segunda-feira, outubro 18, 2010

O IRRACIONALISMO QUE SUFOCA A DIGNIDADE HUMANA

E esta irracionalidade, com as fórmulas intolerantes e fundamentalistas das extremas-direitas que, desgraçadamente, avançam nesta nossa Europa e de há muito se instalaram em Israel, tudo cancelam: o bom senso; um civilizado e humano raciocínio sobre as circunstâncias que determinam conflagrações; a compreensão dos sentimentos e razões de quem está do outro lado.

Não esqueçamos os incendiários de profissão que nada mais compreendem senão perenes conflitos e nada mais vêem que inimigos ou Estados que devem desaparecer. Em Ahmadinejad vemos o protótipo ideal destes pregadores e instigadores da violência pela violência.

Sempre que observo os modos e a cara deste presidente iraniano, apenas me surge uma pergunta: como foi possível que um país culto e de longa história como o Irão tivesse dado voz política a um indivíduo tão rasteiro?
Mas devo engolir a pergunta. Como foi e é possível que a civilizadíssima e democrática Itália tivesse votado e vote um Berlusconi?!

Quando leio que em Israel a extrema-direita impôs uma emenda legislativa que obriga os novos cidadãos a prestar juramento ao “Estado Judaico e Democrático de Israel”, confesso que chego a duvidar do equilíbrio mental dos actuais dirigentes daquele País.
É desde 1948 que existem, no Estado de Israel, árabes israelianos (representados no Parlamento) e árabes cristãos. Que estupidez fundamentalista é esta de pretender um juramento a um “Estado Judaico”? E onde colocam a definição de “Estado Democrático”, característica indiscutível do verdadeiro Israel, aquele Israel que sempre mereceu a minha simpatia? Mais uma provocação a juntar à malfadada política dos colonatos.

Não falemos, então, das gafes de Avigdor Lieberman, líder do partido ultranacionalista e ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel.
Em Jerusalém, numa ceia oficial com os seus colegas de Espanha e França - Miguel Moratinos e Bernard Kouchner – foi de uma grosseria indigna de uma pessoa educada; inadmissível num homem de Estado.
Vejamos a “alta” diplomacia deste ministro: “Primeiro, pensai em resolver os vossos problemas na Europa; depois, podeis vir até nós e, então, talvez estejamos dispostos a aceitar os vossos conselhos. Israel não será a Checoslováquia de 2010”.

Continuo a pensar que os extremos, neste caso em política, são e serão sempre rejeitáveis; a extrema-direita, porém, consegue apresentar-se com a face repulsiva de uma autêntica calamidade.

Fiquei impressionada com o discurso que o escritor israelita, David Grossman, proferiu na cerimónia do encerramento da Feira do Livro de Frankfurt.
Como já fora anunciado, a Associação de Editores e Livreiros alemães concedeu-lhe o “Prémio da Paz”, justamente pelo seu empenho a favor da concórdia entre israelitas e palestinianos.
Transcrevo alguns extractos desse discurso que li e reli com profundo interesse, embora difíceis de seleccionar, pois não há nenhum parágrafo deste discurso que não seja belo, expressivo na profundidade dos sentimentos, comovente. Fixar-me-ei apenas nas passagens atinentes ao prémio que lhe foi concedido.

*****

QUERO FALAR DA PAZ”
Quando comecei a escrever «A Mulher que Foge», sabia que queria contar a História de Israel que, há mais de cem anos – ainda antes de formar uma nação – se encontra num estado de guerra. E sabia que a teria narrado através da uma história privada, íntima, de uma família.

[…] No livro «A Mulher que Foge», procurei demonstrar como o conflito do Médio Oriente projecte si mesmo, a sua brutalidade, sobre a frágil e delicada esfera familiar e como, inevitavelmente, modifique esta estrutura.
Procurei descrever a luta que pessoas entaladas neste conflito, ou num qualquer choque violento e continuado, devem suportar.

[…] Para mim, ser homem num confronto tão prolongado, acima de tudo significa observar, ter os olhos abertos, sempre, tanto quanto o consiga - e nem sempre consigo, nem sempre tenho a força para o fazer. No entanto, sei que tenho o dever de, pelo menos, insistir, a fim de saber o que sucede, o que se faz em meu nome, em que devo colaborar, embora o desaprove de forma absoluta.
Sei que devo observar os eventos, a fim de reagir, para dizer a mim mesmo e aos outros o que sinto. Chamar aqueles eventos com nomes e palavras minhas, sem deixar-me tentar por definições e termos que o governo, o exército, os meus medos - ou até mesmo o inimigo - procuram ditar-me.

