QUANTA LEVIANDADE!
E QUANTA IGNORÂNCIA!
No dia 20 deste mês,
a Assembleia da República deveria discutir uma “petição pela desvinculação de
Portugal ao Acordo Ortográfico de 1990” e um Projecto de Resolução da aplicação
desse acordo, apresentado pelos deputados Mota Amaral, Michael Seufert
e José Ribeiro e Castro.
Essa discussão foi
adiada para o próximo ano. Todavia, se os senhores deputados tiverem um mínimo
de bom senso, humildade e equilíbrio nesta matéria, deveriam formar uma
comissão de especialistas sérios (existem no nosso país), que estejam bem longe
de se assemelharem a “comerciantes de
palavras”, e sejam estes a ter a última palavra; última palavra que seja
inequívoca: revogação absoluta da entrada em vigor do Acordo Ortográfico 1990.
O Parlamento não foi
eleito para seguir as pretensões do Brasil em impor-se no mundo da língua
portuguesa e ditar normas que a afastam da sua verdadeira estrutura de língua
novilatina. Não foram eleitos para danificar um património nacional, mas para o
proteger.
Em toda esta
indecência do AO90, existe um factor que reputo de grande relevância, mas que
não foi tido na devida consideração - mais uma prova das traficâncias de como
tudo se processou.
Mas vejamos: nunca
ouvi ou li qualquer aceno à importância do paralelismo linguístico –
sintáctico, ortoépico e ortográfico - dos PALOP (países africanos de língua
oficial portuguesa) com o português falado em Portugal e, portanto, a um
interesse em cultivar o respeito por essas afinidades, estabelecendo alianças
culturais sólidas, constantes, que envolvam, paritariamente, Portugal e os
PALOP.
Talvez porque estes
países sempre me mereceram grande simpatia e afecto, a atenção do Acordo
Ortográfico dirigida exclusivamente ao Brasil, indispõe-me e vejo-a como um erro
e uma inexplicável capitulação.
Sabemos de sobejo
que, ortoépica e sintacticamente, a variedade do português do Brasil diverge, afora
a sua particular ortografia. Acabem de uma vez para sempre com acordos
ortográficos, um fenómeno que se verifica apenas na língua portuguesa. Basta!
Em 1945, tudo foi
ponderado e estabelecido definitivamente e a evolução do léxico desenrolar-se-á
no tempo, como sucede em todos os idiomas.
O Brasil, pela enésima vez, foi pela sua
estrada. Que a continue a percorrer, mas que não queira envolver Portugal em
utopias que apenas servem para empobrecer a língua que nós, portugueses, herdámos
e falamos.
Escutava há dias o
ministro dos Negócios Estrangeiros da Guiné-Bissau e encantou-me o português em
que se exprimia. Insisto: além das normais e óbvias relações entre países
amigos, por que razão não curar e fortalecer
os laços linguísticos que nos unem aos PALOP e a Timor? Por que razão não despendermos esforços
para que esses laços se tornem inquebrantáveis e se imponham?
Os dois maiores
países, Angola e Moçambique, têm todas as potencialidades para se tornarem países emergentes: no campo económico e campo demográfico. Não pensemos apenas
nas transacções materiais. Solidifiquemos o que nos une e concorramos para a
protecção das línguas autóctones daqueles territórios, e dos demais, pois
também merecem amplo respeito.
Como é possível apregoarem a unificação
da língua portuguesa falada em vários continentes, baseando-a em regras ortográficas tão idiotas como disfuncionais?!
Quanta leviandade de Malacas
Casteleiros e sequazes!
Apresentam-se como
linguistas e filólogos. Não divido desses títulos; duvido da ponderação como
são usados.
Quem estudou
profundamente esta língua, as suas raízes fundamentais e evolução, a ortofonia
que a distingue, como se admite, por exemplo, a eliminação de acentos onde são
indispensáveis, precisamente pelo respeito à ortoépia e à clareza? Atiraram a
moeda ao ar e, mediante este sistema, decidiram o que deveria ser eliminado;
impossível descobrir outra justificação.
Mas sobre estas e
outras cretinices (não conheço outra palavra que melhor as classifique) já
muito foi escrito.
Paralelamente, quanta
ignorância e inconsciência na Assembleia da República! Votaram alegremente e
quase em massa - apenas três votos contrários! - um Acordo Ortográfico sem
ouvirem os verdadeiros especialistas da matéria que o desaconselhavam.
Ignoraram indecentemente petições contrárias, com milhares de assinaturas.
O Governo - somente o
Governo português - impôs, levianamente, a aplicação do ensino dessa cacografia,
desprezando a opinião da maioria de portugueses que se opunha e o peso do custo
que tal mudança imporia aos pais dos alunos na compra de novos dicionários,
gramáticas e demais material didáctico. Isto em plena crise!
Quanto aos nossos parlamentares
- nomeados pelas secretarias dos respectivos partidos e não escolhidos pelos
eleitores - antes de entrar no Parlamento, deveriam, também eles, prestar uma
prova de aferição de cultura geral, constitucional e, como mais importante, de
língua portuguesa. Ser-nos-iam poupados muitos dislates.
Citemos alguns: kinkénio por qwinqwénio,
ignorando que a vogal u deve ser pronunciada; ekitativo em vez de eqwitativo; periúdo por período - asneira de Nuno Crato, ministro da
Educação (pasme-se!), embora seja calinada corrente em Lisboa; “melhor preparado,” (e construções
idênticas) por “mais bem preparado” - erro muito generalizado.
Pérolas como estas, e
piores ainda, abundam entre as figuras públicas que deveriam dar o exemplo do
bem falar.
Para concluir, e
mais uma vez, aos defensores e praticantes do Acordo Ortográfico aconselharia
uma leitura acurada de o “Tratado de
Ortografia da Língua Portuguesa” (Coimbra, Atlântida – Livraria Editora,
1947) do professor catedrático Rebelo
Gonçalves. Leiam o “Suplemento” que vai da página 103 à página 166.
Na dedicatória aos
filhos, Rebelo Gonçalves escreve: “pelo
amor à língua portuguesa que este livro saiba inspirar-lhes”.
Esta mesma
dedicatória endereçá-la-ia àqueles professores catedráticos que publicam
artigos de opinião, exprimindo-se com o AO90.
Precisamente por esta
razão, confesso que não suporto a leitura destas eminentes figuras da nossa
cultura. Se qualquer forma de ortografia lhes serve, significa que o que
escrevem já não me oferece a credibilidade que deles esperaria.
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