segunda-feira, novembro 11, 2013

O PÃO SUJO DA CORRUPÇÃO

Abençoado Papa Francisco que não pára de nos surpreender com a sua linguagem simples, directa e sem eufemismos. Quão diferente das palavras teologicamente pomposas e quase herméticas que caracterizavam os discursos das hierarquias católicas a que estávamos habituados! 

Na missa celebrada sexta-feira passada na Casa Santa Marta, achei interessante o uso insistente da palavra “luvas” (em italiano tangente/tangenti) para denunciar “a corrupção que anula a dignidade”.

Evocando a parábola do administrador desonesto, foi direito a um fenómeno que, infelizmente, é de todos os tempos.
Referindo-se ao patrão que na parábola elogia o administrador desonesto pela sua esperteza, eis o pensamento de Papa Francisco:
“Certo, isto é um louvor às “luvas”! E o hábito das “luvas” é um costume mundano e fortemente pecador. É um hábito que não vem de Deus. Deus comandou que levássemos o pão para casa, fruto do nosso trabalho honesto! E este homem, administrador, levava-o, mas como? Dava de comer aos seus filhos pão sujo: filhos talvez educados em colégios dispendiosos, talvez crescidos em ambientes cultos que, como alimento, tinham recebido do seu pai sujidade, porque o seu pai, levando para casa pão sujo, tinha perdido a dignidade. E isto é um pecado grave.
Começa-se, talvez, com umas pequenas “luvas”, mas é como se fosse droga.”

No livro “Curar-se da Corrupção”, onde foram recolhidas as reflexões do Papa, quando arcebispo de Buenos Aires, sobre esta praga, pode ler-se o seguinte: “A corrupção é uma planta maligna que invadiu a política, a economia, a sociedade e que também ameaça a Igreja”.
O pecado perdoa-se; a corrupção não pode ser perdoada. Pecador, sim; corrupto, não”.

E cheguei ao ponto que desejava, partindo desta catilinária, muito oportuna e aplaudida, de Papa Francisco sobre a corrupção.

Corrupção, concussão, peculato, quantas variantes da desonestidade na função pública! E quanta debilidade ou inércia em combatê-la!

Gian Antonio Stella é um apreciado editorialista do Corriere Della Sera e que sempre me agrada ler. Num artigo de sábado passado sobre a corrupção na Itália, abre o tema com este parágrafo: «Ainda bem que há Papa Francisco», escreve Pino1947, vencendo o primeiro lugar entre os comentários mais votados de Corriere.it. Sim, ainda bem, porque a luta aos «devotos da deusa luvas», como lhes chama o Papa, não parece que tenha a primazia nos pensamentos do mundo político, não obstante os corruptos, segundo o Tribunal de Contas, roubem ao país pelo menos 60 mil milhões de euros por ano. Doze vezes o IMI sobre a primeira casa”.

Considerando apenas o lado material, sessenta mil milhões de euros roubados ao Estado quanto influem sobre a economia e a administração pública? Esta categoria de furto quanto contribui para uma maior carga de impostos?

Formulo estas perguntas, porque, a este respeito, é inevitável a associação do que se passa na Itália com o que sucede em Portugal.
Quantos milhões de euros - ou milhares de milhões – são sonegados, por este meio,  ao Estado português?

Não recordo qual o lugar que o nosso país ocupa em “Transparency”, o organismo internacional que, anualmente, avalia o grau de corrupção nos diversos países.
Não seremos dos mais corruptos, mas essa praga impera, prolifera e podemos asserir que também concorre para exasperar os sacrifícios exigidos aos cidadãos portugueses para o ajustamento do orçamento do Estado.

Contra a corrupção, portanto, quais as medidas, rigorosas e paralelas à austeridade que nos é imposta e servilmente obedecida, que o Governo pôs e põe em movimento? São conhecidas?
Por que motivo, então, a famigerada austeridade também atingiu a polícia judiciária, quando esta deveria ser potenciada e exigir-se-lhe o máximo de eficiência?

Por último, e sem pretender insinuar acusações ofensivas, qual a transparência nas privatizações de organismos que davam lucro ao país? Houve essa transparência e tudo nos foi explicado devidamente? Não creio.

Embora nada tenha que ver com corrupção e quejandos, privatizar os CTT ou Águas de Portugal, por exemplo, não significa roubar ao país bens essenciais, sobretudo no que concerne as Águas? E tudo isto se faz sem que os intelectuais, as nossas elites mais influentes, os políticos de bom senso se oponham firmemente a estas alienações, sugerindo alternativas? Vem-me a tentação de exclamar: mas que raio de país é este!? Mas não exclamo.

1 Comments:

At 5:50 da tarde, Blogger Unknown said...

Aqui não conseguimos nada. As luvas, a corrupção, os branqueamentos de capitais, está tudo institucionalizado. O exemplo vem de cima.

 

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