domingo, dezembro 29, 2013

“OS LARÁPIOS TAMBÉM TÊM CORAÇÃO

A história, narrada pelo jornal La Stampa, começou numa quarta-feira, dia 18 deste mês. Larápios assaltaram uma vivenda em Sangano – localidade a poucos quilómetros de Turim – roubando, além de alguns objectos (descurando outros de um certo valor), um televisor e uma cachorrinha de quatro meses que se chama Gaia, adoptada de um canil. Um furto bastante singular.

Com certeza confundiram a beleza de Gaia – mestiça sem pedigree - com a de um cão de raça, pensando no bom lucro que obteriam no mercado clandestino.

Na vivenda assaltada, juntamente com os pais e três irmãos mais velhos, vive uma menina de cinco anos, Paula, inseparável de Gaia.
Quando abriram a porta de casa, encontraram a vivenda num caos: tudo em enorme confusão e Gaia desaparecida. Desde então, Paula, inconsolável, não parava de chorar.

Procuraram Gaia por todo o lado, pensando que tivesse fugido. Dispersaram fotos do animal por toda a cidade. Concluíram que fora roubada por quem lhes assaltara a casa.

No domingo seguinte, Paula, dirigindo-se aos ladrões, lançou um apelo através do jornal La Stampa: “Dai-me a prenda mais linda de Natal. Trazei-me o meu cãozinho”.
Os telefonemas de solidariedade sucediam-se, quer de parentes, familiares e desconhecidos, querendo saber se Gaia tinha regressado. Muitos ofereciam outro cachorrinho para consolar Paula. Esta, porém, só desejava a sua Gaia: “Eu só quero a Gaia”.   

No dia 23 à noite, tocou o telefone interno da vivenda e uma voz adulta disse apenas estas palavras: “Descei para ver; Gaia encontra-se no quintal”.

Marilena Piazzolla, mãe de Paula, ficou aturdida com a mensagem. Quando abriu a porta de casa, já não viu ninguém na rua, ouvindo apenas o ruído de um motor que se afastava. Baixou os olhos e viu a silhueta de Gaia que tremia de frio a latia de alegria, mas não se mexeu até ver surgir a figura da Paula à soleira da porta. A alegria explodiu em todas as suas dimensões, desde abraços infindos a lágrimas de emoção. É fácil imaginar a densidade de tal alegria.

A história de Paula e a cadelinha Gaia, verdadeira, não seria história sem a intervenção de larápios com sentimentos.
Comoveram-se com o desespero da pequenina Paula, com o único deseja que ela queria ver efectuado como prenda de Natal; o coração falou mais alto que a cobiça de vender Gaia. Tanto que a cachorrinha foi restituída muito bem lavada e perfumada.

*****

Esta linda história, por uma associação de ideias um pouco estranha, fez-me pensar nos exportadores de capitais.
Dêmos a estes capitais o nome de Gaia e pensemos nos exportadores desta Gaia.
Obviamente, não os considero larápios no sentido que a palavra traduz. São proprietários de Gaia. Porém, onde nasceu e medrou esta Gaia? Se a mantivessem na terra onde nasceu e cresceu, quantas alegrias – interpretemo-las como prosperidades – difundiriam?

Quando estas Gaias são exportadas para os paraísos fiscais, roubadas ao seu habitat natural e dormindo improdutivamente nesses paraísos do egoísmo e na companhia de Gaias sujas e prostitutas, como se sentem esses proprietários?
Espertalhões, claramente; moralmente, larápios da solidariedade para o país a que pertencem e que tanto necessitariam que essas Gaias regressassem, embora com a exigência de serem administradas com competência e seriedade.

Por que não se comportam como os “Os larápios também têm coração”  - título do jornal La Stampa -  quando este jornal descreveu a história de Paula e da sua cachorrinha Gaia?
É sempre tempo. Qualquer dia e hora servem e sem a necessidade de bater á porta. Procedam, em sentido inverso, como quando exportaram Gaia.