“OS
LARÁPIOS TAMBÉM TÊM CORAÇÃO”
A história, narrada
pelo jornal La Stampa, começou numa quarta-feira, dia 18 deste mês. Larápios
assaltaram uma vivenda em Sangano – localidade a poucos quilómetros de Turim – roubando,
além de alguns objectos (descurando outros de um certo valor), um televisor e
uma cachorrinha de quatro meses que se chama Gaia, adoptada de um canil. Um
furto bastante singular.
Com certeza
confundiram a beleza de Gaia – mestiça sem pedigree - com a de um cão de raça,
pensando no bom lucro que obteriam no mercado clandestino.
Na vivenda assaltada,
juntamente com os pais e três irmãos mais velhos, vive uma menina de cinco anos,
Paula, inseparável de Gaia.
Quando abriram a
porta de casa, encontraram a vivenda num caos: tudo em enorme confusão e Gaia
desaparecida. Desde então, Paula, inconsolável, não parava de chorar.
Procuraram Gaia por
todo o lado, pensando que tivesse fugido. Dispersaram fotos do animal por toda
a cidade. Concluíram que fora roubada por quem lhes assaltara a casa.
No domingo seguinte, Paula,
dirigindo-se aos ladrões, lançou um apelo através do jornal La Stampa: “Dai-me a prenda mais linda de Natal. Trazei-me
o meu cãozinho”.
Os telefonemas de
solidariedade sucediam-se, quer de parentes, familiares e desconhecidos,
querendo saber se Gaia tinha regressado. Muitos ofereciam outro cachorrinho
para consolar Paula. Esta, porém, só desejava a sua Gaia: “Eu só quero a Gaia”.
No dia 23 à noite,
tocou o telefone interno da vivenda e uma voz adulta disse apenas estas
palavras: “Descei para ver; Gaia
encontra-se no quintal”.
Marilena Piazzolla,
mãe de Paula, ficou aturdida com a mensagem. Quando abriu a porta de casa, já
não viu ninguém na rua, ouvindo apenas o ruído de um motor que se afastava.
Baixou os olhos e viu a silhueta de Gaia que tremia de frio a latia de alegria,
mas não se mexeu até ver surgir a figura da Paula à soleira da porta. A alegria
explodiu em todas as suas dimensões, desde abraços infindos a lágrimas de emoção.
É fácil imaginar a densidade de tal alegria.
A história de Paula e
a cadelinha Gaia, verdadeira, não seria história sem a intervenção de larápios
com sentimentos.
Comoveram-se com o
desespero da pequenina Paula, com o único deseja que ela queria ver efectuado
como prenda de Natal; o coração falou mais alto que a cobiça de vender Gaia.
Tanto que a cachorrinha foi restituída muito bem lavada e perfumada.
*****
Esta linda história,
por uma associação de ideias um pouco estranha, fez-me pensar nos exportadores de capitais.
Dêmos a estes capitais
o nome de Gaia e pensemos nos
exportadores desta Gaia.
Obviamente, não os
considero larápios no sentido que a palavra traduz. São proprietários de Gaia. Porém, onde nasceu e medrou esta Gaia? Se a mantivessem na terra onde
nasceu e cresceu, quantas alegrias – interpretemo-las como prosperidades –
difundiriam?
Quando estas Gaias são exportadas para os paraísos
fiscais, roubadas ao seu habitat natural e dormindo improdutivamente nesses
paraísos do egoísmo e na companhia de Gaias
sujas e prostitutas, como se sentem esses proprietários?
Espertalhões,
claramente; moralmente, larápios da solidariedade para o país a que pertencem e
que tanto necessitariam que essas Gaias regressassem,
embora com a exigência de serem administradas com competência e seriedade.
Por que não se
comportam como os “Os larápios também têm
coração” - título do jornal La
Stampa - quando este jornal descreveu a
história de Paula e da sua cachorrinha Gaia?
É sempre tempo. Qualquer
dia e hora servem e sem a necessidade de bater á porta. Procedam, em sentido
inverso, como quando exportaram Gaia.
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