Desejo recordar – e frequentemente é isto o mais difícil – que também quem me está defronte, o inimigo que me odeia e vê em mim uma ameaça à sua existência, é um ser humano com uma família, com filhos, com um próprio conceito de justiça, esperanças, desespero, medos e limitações.

[…] Certas vezes, é necessário recordar o que é óbvio: as duas partes, israelitas e palestinianos, têm o direito de viver em paz, livres de ocupações, do terrorismo, do ódio; de viver com dignidade, quer a nível singular, quer como povos independentes num próprio estado soberano…

[…] Não posso dizer o que os palestinianos esperam da paz. Não tenho o direito de formular os seus sonhos. Posso unicamente augurar-lhes, do fundo do coração, que conheçam, o mais cedo possível, uma existência de liberdade e de soberania, depois de anos de escravidão e de ocupações sob turcos, ingleses, egípcios, jordanos e israelitas. Que construam a sua nação, um estado democrático onde crescer os filhos sem medo …

[…] Só a paz dará a Israel uma casa, um amanhã, gerações futuras. E só a paz permitirá a nós, israelitas, de viver uma situação, ou sensação, nunca antes experimentada: a de uma “existência estável”.

[…] Aspirar a sentir-se um povo radicado na própria terra, dotado de confins protegidos e reconhecidos pela comunidade internacional, aceite pelos vizinhos, em boas relações com eles e integrado no tecido das suas vidas, com um futuro na frente e, finalmente, em casa no mundo.
Eis-me a falar-vos da paz e é estranho! Eu, que nunca conheci um só instante de verdadeira paz na minha vida, venho falar-vos dela? Mas precisamente pelo que sei da guerra, vejo-me com o direito de falar da paz.

[…] A guerra, por natureza, anula as esfumaturas que tornam único um indivíduo e a peculiaridade de cada ser humano. E com a mesma violência renega também a semelhança entre os seres humanos, as coisas que nos tornam iguais, o nosso destino comum…

[…] Em 12 de Agosto 2006, poucas horas antes do cessar-fogo, o meu filho Uri foi morto, juntamente com os seus três companheiros - a equipagem de um carro de combate - por um rocket lançado pelo Hezbollah.
Quero dizer apenas isto: pensai num rapaz na flor da vida, com todas as esperanças, o entusiasmo, a alegria de viver, a ingenuidade, o humorismo e os desejos de um jovem homem.
Assim era Uri e assim eram milhares de israelitas, palestinianos, libaneses, sírios, jordanos e egípcios que perderam, e continuam a perder, a própria vida neste conflito

Do discurso, integral, de David Grossman, publicado em La Repubblica de 11/10/2010

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Há tantas vozes como esta em Israel, mas o irracionalismo de quem deveria tomar decisões corajosas não as quer ouvir.
Alda M. Maia

3 Comments:

At 1:19 da manhã, Blogger a d´almeida nunes said...

De facto, Alda, como é possível ficar-se indiferente a um discurso como o de David Grossman, particularmente nas circunstâncias da sua vida familiar inelutavelmente entrelaçadas com a vida dos povos duma região tão martirizada como é a do Médio Oriente?

Como é possível toda uma população dum Estado como o do Irão tolerar e até apoiar as posições loucas dum homem que está à frente dos seus destinos?

Como não nos interrogarmos sobre as dificuldades e contradições que o homem vive, quando, afinal, não seria assim tão difícil como isso sermos felizes. Bastaria sermos mais solidários, seguirmos sentimentos humanistas. Tão somente!...

O mundo vive dias muito problemáticos!
Será que o Homem tem que se repetir ciclicamente no seu percurso sem rumo?!

Com amizade
António

 
At 6:13 da tarde, Blogger Alda M. Maia said...

Viva, António!

Já reparou que, no Médio Oriente, certos dirigentes e os fundamentalismos que os apoiam parecem uns drogados de guerras e conflitos?

Se não me engano, recordo que o filósofo Bertrand Russell dava o seguinte conselho: Os Senhores que estão no comando querem guerras e criar conflitos? Então esses mesmos senhores que tudo decidem – de uma parte e da outra – que saltem para uma arena e resolvam os problemas à bofetada ou ao soco uns aos outros.

Imagine Obama e Ahmadinejad numa arena dessas. Que espectáculo!!

Um abraço e um beijinho à Zaida
Alda

 
At 4:13 da tarde, Blogger Teresa Fidalgo said...

... SEM COMENTÁRIOS...

Está tudo dito neste maravilhoso discurso!

 

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