O VALOR DAS OPINIÕES
Qualquer que seja o
tema que se discute ou pondera, reservo sempre a mesma atenção a todo o género
de opiniões: objectivas ou facciosas; superficiais ou aprofundadas; materialísticas
ou racionalmente cultas. No fim, tiro as minhas conclusões e estas, obviamente,
de acordo com o que sinto e penso.
Foi um bom
passatempo, e não exagero, ler e retalhar o que se escreveu sobre a colecção
Miró.
Sim, ainda este
assunto, mas noutra dimensão, pois já se disse tudo e o contrário de tudo: pró
e contra o leilão; arte e monetarismo, etc., etc.
Confrontei, então, os
pontos de vista dos portugueses com o que pensaram e escreveram fora do nosso país
Não me pareceu muito
abonatória para alguns colunistas portugueses que se exprimiram sobre um
assunto que, como é noto, envolve arte, política, materialismo, crise e
mentalidades utilitaristas que não têm projecção para horizontes alargados.
Deram maior peso aos
36 milhões que se poderia encaixar (segundo pessoas competentes, o valor da
colecção poderia chegar até 160 milhões), assim como à forma errada e pouco
lucrativa como a venda se processou.
Houve muitos mas e muitos ses, todavia e acima de tudo, divaga-se sobre a oportunidade de a
vender toda de uma vez ou obter mais úteis com vendas espaçadas. O utilitarismo prevaleceu. Ora eu
pergunto a estes editorialistas ou comentadores: estamos assim tão avassalados,
tão endurecidos, tão resignados a aceitar tudo o que este Governo faz e comanda
e sem jamais lhe exigirmos contas daquilo que não faz e onde o deve fazer ou
deveria ter feito? Um governo onde predomina a ignorância e incompetência?! Que
tristeza!
O Estado não gastou
milhões para comprar a colecção. Surgiu-lhe um tesouro cultural deste género,
portanto, conserva-se. Para enfrentar a dívida, procura-se outros valores,
jamais concedendo, descaradamente, fundos a interesses privados. Citemos, como
exemplo, os financiamentos às escolas privadas, localizadas onde existe oferta
pública.
Daniel Oliveira
escreveu no Expresso: (…) “Não há entre o
autor ou estas obras e Portugal nenhuma relação especial. Nem especial, nem
outra, para dizer a verdade. Não é património nacional”.
(…)
Mas é de dinheiro que estamos a falar, certo? Porque se é de política cultural,
desculpem, mas não acompanho a indignação. Que se valorizem os quadros de Miró
e se ponha a colecção a render. Se um dia valer a pena vender, que se venda.
Bem precisamos de dinheiro para ter artistas a produzir obras… “
Li outras opiniões coincidentes
com esta. Apenas gostaria que me esclarecessem se verdadeiras obras de arte –
aquelas que encantam os olhos e provocam emoções - têm nacionalidade ou não
pertencem, simplesmente, à humanidade, seja qual for o criador, seja qual for a
localidade onde foram criadas.
Que mentalidades tão
estreitas!
Vejamos o que se
escreveu no quotidiano La Stampa, de Turim:
“Até mesmo Ionescu esbugalharia os olhos: somente as dúvidas legais da
célebre casa de hastas londrina, Christie’s, pararam, no último instante, a
mais vergonhosa venda cultural, ao desbarato, pelo Estado português, isto é, a venda
das 85 obras do genial pintor surrealista espanhol, Joan Miró.
As
telas pertenciam ao falido (depois nacionalizado e revendido) Banco Português
de Negócios que deixou um buraco de 1800 milhões nas contas do Estado.”
A
história grotesca nasce em 2006, quando o BPN adquiriu o lote de quadros,
desenhos, guaches do milionário japonês Kazumasa Katsuta, o mais importante
coleccionador mundial de Miró, que, por sua vez, o tinha adquirido da viúva de
Matisse. Preço: 34 milhões de euros. O BPN comprou os tesouros que atravessaram
toda a vida artística do mestre apenas como investimento financeiro. Tanto assim, que, desde então – incrível, mas verdadeiro – nunca os expôs em público. Em
2008, o banco tem um buraco estimado em 7 mil milhões de euros. (…)
Em
2011, Portugal pediu à troika (EU, BCE, FMI) uma âncora de salvação, 78 mil milhões
de euros. Uma das condições do empréstimo, custado lágrimas e sangue, é
privatizar o “privatizável”. O BPN foi privatizado, ficando o Estado com as
dívidas e as obras de Miró. Este ano, Coelho decidiu vendê-las. (…) – Gian Antonio Orighi
Apenas ter lido o
primeiro parágrafo, senti vergonha pela gente que nos representa oficialmente.
A nota quase
constante, em vários jornais, é o espanto pela ocultação destas obras no nosso
país:
“Todavia, estiveram expostos por vários dias na Christie’s, o que não
sucedeu em Portugal, pois os portugueses, apesar de estar a pagar a factura de sete mil milhões de euros que
deixou a privatização do BPN – processo pelo qual o Estado luso adquiriu as
obras - nem sequer puderam contemplar uma única vez os quadros de Miró” –
El Mundo – 04/02/2014
Como remate, de El
Mundo recolho a parte final:
“Mesmo assim, os 35 milhões de euros que o Governo de Lisboa conseguiu
pela venda dos quadros, de pouco servirão para tapar o buraco de sete mil
milhões que deixou a nacionalização do BPN.”
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