A COMÉDIA DA ARTE
Exactamente, “la
commedia dell’arte” refulgiu no dia 27 de Novembro, prosseguindo nos dias
seguintes, após a expulsão de Berlusconi do Senado: “uma vítima sacrificial dos comunistas e de uma magistratura que se
comporta como as Brigadas Vermelhas”.
“A
lei foi espezinhada; foi um pelotão de execução. Luto pela democracia. Isto é
uma perseguição sem igual. Defendo a liberdade… etc., etc., etc.
Entraram em acção as manifestações dos simpatizantes e os cartazes que exibiram demonstraram bem o
esvaziamento do respeito pelas instituições e pela verdade dos factos. Mas isso
nunca foi novidade: é inerente ao berlusconismo.
“Berlusconi
como Jesus”; “É um golpe de Estado”…
Berlusconi
como Aldo Moro, assassinado pelas Brigadas Vermelhas.
Recordando a tragédia
do rapto e assassínio de Aldo Moro e quem foi esta personagem política, surge o
ímpeto (não aceitável, evidentemente) de correr à cacetada estes defensores de um
amoral sem dignidade política. Tudo se aceita em favor da liberdade de
expressão, menos bacoradas que ofendem a memória de quem sempre cultivou essa
dignidade.
Afastar Berlusconi do
Senado, um condenado a quatro anos de prisão por fraude fiscal, após ter
percorrido as três instâncias judiciais, nada oferece de anormal ou injusto,
pelo contrário: a lei é igual para todos e respeita-se. Anormal foi a reacção e
o comportamento teatral do condenado que, durante quatro meses, bombardeou o
país com protestos e acusações aos “comunistas e magistrados”. Comunistas são
os que o não votam e que ele coloca à esquerda.
Usou e abusou de
todos os meios de defesa que a lei concede. Não lhe faltaram garantias. Se,
após a sentença definitiva, tivesse um mínimo de dignidade, teria apresentado, imediatamente, a sua demissão do Senado.
Receberia aplausos, até mesmo de quem o detesta.
Mas a sua desmesurada
egolatria não lho consentiu. E assim deu início a uma perfeita comédia da arte, mas indecente.
Proclamação
tonitruante, enquanto o Senado votava a sua expulsão: “É um dia de luto para a democracia. A partir de 1994, uma magistratura
de extrema-esquerda deu-se como missão a via judiciária para o socialismo. São 52 processos que atiraram para cima de
mim. Lutámos, defendemo-nos, empregámos tantos recursos económicos, procurando
não perder a serenidade. Saímos sem nenhuma condenação de 41 processos”.
Esta história dos 52
processos é uma das muitas e descaradas mentiras que repete em continuação;
aldrabice repetida com unção pelos seus apoiantes.
Os processos movidos
contra este senhor são cerca de 18 ou 19. Não é pouco, mas também não é muito,
dada a sua incapacidade de saber distinguir o lícito do ilícito, propendendo
mais para a ilicitude.
Quanta à sua defesa
da democracia, vejamos, nas palavras do director de La Repubblica, o que ele
entendia como práticas democráticas nas questões judiciais, quando primeiro-ministro:
(…)“Excepção para um único homem, a excepção permanente. Primeiro, deformando as
normas, prolongando o processo, encurtando a prescrição, chamando «lodo» (medida legislativa) aos privilégios, convertendo em normas os
abusos. Em seguida, contestando, não a acusação, mas os magistrados:
inicialmente, os magistrados do ministério público; depois os juízes; por último,
a inteira categoria. Logo, contestando o processo. Naturalmente, recusando a
sentença. Enfim, condenando a condenação”.
Alguns dias antes da
sua expulsão, escreveu uma carta aos seus principais adversários políticos: Partido
Democrático e Movimento Cinco Estrelas.
Li a versão integral
e apenas vi argumentos banais para apelar a uma “autêntica pacificação, isto é, uma legitimação recíproca entre as
grandes forças políticas”. “Não assumais uma responsabilidade que pesaria para
sempre sobre a vossa imagem, a vossa história pessoal, a vossa consciência. Uma
responsabilidade da qual, no futuro, devereis envergonhar-vos perante os vossos
filhos, os vossos eleitores e todos os italianos”.
Os 192 senadores que
votaram a favor da expulsão - em oposição aos 114 que votaram contra e duas
abstenções - não se comoveram, bem conhecendo o pensamento dos milhões de
italianos que estão saturados de Berlusconi e da sua concepção aberrante do
valor das instituições num Estado de direito: “quem recebe oito milhões de
votos não pode ser processado, pois seria um golpe de Estado. A justiça deve estar
ao serviço da política”.
E foi este senhor que
ocupou três vezes o cargo de primeiro-ministro!
Acabando como
iniciei. Comédia da arte em todo o seu esplendor! Divertiu-me a imagem e
respectivos lamentos de várias parlamentares berlusconianas que se
apresentaram no Senado vestidas de luto; outras com roupas escuras.
Algumas têm razão de prantear o que fizeram ao seu tutor. Sem a desenvoltura e desfaçatez
como ele escolhia os candidatos, estas senhoras jamais teriam entrado no
Parlamento italiano.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home