O PÃO SUJO DA CORRUPÇÃO
Abençoado Papa Francisco
que não pára de nos surpreender com a sua linguagem simples, directa e sem
eufemismos. Quão diferente das palavras teologicamente pomposas e quase
herméticas que caracterizavam os discursos das hierarquias católicas a que
estávamos habituados!
Na missa celebrada
sexta-feira passada na Casa Santa Marta, achei interessante o uso insistente da
palavra “luvas” (em italiano tangente/tangenti) para denunciar “a corrupção que anula a dignidade”.
Evocando a parábola do
administrador desonesto, foi direito a um fenómeno que, infelizmente, é de
todos os tempos.
Referindo-se ao patrão
que na parábola elogia o administrador desonesto pela sua esperteza, eis o
pensamento de Papa Francisco:
“Certo, isto é um louvor às “luvas”! E o hábito das “luvas” é
um costume mundano e fortemente pecador. É um hábito que não vem de Deus. Deus
comandou que levássemos o pão para casa, fruto do nosso trabalho honesto! E
este homem, administrador, levava-o, mas como? Dava de comer aos seus filhos
pão sujo: filhos talvez educados em colégios dispendiosos, talvez crescidos em
ambientes cultos que, como alimento, tinham recebido do seu pai sujidade,
porque o seu pai, levando para casa pão sujo, tinha perdido a dignidade. E isto
é um pecado grave.
Começa-se, talvez, com umas pequenas “luvas”, mas é como se
fosse droga.”
No livro “Curar-se da
Corrupção”, onde foram recolhidas as reflexões do Papa, quando arcebispo de
Buenos Aires, sobre esta praga, pode
ler-se o seguinte: “A corrupção é uma
planta maligna que invadiu a política, a economia, a sociedade e que também
ameaça a Igreja”.
O pecado perdoa-se; a corrupção não pode ser perdoada.
Pecador, sim; corrupto, não”.
E cheguei ao ponto que
desejava, partindo desta catilinária, muito oportuna e aplaudida, de Papa
Francisco sobre a corrupção.
Corrupção, concussão,
peculato, quantas variantes da desonestidade na função pública! E quanta debilidade
ou inércia em combatê-la!
Gian Antonio Stella é um apreciado
editorialista do Corriere Della Sera e que sempre me agrada ler. Num artigo de
sábado passado sobre a corrupção na Itália, abre o tema com este parágrafo: «Ainda bem que há Papa Francisco», escreve
Pino1947, vencendo o primeiro lugar entre os comentários mais votados de
Corriere.it. Sim, ainda bem, porque a luta aos «devotos da deusa luvas», como
lhes chama o Papa, não parece que tenha a primazia nos pensamentos do mundo
político, não obstante os corruptos, segundo o Tribunal de Contas, roubem ao
país pelo menos 60 mil milhões de euros por ano. Doze vezes o IMI sobre a
primeira casa”.
Considerando apenas o lado
material, sessenta mil milhões de euros roubados ao Estado quanto influem sobre
a economia e a administração pública? Esta categoria de furto quanto contribui para
uma maior carga de impostos?
Formulo estas perguntas,
porque, a este respeito, é inevitável a associação do que se passa na Itália
com o que sucede em Portugal.
Quantos milhões de euros -
ou milhares de milhões – são sonegados, por este meio, ao Estado português?
Não recordo qual o lugar que
o nosso país ocupa em “Transparency”, o organismo internacional que,
anualmente, avalia o grau de corrupção nos diversos países.
Não seremos dos mais
corruptos, mas essa praga impera, prolifera e podemos asserir que também concorre
para exasperar os sacrifícios exigidos aos cidadãos portugueses para o
ajustamento do orçamento do Estado.
Contra a corrupção, portanto,
quais as medidas, rigorosas e paralelas à austeridade que nos é imposta e
servilmente obedecida, que o Governo pôs e põe em movimento? São conhecidas?
Por que motivo, então, a famigerada
austeridade também atingiu a polícia judiciária, quando esta deveria ser
potenciada e exigir-se-lhe o máximo de eficiência?
Por último, e sem
pretender insinuar acusações ofensivas, qual a transparência nas privatizações
de organismos que davam lucro ao país? Houve essa transparência e tudo nos foi
explicado devidamente? Não creio.
Embora nada tenha que ver
com corrupção e quejandos, privatizar os CTT ou Águas de Portugal, por exemplo,
não significa roubar ao país bens essenciais, sobretudo no que concerne as Águas?
E tudo isto se faz sem que os intelectuais, as nossas elites mais
influentes, os políticos de bom senso se oponham firmemente a estas alienações,
sugerindo alternativas? Vem-me a tentação de exclamar: mas que raio de país é
este!? Mas não exclamo.
1 Comments:
Aqui não conseguimos nada. As luvas, a corrupção, os branqueamentos de capitais, está tudo institucionalizado. O exemplo vem de cima.
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