segunda-feira, dezembro 23, 2013

QUANTA LEVIANDADE!
E QUANTA IGNORÂNCIA!

No dia 20 deste mês, a Assembleia da República deveria discutir uma “petição pela desvinculação de Portugal ao Acordo Ortográfico de 1990” e um Projecto de Resolução da aplicação desse acordo, apresentado pelos deputados Mota Amaral, Michael Seufert e José Ribeiro e Castro.

Essa discussão foi adiada para o próximo ano. Todavia, se os senhores deputados tiverem um mínimo de bom senso, humildade e equilíbrio nesta matéria, deveriam formar uma comissão de especialistas sérios (existem no nosso país), que estejam bem longe de se assemelharem a “comerciantes de palavras”, e sejam estes a ter a última palavra; última palavra que seja inequívoca: revogação absoluta da entrada em vigor do Acordo Ortográfico 1990.

O Parlamento não foi eleito para seguir as pretensões do Brasil em impor-se no mundo da língua portuguesa e ditar normas que a afastam da sua verdadeira estrutura de língua novilatina. Não foram eleitos para danificar um património nacional, mas para o proteger.   

Em toda esta indecência do AO90, existe um factor que reputo de grande relevância, mas que não foi tido na devida consideração - mais uma prova das traficâncias de como tudo se processou.
Mas vejamos: nunca ouvi ou li qualquer aceno à importância do paralelismo linguístico – sintáctico, ortoépico e ortográfico - dos PALOP (países africanos de língua oficial portuguesa) com o português falado em Portugal e, portanto, a um interesse em cultivar o respeito por essas afinidades, estabelecendo alianças culturais sólidas, constantes, que envolvam, paritariamente, Portugal e os PALOP.

Talvez porque estes países sempre me mereceram grande simpatia e afecto, a atenção do Acordo Ortográfico dirigida exclusivamente ao Brasil, indispõe-me e vejo-a como um erro e uma inexplicável capitulação.
Sabemos de sobejo que, ortoépica e sintacticamente, a variedade do português do Brasil diverge, afora a sua particular ortografia. Acabem de uma vez para sempre com acordos ortográficos, um fenómeno que se verifica apenas na língua portuguesa. Basta!
Em 1945, tudo foi ponderado e estabelecido definitivamente e a evolução do léxico desenrolar-se-á no tempo, como sucede em todos os idiomas.
 O Brasil, pela enésima vez, foi pela sua estrada. Que a continue a percorrer, mas que não queira envolver Portugal em utopias que apenas servem para empobrecer a língua que nós, portugueses, herdámos e falamos.

Escutava há dias o ministro dos Negócios Estrangeiros da Guiné-Bissau e encantou-me o português em que se exprimia. Insisto: além das normais e óbvias relações entre países amigos, por que razão não curar e fortalecer os laços linguísticos que nos unem aos PALOP e a Timor? Por que razão não despendermos esforços para que esses laços se tornem inquebrantáveis e se imponham?

Os dois maiores países, Angola e Moçambique, têm todas as potencialidades para se tornarem países emergentes: no campo económico e campo demográfico. Não pensemos apenas nas transacções materiais. Solidifiquemos o que nos une e concorramos para a protecção das línguas autóctones daqueles territórios, e dos demais, pois também merecem amplo respeito.

Como é possível apregoarem a unificação da língua portuguesa falada em vários continentes, baseando-a em regras ortográficas tão idiotas como disfuncionais?!
Quanta leviandade de Malacas Casteleiros e sequazes!
Apresentam-se como linguistas e filólogos. Não divido desses títulos; duvido da ponderação como são usados.

Quem estudou profundamente esta língua, as suas raízes fundamentais e evolução, a ortofonia que a distingue, como se admite, por exemplo, a eliminação de acentos onde são indispensáveis, precisamente pelo respeito à ortoépia e à clareza? Atiraram a moeda ao ar e, mediante este sistema, decidiram o que deveria ser eliminado; impossível descobrir outra justificação.
Mas sobre estas e outras cretinices (não conheço outra palavra que melhor as classifique) já muito foi escrito.

Paralelamente, quanta ignorância e inconsciência na Assembleia da República! Votaram alegremente e quase em massa - apenas três votos contrários! - um Acordo Ortográfico sem ouvirem os verdadeiros especialistas da matéria que o desaconselhavam. Ignoraram indecentemente petições contrárias, com milhares de assinaturas.
O Governo - somente o Governo português - impôs, levianamente, a aplicação do ensino dessa cacografia, desprezando a opinião da maioria de portugueses que se opunha e o peso do custo que tal mudança imporia aos pais dos alunos na compra de novos dicionários, gramáticas e demais material didáctico. Isto em plena crise!

Quanto aos nossos parlamentares - nomeados pelas secretarias dos respectivos partidos e não escolhidos pelos eleitores - antes de entrar no Parlamento, deveriam, também eles, prestar uma prova de aferição de cultura geral, constitucional e, como mais importante, de língua portuguesa. Ser-nos-iam poupados muitos dislates. 
Citemos alguns: kinkénio por qwinqwénio, ignorando que a vogal u deve ser pronunciada; ekitativo em vez de eqwitativo; periúdo por período - asneira de Nuno Crato, ministro da Educação (pasme-se!), embora seja calinada corrente em Lisboa; “melhor preparado,” (e construções idênticas) por “mais bem preparado” - erro muito generalizado.
Pérolas como estas, e piores ainda, abundam entre as figuras públicas que deveriam dar o exemplo do bem falar.

Para concluir, e mais uma vez, aos defensores e praticantes do Acordo Ortográfico aconselharia uma leitura acurada de o “Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa” (Coimbra, Atlântida – Livraria Editora, 1947) do professor catedrático Rebelo Gonçalves. Leiam o “Suplemento” que vai da página 103 à página 166.

Na dedicatória aos filhos, Rebelo Gonçalves escreve: “pelo amor à língua portuguesa que este livro saiba inspirar-lhes”.
Esta mesma dedicatória endereçá-la-ia àqueles professores catedráticos que publicam artigos de opinião, exprimindo-se com o AO90.
Precisamente por esta razão, confesso que não suporto a leitura destas eminentes figuras da nossa cultura. Se qualquer forma de ortografia lhes serve, significa que o que escrevem já não me oferece a credibilidade que deles esperaria.