EM PROL DA CULTURA
Ou “Elogio dos saberes inúteis”, título da
entrevista de Maria Mantello a Nuccio
Ordine, autor de um livro de grande sucesso editorial: “A Utilidade do Inútil” (entrevista publicada na revista literária
MicroMega - 20/01/2013).
“A Utilidade do Inútil”,
na Itália e em três meses, já conta com oito edições; na Espanha, três edições
em 4 semanas; na França, já atingiu a 4.ª edição. Estão em curso traduções na
Alemanha, Grécia, Coreia, Roménia.
Em Portugal? Não
encontrei nenhuma informação. Oxalá seja editado no nosso país, pois é uma
leitura fortemente recomendável.
Nuccio Ordine é um
filósofo, professor catedrático de Literatura Italiana na Calábria, grande estudioso
de fama internacional do Renascimento e da filosofia de Giordano Bruno.
No preâmbulo da
entrevista, Maria Mantella escreve: “A
Utilidade do Inútil” é um ensaio intenso que se expande através dos âmbitos
mais diversos do conhecimento, a fim de tecer o elogio da cultura contra a
desagregação social, induzida pela idolatria mercantilista que pretende
indivíduos obsequiosos e obedientes: útil engrenagem para o "usa e deita fora" do
capitalismo selvagem”.
Transcrevo uma
pequena parte da entrevista ao ilustre professor Nuccio Ordine: entrevista
longa e abrangendo onze grandes temas.
Primeira
pergunta: “A
Utilidade do Inútil” é um livro político, um manifesto contra a agressividade
do liberalismo selvagem que reduz tudo a um grande supermercado de consumo,
incluindo a cultura. Um livro para estimular a resistência activa?
Resposta: É já de conhecimento geral que cada singular aspecto da vida dos homens
esteja contaminado pelo utilitarismo, pela necessidade desenfreada de obter
lucro. Qualquer gesto efectuado ou por efectuar e qualquer palavra pronunciada
ou a pronunciar são postos ao serviço de um ganho, de um benefício pessoal. Eis
por que cada coisa tem um preço e tudo se pode comprar. Basta ter dinheiro e
todas as estradas se abrem.
Porém,
trata-se de uma deriva que está a corromper e a desumanizar a humanidade. E de
tal ordem que considera o homem em si mesmo e os seus sentimentos como uma
mercadoria.
A
lógica nefasta do utilitarismo chegou a invadir espaços onde nunca deveria ter acesso.
Pensemos na instrução (as escolas e a universidade reduzidas a empresas e os
estudantes a clientes); na saúde (onde também os doentes são considerados
clientes, puros números ao serviço de orçamentos a equilibrar e de interesses
lobísticos que devem continuar a ser alimentados); nos eventos culturais (a
promoção das chamadas “belezas fáceis”, aquelas belezas superficiais que não
exigem esforços e perdas de tempo).
Este
livro é um grito de alarme contra um fenómeno que se alastra e está a invadir
as nossas vidas. É uma tentativa de reabilitação das palavras como “gratuito” e “desinteressado”, que, actualmente, não fazem parte do nosso
léxico quotidiano. (o sublinhado é meu)
Segundo
tema: Útil/inútil,
inversões perspécticas para recolocar no centro o ser humano e o seu direito à
dignidade.
Resposta:
Procurei dar a palavra aos clássicos, a fim de convidar os leitores a escutar
as suas vozes. De Platão a Ítalo Calvino – filósofos, literatos, cientistas –
teceram, ao longo dos séculos, um elogio dos saberes inúteis, isto é, aqueles
saberes que não trazem proveitos e que, portanto, são considerados inúteis numa
sociedade onde contam apenas o dinheiro e o lucro. Mas estes grandes pensadores
recordam-nos, sobretudo, que os homens têm necessidade precisamente do que é
considerado inútil: porque a literatura, a arte, a filosofia, a música, a
investigação científica de base são necessárias para nutrir o espírito, para
nos melhorar, para tornar mais humana a humanidade.
Em
conclusão, o livro ajuda a reflectir sobre a utilidade do inútil e,
naturalmente, sobre a utilidade do útil (quantas coisas que nos são despachadas
por utilíssimas se revelam, pelo contrário, perfeitamente inúteis?).
Somente
no interior de um universo que esteja longe de qualquer forma de utilitarismo,
é fácil compreender que a dignidade do homem não se mede pela quantidade de
dinheiro que se possui, mas mede-se exclusivamente pelos grandes valores que
animam as nossas vidas: o amor pelo bem comum, pela justiça, pela solidariedade
humana, pela tolerância, pela liberdade, por todas as formas de pluralismo
(político, linguístico, cultural, religioso, etc.)
Oitava
pergunta: Declarou
várias vezes que é injusto fazer pagar a crise às classes mais débeis e às
instituições que se ocupam da instrução e da cultura em geral.
Resposta:
Não
é verdade que em tempo de crise tudo é permitido. O tribunal de Contas revelou
que nós (italianos) despendemos 150 mil milhões de euros por
ano devido à corrupção. Temos alguns políticos e alguns funcionários que
rapinam as caixas do Estado para acumular dinheiro, enriquecendo-se e
enriquecendo os próprios familiares. Bastaria pôr um freio à corrupção e
evitar-se-ia de fazer pagar às classes mais débeis uma crise determinada,
sobretudo, pelos bancos e pela finança.
Usei
a belíssima metáfora de Shakespeare para explicar que, hoje, os governos pedem a
libra de carne viva de cidadãos inocentes que são expropriados de qualquer
direito e dignidade humana. Quando o homem é constrangido a pagar a dívida com
a carne viva, significa que o ser humano se tornou em mercadoria e que a
humanidade se desumaniza cada vez mais.
O
mesmo discurso vale para o mundo empresarial. Não é possível tolerar a política
de muitas empresas que privatizaram o lucro e socializaram as perdas. Como se
atrevem a lançar apelos à solidariedade da classe operária e dos dependentes aqueles
empresários que, depois de ter depredado as próprias empresas, falsificando as
contas para transferir ilicitamente dinheiro para os paraísos fiscais, agora
despedem, sem piedade, centenas de trabalhadores inocentes?
São
comoventes os discursos de Adriano Olivetti, quando reivindicava, entre os fins
principais de uma empresa, o de criar liberdade, beleza, felicidade, instrução,
cultura e bem-estar para todos.
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Como acima escrevi, a
entrevista é extensa e os argumentos de Nuccio Ordine, todos eles, são de
grande interesse. Talvez num próximo post voltarei a este assunto.
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