca dois golos; Pelé, nenhum. O Brasil é eliminado; Portugal ficará em terceiro lugar. 
Quando Eusébio era melhor que Pelé. O número um. Nada de estranho.
Adeus, Pantera Negra e pérola de Moçambique.”

Angelo Carotenuto, La Repubblica – 05 / 02 / 2014